Capítulo 12 - REAÇÕES À NOVA CRISTOLOGIA - (1970 – 1979)

tocados por nossos sentimentos


Capítulo 12 - REAÇÕES À NOVA CRISTOLOGIA - (1970 – 1979)

A influência da nova teologia foi crescente. Embora os defensores da Cristologia tradicional ficassem, de início, um tanto aturdidos com a rapidez da mudança, começaram a reagir energicamente, principalmente através dos canais oficiais de mídia da igreja. 

No começo, eles se fizeram ouvir em artigos publicados na Review and Herald, e então por meio do Instituto de Pesquisas Bíblicas, em nível da Conferência Geral. Mais tarde, mediante as lições da Escola Sabatina e em muitos livros. Em seguida à publicação do Movement of Destiny, o ano de 1970 marcou o início de um despertamento do interesse nos ensinamentos históricos dos pioneiros da igreja.

A Reação da Review and Herald

Após a morte de F. D. Nichol, em 1966, Kenneth H. Wood, seu associado, tornou-se editor-chefe da Review and Herald. Sob sua liderança, de 1966 a 1982, a Review nunca cessou de rememorar o ensino histórico. Como presidente do Patrimônio de Ellen G. White e também da junta de seus depositários, desde 1980, Wood fez tudo o que podia para incentivar a publicação de artigos sustentando a posição tradicional.

Para esse fim, Wood chamou dois editoresassociados: Thomas A. Davis, em 1970, e Herbert E. Douglass, em 1971. Ambos se revelaram fortes defensores da tradicional Cristologia adventista. Por meio de artigos, livros e ocasionais participações nas lições da Escola Sabatina, eles sistematicamente se opuseram ao ensino apresentado no Questions on Doctrine e no Movement of Destiny.

Mesmo antes de ser chamado à Review, Thomas A. Davis havia publicado em 1966 um livro de meditações diárias, que apoiava a posição histórica. Davis escreveu: “O Poderoso Criador que havia colocado o átomo do mundo girando no espaço, Ele próprio Se tornou participante da carne e do sangue do homem pecaminoso, e edificou Sua casa sobre o minúsculo planeta que fizera. 

Que espantosa condescendência! Houvesse Ele tomado sobre Si a forma impecável de Adão, e já teria feito um sacrifício infinito. Mas Ele foi muito mais além quando Se achou na forma de homem degradada por milênios de pecado.”  Em 1971, Davis repetiu suas convicções no livro Romans for the Every-day Man (Romanos Para o Homem de Cada Dia). 

Herbert E. Douglass também assumiu firme defesa contra os novos pontos de vista do Adventismo. Ele era conhecido como um teólogo equilibrado e respeitado professor de Bíblia, tendo servido como presidente do Colégio União do Atlântico. Chamado para unir-se ao staff da Review and Herald como editor-associado, tornouse conhecido como um dos mais ardentes defensores da posição histórica pós-lapsariana. 

Ao chegar à Review, ele publicou uma série de artigos e editoriais expondo um aspecto da questão muito caro ao seu coração: “Naquele primeiro Natal, os jubilosos anjos sabiam que o dramático momento chegara. Seu amado Senhor havia entrado pessoalmente na batalha... Ele provaria que o que Ele requerera do homem decaído, seria realizado.” 

No segundo editorial, Douglass explicou por que Cristo tinha de tomar sobre Si mesmo a natureza decaída do homem. “Todos os outros passos no plano da salvação, incluindo a ressurreição dos fiéis durante os tempos do Velho Testamento, dependiam totalmente do sucesso que Jesus teria como co-participante na arena da tentação. Pois se Cristo, perante o expectante Universo, não vencesse sob as mesmas condições que todo homem precisa enfrentar, então nenhum homem poderia esperar vencer.” 

No último artigo da série, Douglas mostrou que o homem pode vencer a tentação conforme o exemplo de Jesus. “Como substituto do homem, Ele provou que esse poderia viver sem pecar. ‘Nós também podemos vencer como Cristo venceu.’(O Desejado de Todas as Nações, pág. 389). 

Jesus não Se valeu de nenhuma vantagem que não esteja disponível a cada ser humano. Unicamente Sua fé constitui-se no segredo de Seu triunfo sobre o pecado. ‘A vitória  e a obediência de Cristo é a de um ser humano... Quando conferimos à Sua natureza humana um poder que não é possível ao homem possuir em seus conflitos com Satanás, destruímos a integralidade de Sua humanidade’ (Seventh-day Adventist Bible Commentary, Comentários de Ellen G. White, vol. 7, pág. 929).” 

Um dos conceitos que Douglass desenvolveu em seus editoriais era-lhe especialmente caro. Esse tinha que ver com a última geração vivente ao tempo do retorno de Cristo. “A fé de Jesus produz o caráter de Jesus; essa é a meta de todos aqueles que desejam tomar parte naquela extraordinária demonstração de um viver semelhante ao de Cristo na última geração de adventistas.”  “A última geração dos que ‘guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus’ dissipará para sempre todas as dúvidas remanescentes sobre se a vontade do homem, unida ao poder de Deus, pode afastar todas as tentações de servir ao eu e ao pecado.”586

Por vários anos, entre 1971 e 1974, Douglass publicou um editorial natalino que chamava a atenção para a natureza humana decaída de Cristo, e para a razão por que Ele teve de tomar a humanidade sobre Si.  

Quando lhe perguntaram por que ele escrevera esses editoriais, Douglass respondeu: “Obviamente, isso se tornou um ponto de encontro ou bandeira para muitos que pensavam nunca mais poder ver a verdade impressa... Eu simplesmente queria dar um suporte mais rico ao ponto de vista que foi proeminente na história de nossa igreja, e ainda o é na vida e pensamento de muitos irmãos da Conferência Geral, com quem convivo no dia-a-dia.” 

A Reação do Instituto de Pesquisa Bíblica

Pouco após o lançamento do volume 7-A do Seventh-day Adventist Bible Commentary, em 1970, os membros do Instituto de Pesquisa Bíblica da Conferência Geral foram convocados para revisar um dos apêndices. Isso foi feito através de um suplemento especial do Ministry, em fevereiro de 1972,  com a seguinte introdução:

“Com a publicação do Question on Doctrine... despertou-se considerável interesse com respeito à natureza de Cristo durante a Encarnação, e a relação dessa natureza com a natureza do homem, especialmente na guerra do homem contra a tentação e o pecado.

“Como o estudo se seguiu à publicação do Questions on Doctrine, foi feita a sugestão de que o Apêndice B, intitulado ‘A Natureza de Cristo Durante a Encarnação’ poderia ser mais útil se os elementos de possível interpretação – ênfase por italização, interpretação por título, etc. –, fossem minimizados para que as declarações pudessem ser postas diante do leitor em sua própria força, falando-lhe à mente.

“O material em seu presente feitio foi considerado pela Comissão de Pesquisa Bíblica da Conferência Geral, e aprovado como a mais proveitosa forma para futura apresentação... Seus leitores são estimulados a considerar nessas declarações, o equilíbrio entre a divindade e a humanidade de Cristo, e os perigos inerentes em torná-Lo tão exclusivamente divino ou tão completamente humano. O elemento de mistério na Encarnação pede constante reconhecimento.” 

O Instituto de Pesquisa Bíblica eliminou os itálicos, reorganizou o texto e suprimiu algumas citações. E o mais importante: rescreveu muitos dos títulos e subtítulos para torná-los menos tendenciosos teologicamente. Assim, por exemplo, o título III, que diz que Jesus “assumiu a natureza humana isenta de pecado” , foi substituído por outro mais de acordo com o conteúdo das citações: “Tomando a natureza humana, Cristo não participou de seu pecado ou propensão para o mal.”  Dessa maneira, sem entrar em polêmica com os autores do apêndice B, os membros do Instituto de Pesquisa Bíblica apresentaram um texto neutro, deixando que os leitores tirassem suas próprias conclusões.

Em seu relatório público, Gordon Hyde, então diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica da Conferência Geral, notou com pesar a crescente influência da nova Cristologia. Escreveu ele: “É geralmente sabido que nem todos ficaram felizes com a ênfase dada no Question on Doctrine, e de fato, um ou dois estudiosos entre nós, bem como líderes de alguns grupos discordantes, tomaram uma atitude negativa diante da ênfase dada e disputaram enfaticamente pela posição póslapsariana. 

Em geral, todavia, a posição do Question on Doctrine pareceu prevalecer e foi mantida pela liderança da igreja como sendo correta... Porém, nos últimos três ou quatro anos, houve um reacendimento dos assuntos por parte de certos editores da Review em seus editoriais, e em algumas publicações dos grupos divergentes.” 

Herbert E. Douglass Reage Através das Lições da Escola Sabatina

Nessa ocasião, enquanto Herbert Douglass publicava seus editoriais na Review and Herald, foi-lhe solicitado preparar as lições da Escola Sabatina sobre “Cristo, Nossa Justiça”, para o primeiro trimestre de 1974. 

O problema da natureza humana de Jesus é tratado sob o título “O Justo Jesus”.595 O verso básico é Romanos 8:3, e a introdução do tópico apresenta esta citação de Ellen White: “Cristo suportou os pecados e fraquezas da raça humana tais como existiam quando Ele veio à Terra para ajudar o homem. Em favor da raça, tendo sobre Si as fraquezas do homem caído, devia Ele resistir às tentações de Satanás em todos os pontos em que o homem era tentado.” 

Tendo desenvolvido o tema da divindade de Cristo nas primeiras duas seções da lição, Douglass abordou Sua humanidade nas outras quatro, sob os seguintes títulos “Jesus Foi Homem” (Fil. 2:5-7); “Compreensão Mútua” (Heb. 2:17); “Jesus Foi Tentado” (Heb. 4:15; 12:3 e 4); “Uma Vida Sem Pecado” (Rom. 8:3; João 16:33). 

Os comentários de cada texto foram extraídos principalmente dos escritos de Ellen White. Considerando que a nova interpretação estava supostamente baseada nas citações de Ellen White, achou-se apropriado refutar essa explanação com apoio em seus escritos. Por essa razão, eis esta clássica citação em conexão com Filipenses 2:5-7 e João 1:14: “Cristo não fingiu assumir a natureza humana; Ele de fato a tomou sobre Si... (Heb. 2:14). 

Ele era o filho de Maria; era da semente de Davi segundo a descendência humana. É declarado ser Ele homem, o Homem Cristo Jesus.”  E outra ainda: “Por quatro mil anos estivera a raça a decrescer em forças físicas, vigor mental e moral; e Cristo tomou sobre Si as fraquezas da humanidade degenerada. Unicamente assim podia salvar o homem das profundezas de sua degradação.” 

Jesus era imaculado não por que possuísse carne impecável, mas porque Ele viveu sem pecar numa ‘carne em semelhança do pecado’. Assim Douglass concluiu que Jesus havia demonstrado ser possível “viver sem pecar, em obediência à lei do Céu, a quem quer que se lance inteiramente nas mãos de Deus”. 

Como veremos mais tarde, Douglass é específico sobre enfatizar a razão de Jesus ter vindo em carne pecaminosa. Para ele existia uma relação de causa e efeito entre Cristologia e Soterologia. Realmente, ele sentiu ser precisamente essa toda a controvérsia havida.

Numa tentativa de resolver as divergências sobre o assunto da justificação pela fé, os líderes da Conferência Geral entenderam que deveria ser escolhida uma comissão especial. Obviamente, essa comissão não poderia considerar o problema sem também examinar a natureza humana de Cristo.

Pesquisaremos os relatórios dessa comissão para coligir suas conclusões com respeito à Cristologia.

A Cristologia da Comissão da Justificação Pela Fé

Essa comissão foi especificamente criada para examinar o manuscrito de Robert J. Wieland e Donald K. Short. Por essa razão, ela foi inicialmente conhecida como “A Comissão Revisora do Manuscrito Wieland e Short.”  

Já em 1950, esses dois missionários, ao retornarem da África, foram os primeiros a advertir a Conferência Geral sobre as novas interpretações a respeito da Pessoa e obra de Cristo, que estavam ameaçando a igreja. Subseqüentemente, eles foram solicitados a apresentar suas preocupações por escrito, o que fizeram em forma de um compêndio datilografado intitulado 1888 Reexaminado. 

Para facilitar o trabalho da comissão, três subcomissões foram criadas para reunir a documentação necessária. A própria comissão reuniu-se em 25 de outubro de 1974, e numa segunda vez em 17 a 19 de fevereiro de 1975. Um terceiro e final encontro, de 23 a 30 de abril de 1976, em Palmdale, Califórnia, incluiu uma importante delegação proveniente da Austrália.

É interessante notar como o relatório da reunião de 17 de fevereiro de 1975 sumariou o acordo havido com os irmãos Wieland e Short.

Primeiramente, eles reconheceram a contribuição sem paralelo de Jones e Waggoner em sua mensagem sobre a justificação pela fé, e a relação existente entre a natureza humana de Jesus e a justiça pela fé. A comissão concluiu, todavia, que Ellen White não teria aprovado todas as declarações feitas por Jones e Waggoner. Ademais, ela se recusou entrar na controvérsia sobre o assunto da natureza humana de Cristo.

Em essência, esses pontos foram abordados no relatório da comissão de Palmdale sobre justificação pela fé.  

Entretanto, alguns teólogos adventistas da Austrália desafiaram a interpretação tradicional da justificação pela fé, afirmando que de acordo com a Bíblia, a expressão diz respeito apenas à justificação, sem incluir santificação. Uma delegação de 19 líderes da igreja australiana, incluindo Desmond Ford e Alwyn Salom, foi convidada a discutir a matéria na conferência de Palmdale. Esses homens tiveram a oportunidade de apresentar seus pontos de vista sobre justificação pela fé e a natureza humana de Cristo. Ficou claro que ninguém duvidava da relação direta entre as duas.

Na sessão que tratou da humanidade de Cristo, o relatório sintetizou as conclusões da comissão conforme estes termos:

“1. Que Cristo era, e ainda é, o Deus Homem – a união da verdadeira Divindade e da verdadeira humanidade.

“2. Que Cristo experimentou toda a extensão das tentações, com risco de fracasso e perda eterna.

“3. Que Cristo venceu a tentação, apropriando-Se unicamente daquelas provisões que Deus dispõe à família humana.

“4. Que Cristo viveu em perfeita obediência aos mandamentos de Deus e que Ele era sem pecado.

“5. Que por Sua vida e morte expiatória tornou possível aos pecadores ser justificados pela fé e, portanto, considerados justos à vista de Deus.

“6. Que pela fé no ato redentor de Cristo, não apenas a posição da pessoa diante de Deus pode ser mudada, mas seu caráter também, enquanto cresce na graça e obtém a vitória tanto sobre as tendências hereditárias como sobre as cultivadas para o mal. Essa experiência de justificação e santificação prossegue até a glorificação.” 

O relatório cita as declarações de Ellen White mais favoráveis à posição tradicional, enfatizando a participação de Cristo na natureza caída do homem e Sua vida imaculada. Mas, naturalmente, os participantes dessa conferência não eram unânimes com respeito às interpretações dessas declarações. 

Em realidade, tanto estavam presentes ali muitos defensores da posição póslapsariana como da pré-lapsariana. Assim, o relatório da conferência não tomou posição sobre esse tema, mas finalizou com um apelo pela unidade e encorajamento para o prosseguimento desse estudo num espírito de tolerância de ambas as partes.

Com efeito, isso já não era mais uma questão de decidir qual das duas interpretações estava correta, mas simplesmente de reconhecer que os dois diferentes pontos de vista existiam. 

Esses desvios das doutrinas fundamentais como justificação pela fé e a natureza humana de Cristo, foram considerados por alguns como evidência de uma aguda crise teológica no seio da Igreja Adventista. A obra de Geoffrey J. Paxton, The Shaking of Adventism (O Abalo do Adventismo), representa claramente a opinião daqueles que acompanharam as discussões da conferência de Palmdale do lado de fora. 

Vistas do lado de dentro, Arthur Leroy Moore, um teólogo adventista, chegou à mesma conclusão em sua tese doutoral publicada em 1980, sob o título The Theology Crisis (A Crise da Teologia) 

Moore refuta sistematicamente as novas interpretações dos “reformistas” – como ele os chamou – sobre a justificação pela fé e a natureza humana de Cristo, baseadas nas apresentações de Ford na Conferência de Palmdale. 

As Dissertações de Ford na Conferência de Palmdale

Entre os delegados australianos à Conferência de Palmdale, em abril de 1976, estava um influente teólogo por nome Desmond Ford, que ensina no Colégio Adventista de Avondale, em seu país natal.

Por anos Ford havia propagado suas idéias sobre a doutrina da justificação pela fé, declarando que a igreja havia anulado esse ensino ao rejeitar a doutrina do pecado original. Ford escreveu: “Isso... deu origem a três heresias relacionadas: a) que o evangelho inclui santificação bem como justificação; b) que Cristo tomou a decaída natureza de Adão; e c) que a ‘última geração’ deve desenvolver caracteres perfeitos antes da volta de Cristo.”608

Como essas idéias se houvessem espalhado amplamente pelos Estados Unidos, era desejável que Ford as apresentasse à Comissão da Justificação Pela Fé, para chegar, se possível, a uma declaração oficial. Assim foi dada a Ford a oportunidade de apresentar três documentos na conferência de Palmdale. O primeiro era “O Escopo e os Limites da Expressão Paulina ‘Justiça Pela Fé’”; o segundo, ‘A Relação Entre a Encarnação e a Justiça Pela Fé’; e o terceiro, ‘Ellen G. White e a Justiça Pela Fé.’ 

Ford assumiu posição semelhante à encontrada no Question on Doctrine,  mas sua colocação era bem mais definida: “Cristo tomou a natureza impecável de Adão, mas não sua força. Ele assumiu nossa fraqueza mas não nossa pecaminosidade. Ele poderia ter pecado, mas não o fez.” 

A partir dessa Cristologia, Ford desenvolveu sua doutrina da justificação pela fé, no sentido de uma transação puramente legal, limitada à justiça imputada. E escreveu: “Para colocá-la ainda de outra forma, justificação, e não santificação, é a justiça pela fé do Novo Testamento, e tal justiça é o dom do encarnado, crucificado e ressurreto Senhor.” 

Esse ensino de uma justiça puramente legal levou Ford e seus seguidores a uma forma de adventismo evangélico,  que tendia a subestimar a importância da obediência como condição de salvação, oferecendo uma remissão sem temor de um julgamento por vir, e negava todo o significado profético do evento de 1844.  Essas conclusões extremadas estão em harmonia lógica com suas suposições, mas em radical oposição à Cristologia adventista tradicional e à mensagem da justificação pela fé proclamada em 1888. Não admira que a reação a essas opiniões fosse imediata.

Herbert E. Douglass Reafirma a Cristologia Tradicional

Depois da impressão de sua primeira lição da Escola Sabatina para o primeiro trimestre de 1974, Douglas foi requisitado a preparar os originais para o segundo trimestre de 1977. Ele intitulou esse trabalho Jesus, o Homem-Modelo. Essa foi uma seqüência lógica às precedentes lições sobre O Justo Jesus.

Os originais das lições sempre são submetidos a exame por uma comissão mundial responsável pela manutenção do conteúdo doutrinário, em harmonia com os princípios da igreja. O segundo original encontrou alguma oposição, mas o Departamento da Escola Sabatina da Conferência Geral aprovou sua publicação, a despeito das críticas. 

O tema dominante dessas lições pode ser sintetizado por esta declaração de Ellen White, citada na introdução geral: “Devemos olhar para o homem Cristo Jesus, que é completa na perfeição da justiça e santidade. Ele é o Autor e Consumador de nossa fé. Ele é o homem-modelo. Sua experiência é a medida da experiência que temos de obter. Seu caráter é nosso modelo... Enquanto O contemplamos e meditamos nEle, Ele será formado interiormente.” 

Fiel ao conceito básico da Cristologia adventista tradicional, Douglass repetiu que “Jesus, o Carpinteiro de Nazaré, veio a este mundo e aceitou ‘os resultados da operação da grande lei da hereditariedade’. 

Ele estava ‘sujeito à fraqueza da humanidade... para ferir a batalha em que cada ser humano precisa  se empenhar, com risco de fracasso e perda eterna’,”  Apoiando-se constantemente no ensino de Ellen White, Douglass se gratificava em afirmar que a vitória de Cristo sobre o pecado pode ser também a nossa. 

“Como um de nós, Ele tinha de dar um exemplo de obediência... Cristo suportou cada prova a que estamos sujeitos, e não exerceu em Seu próprio favor nenhum poder que não nos seja livremente oferecido... Sua vida testifica de que é possível também a nós obedecermos à lei de Deus.” 

“Se Deus houvesse vindo à Terra e apenas parecendo ser um homem, Seu desempenho não teria respondido às acusações de Satanás; a questão não era o que Deus poderia fazer, mas se o homem poderia guardar a lei e resistir ao pecado.”  

Em apoio a suas convicções, ele citou a declaração de Ellen White de que “a vitória e a obediência de Cristo são aquelas de um verdadeiro ser humano. Em nossas conclusões, cometemos muitos equívocos por causa de nossos errôneos pontos de vista sobre a natureza humana do Senhor. Quando conferimos à Sua natureza humana um poder que não é possível ao homem dispor em seus conflitos com Satanás, destruímos a perfeição de Sua humanidade.” 

Além das lições da Escola Sabatina, Douglas também publicou uma espécie de comentário sobre as várias lições, em parceria com Leo Van Dolson: Jesus – O Ponto de Referência da Humanidade.  Para Douglass, Jesus foi não apenas o “Homem-Modelo”, mas também “O Ponto de Referência da Humanidade”. Em outras palavras, a medida do que podemos nos tornar pela graça de Deus em Jesus Cristo.

Douglass já havia desenvolvido esse tema num capítulo do livro Perfeição, A Impossibilidade Possível, publicado em 1975.  Sob o título O Mostruário da Graça de Deus, Douglass reafirmou o ensino dos pioneiros e de Ellen White, cujos escritos citou profusamente. 

Ele se alegrava também ao reconhecer que proeminentes teólogos como Karl Barth e Emil Brunner, os quais, como ele, haviam demonstrado que a participação de Jesus no estado da decaída natureza humana, era não apenas uma verdade cristológica, mas uma realidade soterológica de grande importância. Na ótica de Douglass, a perfeição cristã é possível apenas na extensão do reconhecimento de que Jesus Cristo mesmo participou da natureza do homem pecaminoso.

Ele é explicito: “De nenhum modo Ellen White menosprezaria o triunfo de Jesus e emprestaria suporte à grande heresia de que a natureza humana do Senhor era a de Adão antes da queda – isenta dos riscos e da degeneração do pecado.”623

Naturalmente, Douglass não estava sozinho em relembrar qual era o fundamento da Cristologia adventista desde o começo do movimento. Outras vozes também foram ouvidas,  tais como a de Kenneth H. Wood, editor-chefe do órgão oficial da igreja, a Review and Herald.

Kenneth H. Wood Confirma a Cristologia Tradicional

Kenneth H. Wood, atualmente presidente dos Depositários de Ellen G. White, foi editor da Review and Herald de 1966 a 1982. Ele não expressou diretamente seus pontos de vista sobre o problema da natureza humana de Cristo até 1977, quando publicou três editoriais paralelamente às lições da Escola Sabatina do segundo trimestre, tratando de Jesus, o Homem-Modelo.

O primeiro surgiu em 5 de maio de 1977, sincronizado para coincidir com o estudo das lições preparadas por Herbert Douglass. Wood considerava essas lições como “sendo de excepcional valor”. “Essas lições da Escola Sabatina enfatizavam que Jesus satisfez plenamente cada qualificação necessária à missão de salvar a humanidade perdida. Excetuando-se Sua absoluta pureza, Jesus identificou-Se completamente com a raça humana (Ver Ellen G. White, carta 17, de 1878).” 

“Mas ai”, observou Woods, “nem todos os cristãos – mesmo os adventistas do sétimo dia – concordam com a interpretação dessas e outras inspiradas declarações”.  Isso ficou demonstrado na Conferência de Palmdale onde, de acordo com o relatório, os participantes ficaram divididos entre aqueles que sustentavam o pontos de vista acerca da natureza pertencente à pecaminosa humanidade, como herdada por Cristo, e aqueles que criam que Sua natureza havia sido da humanidade impecável.” 

Wood cria que os adventistas haviam sido comissionados por Deus para exaltar a Cristo. “Estão eles fazendo isso? Não tão plenamente quanto deveriam. E talvez uma razão para isso seja que por anos muitos membros e ministros têm-se arreceado discutir a humanidade de Cristo, por medo de parecerem irreverentes e fazer a Jesus totalmente humano (o que Ele não foi; nosso Senhor também era divino). 

Eles ficavam transtornados quando alguns membros da igreja e líderes pregavam o Cristo do adventismo histórico, o Cristo que viveu como nós temos de viver, que foi tentado como nós o somos, que venceu como nós temos de vencer, e que prometeu viver em nós pelo Seu Santo Espírito (unindo nossa natureza humana com Sua natureza divina).” 

Wood expressou sua satisfação nestes termos: “Assim, estamos felizes porque o Departamento de Escola Sabatina da Conferência Geral, através das lições trimestrais, está levando o mundo a contemplar demorada e firmemente a Jesus. 

Cremos que como resultado dessas lições sobre a vida e ministério de Jesus, haverá maior proveito para cada crente, e entendemos que foi criado um clima de abertura no qual o estudo pode propiciar aspectos da Encarnação que precisam ser compreendidos integralmente, antes que a mensagem do terceiro anjo possa se dilatar até o alto clamor.” 

Nos meses que se seguiram a esses editoriais, foi publicado o livro de Edward Heppenstall, O Homem Que É Deus, e cujo subtítulo dizia: “Um Estudo Sobre a Pessoa e a Natureza de Jesus, Filho de Deus e Filho do Homem.”  Falaremos mais tarde sobre seu conteúdo, mas queremos destacar aqui que os dois editoriais saídos da pena de Kenneth Wood no final do ano, tinham relação com a publicação desse livro.

Em resposta aos argumentos de Heppenstall, Wood reafirmou sua posição em 22 de dezembro de 1977, num editorial intitulado “O Dom Supremo”. Wood primeiramente expressou sua gratidão a Deus por esse dom que excede a todo entendimento. “O aspecto espantoso da história de Belém é que o infinito Deus viria a este mundo e se uniria à raça humana.” 

“Porém, mais admirável ainda do que o fato de Deus Filho vir habitar com a humanidade, é a verdade de que Ele veio morar com a humanidade pecadora! ‘Teria sido uma quase infinita humilhação para o Filho de Deus, revestir-Se da natureza humana mesmo quando Adão permanecia em seu estado de inocência, no Éden. 

Mas Jesus aceitou a humanidade quando a raça havia sido enfraquecida por quatro mil anos de pecado. Como qualquer filho de Adão, aceitou os resultados da operação da grande lei da hereditariedade. O que estes resultados foram, manifesta-se na história de Seus ancestrais terrestres. Veio com essa hereditariedade para partilhar de nossas dores e tentações, e dar-nos o exemplo de uma vida impecável.(O Desejado de Todas as Nações, pág. 49).’”632

Em seu segundo editorial, Wood explicou como Jesus pôde viver sem pecar enquanto em carne humana pecaminosa. Certamente, assinalou ele, isso “desafia a fé e a razão, mas não ousamos rejeitar a verdade meramente porque não podemos compreendê-la ou explicá-la.”  Outros aspectos da Encarnação são também um mistério, todavia, nós os aceitamos – tais “como a natureza divina e a natureza humana poderiam combinar-se em uma Pessoa”.

Wood advertiu contra duas perigosas conclusões que alguns extraíam da declaração de que Cristo tomou a natureza pecaminosa do homem.

Primeira: “que isso tornou Cristo apenas humano e não divino.” Segunda: “que Jesus foi por causa disso maculado pelo pecado ou tivesse inclinação para ele.”635 Wood citou Ellen White contra esses pontos de vista: “Nunca, de modo algum, deixem a mais leve impressão sobre mentes humanas de que havia em Cristo uma mancha ou inclinação para a corrupção, o ou que Ele, de alguma forma, cedeu à tentação.’ (The SDA Bible Coomentary, Comentários de Ellen G. White, vol. 5, pág. 1128).”636

De fato, Wood declarou: “1) Tomar a natureza pecaminosa do homem não poluiu ou manchou a Cristo. 2) Jesus foi totalmente leal a Seu Pai e contrário à rebelião, que é a verdadeira essência do pecado.”637

Wood justificou a primeira declaração com a seguinte explanação: “Notem o que acontecia quando Jesus tocava os leprosos. Foi Ele contaminado por tocá-los?... Não, em lugar disso, os leprosos é que foram purificados.” “Quando a Divindade toca a humanidade, Ela não é contaminada; em vez, a humanidade é abençoada, curada e purificada.” Cristo nasceu do Espírito, e quando Ele Se uniu à pecaminosa natureza humana, “pelo fato de tê-la tomado, purificou-a de toda a sua inerente depravação.”638

Quanto à segunda declaração, Wood explicou que nenhum traço de rebelião foi encontrado em Jesus. “Ele sempre estava em completa harmonia com a vontade e a lei de Seu Pai... Jesus disse de Si mesmo: ‘Vem aí o príncipe deste mundo; e ele nada tem em Mim’ (João 14:30). E também: ‘... não procuro a Minha própria vontade, e, sim, a dAquele que Me enviou’ (cap. 5:30). Jesus possuía Sua própria vontade – como todo ser humano – mas submeteu-a a Seu Pai – como deveria ser com a vontade de todo aquele que nasce do Espírito.”

“Quando se escreve que Jesus foi tentado em todos os pontos como nós, sem cometer pecado (Heb. 4:15), a quem esse “nós” descreve?”, pergunta Woods. “Ele não se refere aos pagãos, mas ao povo de Deus... Talvez se refira primariamente aosS nascidos do Espírito (cf. João 3:3-8), a pessoas não mais dirigidas pela carne e ‘na carne’, mas espiritualmente conduzidas e ‘no espírito’ (ver Rom. 8:4-9).”  Conseqüentemente, “aqueles que são nascidos do Espírito podem, através do poder de Cristo, resistir com êxito a cada tentação e ser vitoriosos em sua luta contra o inimigo de suas almas.”641

Ao viver vitoriosamente em a natureza humana decaída, “Jesus deu um exemplo de que Seus seguidores podem se valer em sua batalha contra o pecado.”642 Encerrando, Wood exclama: “Que maravilhoso Deus nós servimos! Que maravilhoso Salvador nós temos! Que maravilhoso poder está disponível para nos capacitar a viver uma vida vitoriosa!”643

A Cristologia de Edward Heppenstall

Edward Heppenstall foi um proeminente professor de filosofia cristã, para quem a teologia não era verdadeiramente útil, a menos que conduzisse a um relacionamento com Deus através de Jesus Cristo. Nascido na Inglaterra, Heppenstall ensinou em várias universidades americanas e no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia em Washington, D.C., a partir de 1955. 

Na Universidade Andrews, em Berrien Springs, Michigan, ele tinha a seu cargo as cadeiras de teologia sistemática e filosofia cristã. Em 1967, ele aceitou o chamado para a Universidade de Loma Linda, Califórnia, para ensinar no Departamento de Religião, onde ficou até sua aposentadoria em 1970. 

Através dos anos, Heppenstall foi um fiel colaborador de vários periódicos adventistas, em particular do Ministry, Signs of the Times e These Times. O comentário da segunda epístola aos Coríntios, no SDA Bible Commentary, procede de sua pena. Muitos dos livros escritos durante sua aposentadoria, são dignos de crédito: Our High Priest (Nosso Sumo Sacerdote), 1972; Salvation Unlimited (Salvação Ilimitada), 1974, In Touch With God (Em Contato Com Deus), 1975, The Man Who Is God (O Homem Que é Deus), 1977, todos publicados em Washington, D.C., pela Review and Herald Publishing Association.

Até onde nosso tema está envolvido, Heppenstall detalhou sua Cristologia no livro The Man Who Is God. Essa é talvez a mais sistemática abordagem feita por um teólogo adventista sobre “a pessoa e a natureza de Jesus, o Filho de Deus e o Filho do Homem” (o subtítulo do livro). 

Nele são tratados todos os aspectos da Cristologia: Cristo na história humana, a Encarnação, o nascimento de Jesus, a doutrina da kenosis (a abdicação da forma divina por Jesus ao tornar-Se homem e sofrer a morte), o centro da consciência de Cristo, Cristo e o pecado, a impecabilidade de Jesus, a tentação de Cristo e a singularidade de Cristo.

Para Heppenstall, a Encarnação constitui o maior milagre de todos os tempos e da eternidade. Ela é verdadeiramente o fato central do Cristianismo. “Se alguém não crê na Encarnação, então é impossível compreender o que a fé cristã representa”,  porque, “a substância de nossa fé jaz no que Cristo foi e fez, e não meramente no que Ele ensinou.”  “A união do divino e do humano resultou em duas naturezas em uma pessoa, Jesus Cristo. Daí o termo usado para Jesus – o Deus-Homem.”647  Tendo enfatizado o miraculoso nascimento de Jesus, Heppenstall prossegue afirmando a perfeita divindade de Cristo e Sua perfeita humanidade; plenamente Deus e totalmente homem.

Heppenstall cria que a humanidade de Jesus não era a impecável humanidade de Adão antes da queda. “Cristo veio na humilde forma de um servo em Sua encarnação, representando servidão, sujeição, subordinação. 

Ele assumiu a debilitada natureza humana e não a perfeita natureza que Adão possuía antes de pecar. Jesus não veio à Terra como um novo ser humano, criado novamente em poder e esplendor... Em lugar de comandar e reinar em poder e majestade, ocupando um lugar de honra e preeminência entre os homens, Ele humilhou-Se a Si mesmo. Trilhou a senda da humilhação que culminou em Sua morte sobre a cruz.” 

Enquanto Heppenstall diferia daqueles que afirmavam que Jesus tomou a natureza de Adão antes da queda, também divergia dos que atribuíam a Jesus a natureza de Adão após a queda. Ele via uma diferença entre ter uma natureza pecaminosa e uma natureza que portava simplesmente os resultados do pecado. Obviamente, “se a transmissão do pecado é por propagação natural, então Jesus deve ter herdado de Maria o que todos nós herdamos de nossos pais, a menos que admitamos alguma forma de doutrina de imaculada conceição.” 

Para Heppenstall, o pecado não é algo genético. O que os seres humanos herdaram de Adão pelo nascimento foi um estado de pecado que separa de Deus, isto é, “pecado original”. “O pecado é um fato espiritual causado pela alienação total de Deus por parte do ser humano. 

Não podemos aplicar essa condição alienada a Cristo. Ele não nasceu como nós, separado de Deus. Ele era o próprio Deus. Ele poderia herdar de Maria apenas aquilo que seria transmitido geneticamente. Isso significa que Ele herdou a constituição física enfraquecida, os resultados do pecado sobre o corpo, que todos nós herdamos. Com referência aos demais homens, eles nascem sem Deus. Todos os homens necessitam de regeneração. Cristo não. Aqui jaz a grande diferença entre Cristo e nós.” 

Porque distinguiu o pecado original do processo genético, Heppenstall pôde afirmar que Cristo não teve uma natureza pecaminosa como o restante da humanidade. Além disso, destacou ele: “Essa Escritura [Rom. 8:3] não diz que Deus enviou Seu Filho ‘em carne pecaminosa’, mas apenas ‘em semelhança’ dela... Se Cristo houvesse nascido exatamente como nós, Paulo não teria escrito ‘em semelhança’, mas ‘em carne pecaminosa’. 

O apóstolo é muito cuidadoso em tornar clara a impecabilidade da natureza de Cristo.”  “Cristo não nasceu isento de deterioração física. Ele a herdou totalmente de Maria... Ele estava fisicamente sujeito ao declínio da raça; mas uma vez que o pecado não é transmitido geneticamente, mas como resultado da separação do homem de Deus, Cristo nasceu sem pecado.” 

Ao lidar com o problema da tentação, Heppenstall considerou que ‘a possibilidade de ser tentado é a mesma para um ser sem pecado como para um pecaminoso. Adão foi tentado quando era um ser impecável. Ele enfrentou a tentação na plena força de um sistema físico e mental perfeito. 

Mas Cristo não Se tornou carne no perfeito estado em que Adão foi criado. Para Cristo, o poder da tentação foi enormemente aumentado em virtude de Sua herança de uma constituição física enfraquecida por 4.000 anos de crescente degeneração da raça. A possibilidade de ser vencido era muito maior do que a de Adão por causa disso.”653

Em razão de Sua confiança em Seu Pai celestial e pelo poder do Santo Espírito, Cristo triunfou sobre o pecado. “Nisso Ele é nosso Padrão perfeito. Nossa união com Deus é pela fé e não por nossos próprios esforços. Cristo escolheu viver como um ser humano, em total dependência de Deus. Nada poderia mudar isso. Ele andou com Deus pela fé, assim como temos de fazer.”

Em conclusão, alguém pode apreciar o esforço de síntese tentado por Heppenstall entre a Cristologia tradicional e aquela ensinada pelos autores do livro Questions on Doctrine. Mais do que uma vez, ele declarou que Cristo havia tomado sobre Si, não a natureza de Adão antes da queda, mas a natureza humana após 4.000 anos de degenerescência da raça. 

Todavia, se afirmamos que o pecado é meramente um fato espiritual aparentado com a natureza religiosa, e não transmitido geneticamente, somos deixados com um Cristo que realmente não “condenou o pecado na carne”, a verdadeira missão pela qual Ele foi enviado por Deus para cumprir “em semelhança da carne pecaminosa” (Rom. 8:3).

O argumento de Heppensttall tende a ser mais filosófico do que bíblico, e ele não faz nenhuma citação de Ellen White.

Está evidente por que, após a publicação do The Man Who Is God, Kenneth Wood sentiu a responsabilidade de reafirmar a Cristologia adventista histórica em seu editorial publicado no natal de 1977. Longe de esclarecer o problema da natureza humana de Cristo, Heppenstall tornou-a mais hipotética. Recentes descobertas genéticas parecem contradizer essa hipótese. De acordo com a antropologia bíblica, os seres humanos são um todo; e se os efeitos do pecado são transferíveis, certamente o mesmo deveria ser verdadeiro quanto ao pecado como um poder.

A Posição de J. R. Spangler Sobre Cristologia, Enquanto Editor do Ministry

Lembramo-nos do papel desempenhado pelo editor-chefe do Ministry, Roy Allan Anderson, quando “o novo marco histórico do adventismo” foi publicado em 1956. J. R. Spangler sucedeu-o em 1966, mas ele achou melhor pôr-se à margem da controvérsia que foi crescendo de intensidade através dos anos. Ela alcançou tal ponto que muitos acharam estranho que o editor do Ministry não se envolvesse no assunto.

A questão lhe foi colocada: “Por que os editores do Ministry não têm algo a dizer sobre a presente discussão a respeito da natureza de Cristo e da justiça pela fé? Qual é sua posição sobre esses temas?” 

A réplica de Spangler foi franca, direta e clara. Durante seus 36 anos de ministério, sua opinião sobre esses pontos havia mudado. Ele escreveu: “Mesmo agora, hesito em responder a tais questões por medo de deixar impressões errôneas sobre a natureza do Senhor.”656 Mas desde o momento em que não havia nenhuma declaração de fé votada pela Conferência Geral sobre esse assunto, ele se sentiu livre para expressar seu ponto de vista.

“Antes da publicação do Questions on Doctrine e de certos artigos no Ministry, eu não dedicara muita atenção sobre a exata natureza de Cristo. Simplesmente cria que Ele era Deus-Homem e O apresentava como tal nas campanhas evangelísticas. Durante os primeiros anos de meu ministério, eu esposava firmemente o ponto de vista de que Cristo tinha tendências e propensões para o mal, justamente como nós. 

Eu cria que Cristo possuía uma natureza exatamente igual à minha, exceto que Ele nunca cedera à tentação. Todavia, nos anos 50, enquanto a igreja focalizava a natureza de Cristo, minha posição mudou. Agora era a favor da idéia de que Cristo foi genuinamente homem, sujeito às tentações e ao fracasso, mas com uma natureza humana impecável, totalmente livre de qualquer tendência ou predisposição para o mal.” 

Tendo examinado o que a Bíblia ensinava sobre a natureza humana de Cristo, Spangler fez-se perguntas como estas: “Nasceu Jesus com uma natureza corrompida como a minha? Foi Ele ‘apartado do útero’? Era Ele, por natureza, filho da ira? Recebeu injustos traços de caráter pelo nascimento? 

Teve Ele de batalhar contra as fortes tendências para o mal com as quais nasceu? Se sim, que tendências e perversões hereditárias possuía? Ou Sua natureza tinha toda variedade, embora nunca houvesse cedido a elas?”  Alguns elementos contidos na carta de Ellen White ao Pastor Baker, tornados públicos no Question on Doctrine, definiram sua posição, particularmente a declaração “nem por um momento houve nEle qualquer propensão para o mal”. 

Foi Jesus realmente como nós? Spangler não estava sozinho em seu desejo de saber sobre essa fundamental questão. Thomas A. Davis, editorassociado da Review and Herald, ocupou-se do problema e tentou dar-lhe uma resposta através do livro Was Jesus Really Like Us? (Era Jesus Realmente Como Nós?), publicado em 1979. 

Thomas A. Davis: Foi Jesus Realmente Como Nós?

Se o livro de Heppenstall teve a distinção de ser o mais completo estudo entre aqueles que sustentavam que Jesus tinha uma natureza impecável, o livro de Davis oferecia uma interessante alternativa. Graças às suas primeiras publicações, a posição de Davis era bem conhecida. Seu objetivo nesse ponto não era repetir sua primeira postura. Em Era Jesus Realmente Como Nós?,  o autor tentou, em vez, definir quem era o “nós”  a quem se supunha Jesus Se assemelhava. Esse foi o ponto central desse estudo.

Davis convida seus leitores a lerem atentamente Hebreus 2:11-17. O verso 11 diz: “Pois tanto o que santifica como os que são santificados, todos vêm de um só. Por isso é que Ele não Se envergonha de lhes chamar irmãos.” O verso 12 refere-se mais uma vez aos ‘irmãos’; no verso 13, “os filhos que Deus Me deu; no verso 14, “os filhos têm participação comum de carne e sangue”. O verso 16 diz que Jesus veio para socorrer os descendentes de Abraão. Eis por que o verso 17 especifica que Jesus ‘em todas as coisas Se tornasse semelhante aos irmãos.’ 

O autor conclui que “aqueles que são santificados – postos à parte como filhos de Deus – são homens e mulheres que, em resumo, nasceram de novo”.  E acrescenta: “Latente no termo irmãos está, talvez, uma das mais vitais chaves de toda a Bíblia para a compreensão da natureza humana de Jesus. O modo pelo qual o termo é usado em Hebreus 2:11-17 abre um vasto campo de exploração tanto nas Escrituras como nos escritos do Espírito de Profecia.”663

A partir de Hebreus 2:17, Davis concluiu que “Jesus não Se encarnou na natureza comum de todos os homens. Ele não veio a este mundo semelhante ao homem em todos os aspectos. 

A natureza humana que Ele adotou não era semelhante àquela dos pecadores não regenerados. Sua natureza humana era comum apenas com a daqueles que haviam experimentado um renascimento espiritual. Então, quando lemos que Jesus era, em todos os respeitos, semelhante a Seus irmãos, compreendemos que Ele possuía uma natureza semelhante à das pessoas renascidas.” 

Essa posição já fora mantida por outros teólogos adventistas do passado. Davis refere-se, entre outros, a W. W. Prescott, que havia escrito em um de seus editoriais que “Jesus nasceu novamente pelo Espírito Santo... Quando alguém se entrega a

Deus e se submete ao novo nascimento do Espírito, entra em um novo estágio da existência, justamente como Jesus fez.”  Esse conceito fora também mencionado por Kenneth Wood em seu editorial de 29 de dezembro de 1977. 

Isso não significa que Jesus tivesse de passar por um novo nascimento, esclarece Davis. “Jesus sempre foi cheio do Espírito, puro, impecável, totalmente incontaminado pelo pecado. Dessa forma, Ele nunca necessitou da experiência transformadora. Então, quando usamos o termo com referência a Ele, fazemo-lo no sentido acomodativo, por não possuirmos um vocábulo melhor.” 

“Quando descrevemos a natureza espiritual e moral de Jesus como ‘nascida de novo’, não queremos transferir a idéia de que ela seja exatamente como a natureza moral e espiritual de uma pessoa regenerada. Jesus é o Homem ideal, o Absoluto em perfeição de caráter em todos os aspectos. Uma pessoa regenerada é ainda alguém falho, de quem Jesus está removendo os defeitos.” 

Davis interpretava Romanos 8:3 significando “que há íntima similaridade entre a humanidade de Cristo e a nossa, mas elas não são idênticas. Há uma singularidade nEle que não poderia ser encontrada em ninguém mais.” 

No capítulo 6, após examinar algumas declarações de Ellen White particularmente difíceis de alguém aceitar, Davis chega ao “ponto central” de seu argumento. “Devemos ter diante de nós o conceito ao redor do qual toda a nossa investigação gira: que Jesus possuía uma natureza semelhante à de uma pessoa renascida. 

Ele foi ‘feito em tudo semelhante a Seus irmãos’, ‘todavia, sem pecado’ (Hebreus 2:17; 4:15). Tenhamos em mente que Sua natureza humana era ‘idêntica à nossa’,   que Ele ‘assumiu os riscos da natureza humana, para ser provado e tentado’,  e que tomou ‘sobre Si mesmo nossa decaída natureza’.  ,  

“Se isso for verdade, se concordarmos que Jesus não estava fingindo quando Se tornou homem, então precisamos aceitar o conceito de que Ele encontrou dificuldades com Sua natureza humana decaída, justamente como o ser humano – um ser humano renascido – teria. Insistir que a natureza humana de Jesus era menos do que a de uma pessoa regenerada, que ela era como a de alguém não-convertido, é algo imponderável... 

Por outro lado, crer que Sua natureza era superior àquela de uma pessoa convertida, é realmente colocá-Lo acima da própria humanidade, o que é algo igualmente inadmissível. Isso é reivindicar para Ele vantagens que nenhum ser humano pode ter, pois o novo nascimento é o mais alto estágio espiritual ao qual a humanidade pode atingir em seu presente estado.”674

Para Davis, Jesus foi realmente o Deus-Homem. “Ele era um homem com uma ‘natureza humana decaída, que foi ‘degradada e poluída pelo pecado’, em uma ‘deteriorada condição’ com as mesmas ‘susceptibilidades’ mentais e físicas que o homem pecaminoso tem, estando sujeito à ‘fraqueza da humanidade’, sem todavia Ele próprio ser pecaminoso, e portanto, sem culpa. Ele era impecável, inculpável; Sua vontade estava constantemente em concórdia com a de Seu Pai.” 

O Ponto de Vista de William G. Johnsson

William G. Johnsson foi indicado para o cargo de editor-chefe da Adventist Review em 2 de dezembro de 1982. É importante para nós compreendermos seu ponto de vista com respeito à controvérsia sobre a natureza humana de Cristo. 

Ele não se envolveu diretamente no debate. Todavia, expressou suas idéias num livro sobre a epístola aos Hebreus, publicado em 1979. In Absolute Confidence: The Book of Hebrews Speaks to Our Days (Em Confiança Absoluta: O Livro de Hebreus Fala Para os Nossos Dias).  O prefácio explica que o livro não pretende ser um comentário. “O propósito da obra é básico: explanar claramente a ‘mensagem’ de Hebreus e mostrar sua significação para os cristãos hoje.” 

Ninguém pode explicar Hebreus sem falar de Cristologia, uma vez que os primeiros dois capítulos afirmam tanto a divindade quanto a humanidade de Jesus Cristo. Johnsson considerava que Jesus era plenamente Deus e plenamente homem. Sobre Sua natureza humana, “o apóstolo quer que estejamos totalmente convencidos dela [que Cristo Se tornou nosso irmão]. 

Realmente, todo o seu argumento com respeito a Jesus como Sumo Sacerdote celestial se romperá em ruínas, se ele não puder mostrar a humanidade. Assim, conquanto ele discuta mais extensivamente o ponto em Hebreus 2:5-18, retorna a ele mais e mais vezes.” 

Mas embora Jesus “Se identifique conosco”, isso se faz “na base de laços sangüíneos familiares”. Ele é nosso irmão de sangue, ‘não por adoção, mas por nascimento. E embora Suas origens O coloquem muito distante de nossos limites, Ele não Se envergonha de nós, mas proclama ao Universo reunido que nós somos Seus irmãos.” 

No capítulo 3, Johnsson viu os sofrimentos e as tentações de Cristo como garantindo “a genuinidade da plena humanidade de Jesus

Cristo”.681 Mas ele cria que a epístola aos Hebreus não responde às modernas questões do âmago do debate sobre a natureza de Jesus. “O problema é que os escritores do Novo Testamento não estavam conscientes da distinção entre natureza “pecaminosa” e “impecável”, e assim não a mencionam. 

Podemos ficar perturbados quanto a isso, mas não eles. Para eles foi suficiente afirmar a realidade da humanidade do Filho e Suas provas, a certeza de Sua impecabilidade através de todas as tentações, e Sua capacidade de ajudar o cristão a vencer na hora de sua provação.” 

Em uma nota explicativa, Johnsson declarou: “Apenas dois versos do Novo Testamento focalizam diretamente o tema da ‘natureza’ de Cristo: Romanos 8:3 e Filipenses 2:7. Cada verso, contudo, é ambíguo; assim, os proponentes de ambos os lados usam-nos nos debates.” 

Embora Johnsson não se inclinasse explicitamente para nenhum dos lados da questão em seu livro, suas palavras sugerem que ele favorecia o conceito da natureza humana sem pecado, como a de Adão antes da queda, conforme suas declarações posteriores também sugerem.684

Edward W. H. Vick: Jesus, o Homem Em 1979, surgiu outro livro notável em muitos aspectos: Jesus, o Homem, de autoria de Edward W. H. Vick. Vick era conhecido nos meios adventistas por causa de muitos de seus livros, como Deixe-me Garantir-lhe. 

Com diplomas das Universidades de Londres e Oxford, e um Ph.D. da Vanderbilt University, Vick dirigia o Departamento de Estudos Religiosos do Forest Fields College, em Nottingham, Inglaterra, na ocasião em que surgiu Jesus, o Homem, numa série de estudos sobre teologia adventista. Ao seu próprio estilo, Vick buscou responder às numerosas questões que os teólogos haviam levantado sobre o tema da pessoa de Jesus: “Quem o povo diz que Sou?”

Bem naturalmente o problema da natureza humana de Jesus foi exercendo pressão sobre Vick. Ele o aborda no capítulo 6: “Realmente, Um Homem Verdadeiro”. 

Então, tendo listado muitas expressões similares que jazem na raiz da fé cristã, Vick destacou: “Note que essas declarações não alegam que Jesus, em todo o alcance de Sua pessoa, é idêntico a nós. Elas meramente afirmam que com respeito à Sua humanidade, Ele é semelhante a nós e que isso é essencial. Essencial a quê? Uma resposta eficaz sugere que a identidade é necessária à salvação do homem. Foi dito que o que não é alcançado não pode ser salvo.

Para salvar um ser humano é preciso ser instrumental, útil.” Vick concluiu: “Ele é a agência da redenção humana, por virtude de Sua humanidade.”  Além disso, “a humanidade de Jesus é uma confissão de fé. Ela foi a pressuposição de fé para os crentes primitivos e veio a ser uma declaração explícita como a ocasião exigia, quando, por exemplo, a ameaça do docetismo a questionava.”  Mas, obviamente, não é fácil falar acertadamente sobre

Jesus Cristo, que é Deus e Homem, “verdadeiramente Deus e verdadeiramente Homem”, como o Concílio de Calcedônia O definiu. Mas Vick perguntava: “Quando alguém diz que em Jesus Cristo, Deus e o homem são um, que espécie de unidade isso quer significar? É mesmo certo falar em uma espécie de unidade?”689

Para compreender essa unidade, de acordo com Vick, o problema de Jesus Cristo precisa ser considerado sob dois pontos de vista: um histórico e outro experimental. Mediante essas duas abordagens, Vick então buscou definir a Encarnação nestes termos: “A Encarnação significa que Deus toma parte da humanidade. 

Significa que, embora Jesus tenha participado das estruturas de uma existência humana pecaminosa, como formada pelo homem, Ele não foi vencido por tal participação... Através dEle, que Se entregou, Deus recebe o mundo para Si mesmo. Tal é o mistério da graça de Deus – um mistério experimentado pelo crente quando ele encontra a fé em Deus, e participa  da renovação da fé dia-adia. Quando o homem pecador abandona a Deus, Ele descobre um meio de Se revelar ao homem.” 

Vick insistia que em Cristo “Deus e homem estão unidos. O termo ‘encarnação’ expressa uma realidade objetiva. Em Jesus a humanidade está compreendida, e Ele Se tornou as primícias, o paradigma, o exemplo, o modelo capaz, o mediador – mas nenhum símbolo é adequado... A linguagem que não permite que Jesus seja realmente Deus e realmente Homem é totalmente inaceitável.” “Nada deve comprometer a real humani-dade de Jesus. Não podemos permitir hibridação de qualquer espécie.” 

Esse era o ponto de vista de Vick sobre a humanidade de Jesus. Em certo sentido, ele retorna à definição de Ellen White: “A integralidade de Sua humanidade, a perfeição de Sua divindade, formam para nós um seguro terreno sobre o qual podemos ser levados à reconciliação com Deus.” 

Com o testemunho de Vick, a década de 1970 se encerrou. Durante esse período, a Cristologia dos pioneiros foi confirmada de muitos modos, pelas autorizadas publicações da igreja. 

Confrontados com esse revigorado ensino tradicional, aqueles que se lhe opunham tentaram várias fórmulas concessivas envolvendo uma posição intermediária, como a chave da natureza humana de Cristo, ou simplesmente decidiram conviver com ambas as posições. Essa tendência culminou em junho de 1985, com a simultânea publicação no Ministry das duas interpretações opostas.




Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem