Capítulo 13 O AUGE DA CONTROVÉRSIA

tocados por nossos sentimentos


Capítulo 13 O AUGE DA CONTROVÉRSIA

Depois de mais de 25 anos de controvérsia sobre a natureza humana de Cristo, era de se esperar um período de distensão. Mas, ao contrário, a intensidade da discussão foi-se elevando num crescendo no período compreendido entre 1980 e 1985.

Enquanto a Cristologia tradicional estava ganhando popularidade, a nova teologia parecia estar perdendo força e seus proponentes procurando novos argumentos. Enfrentando até as críticas mais contundentes, os defensores da nova teologia se esforçaram por harmonizar as duas posições contrárias, como se elas fossem de igual valor e mérito.

Um Zeloso Defensor da Cristologia Tradicional

Como já mostrado, Wieland e Short foram os primeiros a alertar a igreja sobre as novas interpretações concernentes à pessoa e obra de Cristo.  Para estudar o assunto, a Conferência Geral escolheu uma comissão especial cujas conclusões foram publicadas no relatório da Conferência de Palmdale, após muitas reuniões. 

Totalmente insatisfeito com os resultados, Wieland procurou esclarecer o assunto através da publicação, em 1977, de um livro intitulado Como Pôde Cristo Ser Inocente Como um Bebê?  Em 1979, ele escreveu novamente para responder questões complementares relacionadas à Cristologia tradicional. 

Tendo sido um missionário, Wieland era bem versado em assuntos africanos. Ele foi convidado a voltar à África com o específico propósito de preparar ali uma variedade de livros para suprir as necessidades espirituais dos cristãos da região subsaariana. Já na África, ele publicou em 1981, entre outros livros, um estudo da natureza humana de Cristo denominado O Elo Rompido. 

No prefácio, Wieland declarou que o propósito de seu livro era “tentar esclarecer as aparentes ou supostas contradições sobre a questão da humanidade de Cristo. A total divindade de Cristo é fundamental e espera-se que seja compreendida. Nosso único problema em discussão aqui é que espécie de humanidade Cristo tomou ou assumiu em Sua encarnação. Que Ele retivera Sua plena divindade na encarnação não é nem minimamente questionada.” 

Wieland reconheceu que parecia haver algumas contradições em muitas declarações de Ellen White sobre a natureza de Cristo. “Mas quando suas declarações são estudadas dentro do contexto, os paradoxos demonstraram que ela levou muito a sério seus conselhos sobre ‘ser cuidadoso, extremamente cuidadoso, quando tratar da natureza humana de Cristo’. 

Ela não se omite sobre o assunto e nem nós deveríamos fazê-lo; e porque ele significa ‘tudo para nós’, ‘a corrente dourada que liga nossas almas a Cristo, e através de Cristo a Deus’, não pode haver nenhum elo rompido nessa corrente.”698

Para Wieland “provavelmente a mais clara e mais bela apresentação de Cristo como ‘Deus conosco’, desde os tempos apostólicos, é encontrada na mensagem de 1888 sobre a justiça de Cristo.” Mas essa mensagem continha uma pedra de tropeço para muitos que temiam que a inocência de Cristo pudesse ser violada. Wieland declara: “Os mensageiros de 1888 sustentavam que a justiça de Cristo foi por Ele vivida numa natureza humana idêntica à nossa, e que quando o povo de Deus verdadeiramente compreender e receber essa ‘justiça pela fé’, serão capazes de vencer como Cristo venceu.” 

Wieland apresentou 32 questões e as respondeu com a Escritura e as declarações de Ellen White. Primeiramente, Wieland mostrou que não há nenhuma contradição na Bíblia com referência à natureza humana de Cristo.  Então demonstrou que Ellen White nunca se opôs ao ensino de Waggoner ou Jones sobre esse assunto. 

Prosseguiu então mostrando que a carta escrita a Baker em 1895 não tinha a intenção de desacreditar os pontos de vista desses pregadores.  Sua análise de algumas declarações contidas na carta de Baker revelou que elas não eram contrárias aos ensinos de Ellen White. 

Wieland respondeu a algumas séries de inquirições de pessoas que, compreensivelmente, não aceitavam a noção de que Jesus poderia ter vivido uma vida isenta de pecado numa natureza humana decaída. 

Ele não apenas colocou em seu devido contexto algumas citações contidas no Questions on Doctrine, como também refutou certas declarações equivocadas tais como a de que “Jesus assumiu uma natureza humana impecável”, destacando que “a própria Ellen White nunca jamais escreveu tais palavras; elas foram unicamente suposições dos editores.”  Em resumo, esse estudo continha respostas detalhadas a muitas das questões básicas que podem ser levantadas sobre a natureza humana de Cristo.

Em 1983, a Pacific Press publicou o livro Ouro Provado no Fogo,  no qual Wieland explicou o “que Cristo necessitava para ser nosso substituto”, isto é, “ouro provado no fogo”, como o título sugere. De fato, segundo Wieland, “Cristo não pode ser nosso Substituto a menos que tenha enfrentado nossas tentações como temos de fazer. Ele precisava enfrentar nosso inimigo em seu próprio terreno, em seu próprio covil, e ali eliminá-lo.” 

Posteriormente, ao comentar Romanos 8:3, Wieland escreveu: “A palavra semelhança usada por Paulo não pode significar diferença, pois seria uma monstruosa fraude para Cristo professar que condenou o pecado na carne, a carne na qual Paulo diz que fomos ‘vendidos sob pecado’, onde “a lei do pecado” opera, se Ele apresentasse uma contrafação de Sua encarnação por tomar simplesmente o que parecia ser nossa carne pecaminosa, mas que não era de fato a coisa real ... 

Paulo usa a palavra semelhança (com boa razão) para denotar a realidade da plena identificação de Cristo conosco, todavia, tornando claro que Ele, de modo nenhum, participou de nosso pecado. A gloriosa vitória de Cristo jaz no fato de que Ele foi ‘tentado em tudo, como nós o somos, mas sem pecado’ (Heb. 4:15).” 

Extraindo dessa “vitória” a conclusão óbvia, Wieland anima seus leitores a vencer a tentação como Cristo o fez: “Não importa quem você seja ou onde esteja, tenha a certeza de que Alguém já esteve exatamente em seu lugar, ‘mas sem pecado’. Olhar para Ele, ‘vê-Lo’, com todas as nuvens do engano dissipadas pela verdade de Sua justiça, ‘em semelhança da carne pecaminosa’. Crer que o pecado que o atrai foi ‘condenado na carne’. Você pode vencer através da fé nEle.”708

A Nova Cristologia nas Lições da Escola Sabatina

Como já declarado, as lições da escola sabatina preparadas por Herbert E. Douglass em 1977, ensinavam que Cristo assumiu a natureza humana de Adão após a queda. 

Em contraposição, as lições preparadas por Norman R. Gulley, professor de Bíblia do Southern Missionary College, para o primeiro trimestre de 1983, ensinavam que a natureza espiritual de Cristo foi pré-queda, mas Sua natureza física foi pós-queda. Realmente, Gulley tentou provar que os dois modos de compreender a natureza humana de Cristo se realçavam mutuamente.

Para lograr seu intento, Gulley explicou detalhadamente essa teoria no livro Cristo, Nosso Substituto.  “Os adventistas do sétimo dia crêem que Jesus Cristo era plenamente Deus e plenamente homem. Mas podemos entender a frase ‘plenamente homem’ de dois modos. 

Jesus possuía (1) a natureza humana impecável, tal como Adão a tinha antes da queda, ou a natureza humana decaída. Qual é a correta? Ele assumiu ambas. Pois Cristo tinha a natureza espiritual do homem antes da queda, e sua natureza física após a queda.” 

Gulley tentou uma síntese das duas interpretações e reivindicou o apoio de Ellen White. “Se ela estiver defendendo Sua impecabilidade, então a natureza pré-queda está apoiada. Se ela estiver defendendo Sua limitada humanidade, então a natureza pós-queda é advogada”, escreveu ele. 

A explicação, em princípio, pode parecer atraente. Pelo menos ela tem o mérito de suportar o ímpeto da oposição entre as duas idéias. Mas alguns podem discutir o fato dela criar mais confusão ao atribuir a Cristo duas naturezas humanas em acréscimo à Sua divina natureza. Face a isso, prorromperam comentários e objeções através das cartas dos leitores da seção da Adventist Review. O que se segue é de autoria de Donald K. Short:

“Ellen White não diz uma simples palavra sobre ‘a natureza pré-queda’ de Cristo, e sugerir isso é pôr palavras em sua boca e promover confusão. Não há um lugar onde ela coloque Jesus à parte de Seu povo e tente equilibrar as naturezas prélapsariana e pós-lapsariana. Como pode esse tipo de confusão ser promovido em nome da ‘unidade dentro de nossa igreja’?” 

Herbert Douglass enviou dois artigos ao editor da Adventist Review, para serem ambos publicados no natal de 1983, sob o significativo título “Por Que os Anjos Cantaram em Belém”. Sem reparos ao ponto de vista geral de Douglass, mencionamos a seguir sua lista de expressões distintivas emprestadas de Ellen White e de eminentes teólogos com relação à natureza humana de Cristo:

“Embora Jesus... [houvesse] tomado ‘nossa natureza decaída’ ‘o lugar do decaído Adão’, ‘a natureza humana... à semelhança da carne pecaminosa, e haja sido tentado por Satanás como todos os filhos são tentados’, a ‘natureza de Adão, o transgressor’, ‘a ofensiva natureza do homem’, e muitas outras expressões similares, esses eruditos e Ellen White são claros em dizer que o material humano decaído, degradado, não O forçou a pecar, quer em pensamento, quer em atos. Ele Se manteve imaculado e puro, embora tenha sido tentado por dentro e por fora.” 

Outros protestos foram feitos diretamente a H. F. Rampton, diretor do Departamento de Escola Sabatina da Conferência Geral. Um deles, datado de 19 de janeiro de 1983, foi enviado pelos líderes da igreja de Anderson, na Califórnia. Eles expressavam sua preocupação com os “graves erros doutrinários” apresentados “sutilmente” por meio das lições da Escola Sabatina. 

“Sentimos que essas lições representam um deliberado esforço para ‘persuadir’ a massa de leitores e preparar os membros da Escola Sabatina para receberem novos conceitos teológicos, totalmente contrários às crenças adventistas tradicionais, crenças fundamentadas em sadios princípios bíblicos e do Espírito de Profecia.” 

“A lição do dia 15 de janeiro torna confusa a natureza humana de Cristo na Encarnação, mas com decidida tendência para uma ‘natureza não decaída’”  A escolha das citações de Ellen White foi criticada. “A doutrina da ‘natureza não decaída de Cristo’ é vital ao novo conceito teológico. 

Satanás tem trabalhado diligentemente para introduzir as idéias da ‘nova teologia’ na Igreja Adventista. Nos anos cinqüenta, Satanás operou através de um grupo de destacados teólogos para promover sua “Cristologia”, mas a igreja não a recebeu. Estará ele novamente usando a Escola Sabatina para realizar seu propósito?” 

O periódico A Voz da Verdade Presente, embora não sendo uma publicação denominacional, imprimiu cartas de grupos e membros escandalizados com a apresentação da ‘nova teologia’ na igreja, por meio das lições da Escola Sabatina. Com a missão de “representar os princípios fundamentais do Movimento Adventista” , esse periódico dedicou inteiramente a edição de março à reafirmação do ensino tradicional sobre o tema da natureza humana de Cristo. A fim de cumprir esse objetivo, foram solicitados artigos de autores como Herbert E. Douglas e Dennis E. Priebe.

A Voz da Verdade Presente

O artigo de Herbert Douglass trouxe seu título estampado em letras garrafais no topo da primeira página: “O Homem Modelo”. De fato, nada houve nesse artigo que Douglass não tivesse dito previamente. O objetivo não era apresentar novas verdades, mas relembrar as antigas.

Douglass escreveu: “Deus não veio pela metade à Terra em Sua tentativa de redimir homens e mulheres. Ele não veio como um simpático anjo, ou mesmo como um super-homem inexpugnável a todos os problemas e fraquezas da humanidade. 

A escada do Céu à Terra atingiu plenamente o ponto onde os pecadores estavam. Se ela houvesse deixado de tocar a Terra por um simples degrau, estaríamos perdidos. Mas Cristo veio até nós onde estávamos. Ele tomou nossa natureza e venceu, para que tomando Sua natureza possamos vencer” (O Desejado de Todas as Nações, págs. 311 e 312).” 

Naturalmente, o alvo do artigo de Douglas era mostrar que “Jesus entrou para a família humana tomando a mesma natureza de todos os outros ‘descendentes de Abraão’... Jesus era um homem real, exceto por não ter pecado.”720 Todavia, Ele foi tentado como nós o somos em todas as coisas. Para destacar esse ponto, Douglass citou as mais impressivas declarações de Ellen White sobre o assunto.

Entre muitas, Douglass relembrou a resposta de Ellen White àqueles que supunham que se Jesus houvesse realmente possuído a mesma natureza de todos os seres humanos, Ele teria sucumbido à tentação. “Se Ele não tivesse a natureza do homem, não poderia ser nosso exemplo. 

Se ele não fosse participante de nossa natureza, não poderia ser tentado como o homem é. Se não Lhe fosse possível ceder à tentação, não poderia ser nosso auxiliador. É uma solene realidade que Cristo veio para ferir as batalhas como homem, em favor do homem. Sua tentação e vitória nos ensinam que a humanidade tem de copiar o Modelo; o homem precisa tornar-se participante da natureza divina (Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 408).” 

O artigo de Denis E. Priebe, então professor de Bíblia no Pacific Union College, na Califórnia, também merece nossa atenção. Para ele “a principal doutrina, o tema que determina o rumo de ambos os sistemas de crença, o fundamento e a premissa de toda a controvérsia, é a questão ‘O Que é Pecado?’ O evangelho é todo sobre como somos salvos do pecado. É o pecado que nos faz perdidos e o evangelho é a boa-nova de como Deus nos redime do pecado. A maioria de nós supõe que sabemos o que é pecado, sem tomar tempo para definir pecado.”     

Primeiramente, Priebe conduziu a questão ao pecado original. De acordo com os reformadores, “o pecado original é simplesmente a crença de que somos culpados por causa de nosso nascimento como filhos e filhas de Adão. Essa doutrina ensina que somos culpados por natureza, antes que qualquer escolha do bem ou mal entre em cena.” 

Priebe observou com propriedade: “Sob esse ponto de vista, fraqueza, imperfeições e tendências são pecado. É um enfoque interessante e significativo que os reformadores tenham edificado sua doutrina do pecado original sobre a premissa da predestinação... É um pouco estranho que conquanto a predestinação tenha sido rejeitada pela maioria dos cristãos hoje, o pecado original é ainda visto como o fundamento do correto ensino evangélico.”724

“Obviamente, Ele [Cristo] tem de possuir uma natureza impecável, totalmente diferente da natureza que você e eu herdamos por nascimento... Por causa da crença de que a natureza pecaminosa envolve culpa à vista de Deus, é absolutamente imperativo que Cristo não tenha ligação com nossa natureza decaída.” 

A visão de Priebe sobre a natureza do pecado era totalmente diferente. Para ele, “o pecado não é basicamente o que o homem é, mas o que ele escolhe ser. O pecado ocorre quando a mente consente com aquilo que parece desejável e assim rompe seu relacionamento com Deus. Falar de culpa em termos de natureza herdada é passar por alto a importante categoria da responsabilidade. 

Até termos unido nossa vontade à rebelião humana contra Deus, até nos opormos à Sua vontade, a culpa não é cabível. O pecado está envolvido na vida do homem, em sua rebelião contra Deus, em sua voluntariosa desobediência, e com o transtornado relacionamento com Deus que disso resulta. Se a responsabilidade pelo pecado deve ter algum significado, não se pode afirmar que a natureza humana decaída torna o homem inevitavelmente culpado de pecado.

Inevitabilidade e responsabilidade são conceitos mutuamente exclusíveis na esfera moral. Assim, o pecado é definido como voluntariosa escolha de rebelar-se contra Deus em pensamento, palavra ou ação. Nesse evangelho, o pecado é a escolha intencional para exercitar nossa decaída natureza em oposição à vontade de Deus.” 

Priebe aplicou sua definição de pecado à natureza de Cristo: “Se o pecado não é natural, mas escolha, então Cristo poderia herdar nossa decaída natureza sem, por meio disso, tornar-Se pecador. Ele permaneceu sempre impoluto porque Sua conscienciosa escolha sempre foi a obediência a Deus, nunca permitindo que Sua natureza decaída Lhe controlasse as opções. 

Sua herança era a mesma que a nossa, sem necessidade de recorrer a uma especial intervenção divina para evitar que Jesus recebesse a plenitude humana de Maria. Cristo aceitou espontaneamente a humilhação de descer não apenas ao nível do homem sem pecado, mas ao nível que o homem havia caído através do pecado de Adão e dos pecados das sucessivas gerações. 

O homem não estava no estado de Adão antes da queda, assim, algo muito mais drástico era necessário se os efeitos da queda de Adão devessem ser suplantados. Cristo precisava baixar às profundezas às quais a humanidade havia descido, e em Sua própria Pessoa erguê-la de seus baixios a um novo nível de vida. Jesus desceu desde as alturas até as profundezas para nos erguer, para ser nosso Salvador.” 

Em seguida Priebe considerou o que teria acontecido “se Jesus Se houvesse revestido da natureza humana perfeita”, ou a natureza de Adão antes da queda. Ele teria sido ‘intocado pela queda’, ‘e não estaria lado a lado com o homem em suas necessidades’, ‘haveria um grande abismo entre Jesus e aqueles a quem Ele representava diante de Deus... Se Jesus assumisse a perfeita natureza humana, teria atravessado o abismo entre Deus e o homem, mas essa voragem entre o homem caído e o homem não-caído ainda precisaria ser cruzada.” 

“Se, todavia”, acrescentou Priebe, “Cristo partilhou de nossa natureza humana decaída, então Sua obra mediatória cruzou todo o abismo desde o homem caído, em sua triste necessidade, até Deus. Tão somente por ter entrado em nossa situação, no mais profundo e pleníssimo sentido, e identificando-Se totalmente conosco, foi Ele capaz de ser nosso Salvador. Quaisquer outras condições, exceto numa carne decaída, poderiam ter sido desafiadas de vez pelo inimigo e influenciado o pensamento de seu universo.” 

Priebe escreveu que esse modo de compreender a natureza humana de Cristo foi também proclamado por Waggoner e Jones em 1888, e claramente apoiado por Ellen White. “De fato, essa compreensão da vida de Cristo foi o poder dinâmico da mensagem – o Senhor Jesus Cristo, que foi leal a Deus em carne pecaminosa.” 

Considerando a aplicação prática da mensagem da justificação, Priebe abordou-a em duas frentes. “Daqui a mensagem do evangelho vem até nossa situação. O evangelho é a boa-nova sobre o caráter de Deus – de que Ele perdoa e restaura. O evangelho é a declaração de Deus de que somos justos nos méritos de Cristo e da renovação de nossas vidas pecaminosas, para que, gradualmente, possamos ser restaurados à Sua imagem. 

O evangelho é um veredicto legal e um poder transformador. A união com Cristo é a chave da fé, através da qual a justificação deve ocorrer. O evangelho inclui justificação, uma ligação com Cristo pela fé na base da qual somos declarados justos, e santificação, uma sempre crescente semelhança com Cristo mediante o exercício diário de uma progressiva fé, na base da qual somos feitos justos.”731

Em 1985, Priebe desenvolveu detalhadamente cada um de seus argumentos num livro publicado pela Pacific Press, intitulado Face to Face With the Real Gospel (Cara a Cara com o Evangelho Real).  

Citaremos apenas uma observação que consideramos apropriada: “Como igreja, nunca definimos formalmente nossas crenças nestas três áreas críticas – pecado, Cristo e perfeição. E por causa de nossa falta de clareza e pontos de vista divergentes acerca delas, temos peregrinado num deserto teológico de incerteza e frustração através de 40 anos. Além disso, porque temos tido contraditórios pontos de vista nessas áreas, fomos incapazes de definir claramente nossa mensagem e missão.” 

O contraste entre as diferentes Cristologias encontrou clarificação numa excelente tese doutoral de Eric Claude Webster, defendida na faculdade de teologia da Stellenbosch University, Província do Cabo, na África do Sul, e publicada em 1984 sob o título Crosscurrents in Adventist Christology  (Correntes Conflitantes na Cristologia Adventista).

Correntes Conflitantes na Cristologia Adventista

Como um hábil cirurgião, Eric Claude Webster  expôs o verdadeiro cerne da Cristologia adventista em sua volumosa obra sobre o assunto. No primeiro capítulo, Webster abordou o problema da Cristologia em suas variadas molduras históricas. 

Nos capítulos sucessivos ele analisou as Cristologias de quatro eminentes escritores e teólogos adventistas: Ellen G. White, Ellet J. Waggoner, Edward A. Heppenstall e Herbert E. Douglass, dois deles representando a geração dos pioneiros e dois contemporâneos. No capítulo final, Webster sumariou seus pensamentos com respeito a essas quatro Cristologias, as quais são realmente representativas das diferentes correntes e contra-correntes na Cristologia adventista.

Já examinamos a posição de cada um desses autores e, por conseguinte, evitaremos repeti-las aqui. De especial interesse são os notáveis pontos de vista pessoais com respeito à controvérsia sobre a natureza humana de Cristo. Por exemplo, ele classificou as Cristologias de Ellen White e Heppenstall como ontológicas; a de Waggoner como especulativa e a de Douglas como funcional.

Webster também citou o que ele considerava ser o fator dominante de cada Cristologia. Para Ellen White, Waggoner e Heppenstall, foi a pessoa de Jesus, enquanto que para Douglass, a obra de Cristo. Como objetivo proposto de cada um, ele afirmou que Ellen White focalizou a manifestação do caráter de Deus, enquanto Waggoner destacou a inteireza da santidade no homem; Heppenstall deteve-se sobre o objetivo da salvação, e Douglas enfatizou a semelhança com Cristo.

Quanto à natureza humana de Jesus, Webster confirmou a análise que até aqui fizemos a respeito de cada um desses autores. No entanto, suas conclusões acerca de Ellen White diferiam sobre importantes pontos: “Em relação ao pecado, achamos que Ellen White entende a vinda de Cristo à Terra em natureza pós-queda, com todas as ‘simples enfermidades e fraquezas do homem’, juntamente com os pecados imputados e a culpa do mundo, suportando assim vicariamente a culpa e a punição de todo pecado; e ainda numa natureza que era impecável e sem perversão, poluição, corrupção, propensões pecaminosas e tendências ou mancha de pecado.” 

Webster então reafirmou a posição póslapsariana de Ellen White. Todavia, ele alude às ‘simples enfermidades’ em citações avulsas, como se essa expressão fosse de Ellen White. Como previamente declarado, essa expressão nunca foi usada por Ellen White; quanto ao termo ‘vicariamente’, ela nunca o utilizou em todos os seus escritos.

Na apresentação de seu ponto de vista, Webster concordou essencialmente com Heppenstall.  Ele escreveu: “Durante a Encarnação, Jesus Cristo manifestou Sua divindade de forma a ser plenamente Deus, e ... Sua humanidade de forma a ser plenamente homem.” Mas acima de tudo, “Jesus Cristo veio a este mundo na humanidade de Adão após a queda e não antes dela. 

Ele assumiu a humanidade afetada pelas leis da hereditariedade e sujeita à fraqueza, enfermidades e tentações.” Webster acrescenta: “Porém, Jesus Cristo, conquanto vindo em natureza humana decaída, não foi infectado pelo pecado original e nasceu sem quaisquer propensões para o pecado; assim, não precisamos ter dúvidas com respeito à Sua absoluta impecabilidade.”  Todavia, “Jesus Cristo escolheu livremente assumir não apenas uma natureza como a nossa em todos os respeitos, excetuando-se o pecado, como também a situação comum de sofrimento, alienação e perda, vindo em carne mortal, aceitando vicariamente nossa culpa, punição e separação sobre Si mesmo.”740

O estudo de Webster é uma mina de ouro para aqueles que desejam melhor compreensão do problema atual, no centro da controvérsia na Igreja Adventista. Sua posição em favor da natureza pósqueda de Cristo constitui um voto a favor da Cristologia tradicional. 

Não obstante, alguns vêem contradição nas posições de Webster. Por um lado, ele afirma que “Jesus Se revestiu da humanidade afetada pela lei da hereditariedade”, enquanto que por outro, ele garante que Cristo “não foi infectado pelo pecado original e nasceu sem quaisquer tendências e propensões para pecar.” Nossas objeções com relação àqueles que declaram que Cristo não possuía tendência para pecar e que Ele herdou apenas “simples fraquezas”, aplicam-se também a Webster. De fato, essas declarações não são bíblicas nem estão em harmonia com o ensino de Ellen White.

As Duas Cristologias Face a Face

Em resposta à polêmica, J. Robert Spangler, editor do Ministry, solicitou que dois teólogos, cada um especializado no assunto, apresentassem seus pontos de vista para os pastores adventistas. No editorial de junho de 1985, ele escreveu: “Por muitos anos temos intencionalmente evitado publicar em nosso periódico qualquer artigo tratando da natureza de Cristo. Meu editorial de abril de 1978 no Ministry testificou de minha própria luta sobre esse tema. Destaquei que eu havia sido oprimido com sentimentos de insuficiência própria na tentativa de expressar minhas convicções.” 

“Entretanto, em vista do fato de que há aqueles que sinceramente crêem que a igreja cairá ou se erguerá segundo sua compreensão sobre Cristo e Sua natureza, e em vista das reimpressões e da discussão sobre o assunto, achei que ambos os lados da questão deveriam ser reexaminados. Portanto, estamos publicando dois extensos artigos de dois eruditos adventistas.” 

Spangler esforçou-se para dar ênfase às linhas comuns em ambas as interpretações. “Ambos os lados crêem que nosso Senhor era plenamente humano e plenamente divino; que Ele foi tentado em todos os pontos, como nós o somos; que Ele poderia haver caído em pecado, abortando assim todo o plano de salvação, mas que nunca cometeu pecado. (Parece que em alto grau a diferença de pontos de vista pode ser atribuída  à variação de compreensão do que constitui a natureza pecaminosa. Pode haver muito menos do que parece separando os dois lados em seu debate).”743

Depois de rever os pontos concordes, o editor ponderou umas poucas questões fundamentais das quais o debate dependia. 

“Em Sua natureza humana, começou nosso Senhor onde todos os outros filhos começam? Cristo assumiu a natureza humana pré ou pós-queda? Se a raça humana foi afetada pela queda de Adão e Eva, foi Cristo também atingido ou Ele estava imune a isso? Se Cristo aceitou a natureza humana impecável, tinha Ele alguma vantagem sobre nós? Tomou Ele vicariamente a natureza humana decaída? Se Ele assumiu a natureza humana decaída, esse elemento ‘caído’ dizia respeito apenas ao Seu físico e não ao Seu caráter moral? É possível resolver o assunto da natureza de Cristo, com o qual a igreja cristã vem se debatendo por dois mil anos? É-nos necessário ter uma definitiva e acurada compreensão da natureza de Cristo para sermos salvos? Precisava Cristo ter nossa natureza decaída (sem pecado, é claro), a fim de os cristãos poderem viver a vida imaculada que Ele viveu?” 

Essas foram as perguntas às quais os dois teólogos indicados deveriam responder. Para evitar influenciar os leitores, as duas apresentações foram publicadas sob pseudônimos. Num artigo posterior, os dois nomes foram revelados: Norman R. Gulley e Herbert E. Douglas. 

1. Gulley: A Natureza Humana Antes da Queda

Gulley defendia a posição pré-lapsariana. Mas contrariamente à prática daqueles que partilhavam esse ponto de vista, ele não estabeleceu sua posição com base nas declarações de Ellen White. Sua exposição se apoiava no estudo exegético de versos bíblicos cristológicos.  Ele cria que toda verdade doutrinária deveria estar fundamentada em terreno escriturístico.

Ele procedeu a um estudo lingüístico e teológico para definir o significado das palavras gregas sarx, hamartia, isos, homoioma, monogenes e prototokos, e o significado das expressões “descendentes de Abraão” (Heb. 2:16) e “descendente de Davi” (Rom. 1:3). Sua premissa principal: “Através da investigação, documentaremos a esmagadora evidência de que Jesus, de fato, tomou a natureza humana sem pecado em Seu nascimento (espiritualmente), conquanto possuindo natureza física similar aos outros de Seu tempo.” 

Um só texto, sustentava ele, fazia referência direta à carne e pecado: “O pecado habita em mim” (Rom. 7:17). “Portanto, sarx não significa necessariamente ‘pecaminoso’... Em I Tim. 3:16 não aparece soma, mas sarx. Isso significa simplesmente ‘encarnado’, não ‘pecaminoso’.”747

Então Gulley passou a discutir o significado da palavra ‘semelhança’ como citada em Romanos 8:3, Filipenses 2:7 e Hebreus 2:17, para concluir que “Jesus era apenas semelhante a outros seres humanos, tendo um corpo humano físico afetado pelo pecado, mas não o mesmo de outros seres humanos, pois somente foi impecável em Seu relacionamento espiritual com Deus.”748

Tratando do pecado, Gulley considerava que ele não poderia ser definido apenas como um “ato”. “Essa é uma definição muito superficial. Embora o pecado inclua escolhas errôneas e, portanto, atos, e mesmo pensamentos (ver Mateus 5:28), ele também inclui natureza. Se não houvéramos nascido pecadores, então não teríamos necessidade de um Salvador até um primeiro ato ou pensamento pecaminoso. 

Tal idéia presta um terrível desserviço às trágicas conseqüências do pecado e à missão de Cristo, como o único Salvador de cada ser humano (João 14:6; Atos 4:12). Isso também significa que se Jesus veio com uma natureza pecaminosa, mas resistiu, então talvez alguém mais possa fazer o mesmo, e que essa pessoa não necessita de Jesus para salvála.”749

Citando Salmos 51:7;22:10;139:3 e outros, Gulley argumentava que todos são pecadores, com exceção de Cristo. O fato de Jesus ser impecável não justifica a imaculada conceição. “Mas se Deus pôde realizar tal ato salvífico por um humano, por que não por todos? Isso teria poupado Cristo de todas as angústias de Se tornar humano. Além disso, se Maria se tornou imaculada sem Cristo, isso coloca a missão de Cristo em questão.” 

De acordo com declarações bíblicas, Jesus era “único”, monogenes; “o primogênito”, prototokos. Certamente essas expressões não deveriam ser interpretadas literalmente, especificava Gulley. “Elas implicam que Ele era o único de uma espécie. 

Sua missão era tornar-Se o novo Adão, o novo primogênito, ou cabeça, de uma raça. Isso O qualificava a ser nosso representante, sumo sacerdote e intercessor no grande conflito. Jesus é nosso exemplo em Sua vida, mas não em nascimento... Ele nasceu sem pecado para atender à nossa primeira necessidade dEle como Salvador, enquanto que nós nascemos pecadores.”751

De acordo com Gulley, os versos que declaram que Jesus é “descendente” de Abraão e de Davi, “não estão levando em conta a natureza, mas a missão de Cristo. Eles não dizem respeito ao tipo de carne com a qual Ele nasceu (impecável ou pecaminosa) ... O contexto se refere à missão e não à  natureza.”752 “Aquele que  não ‘conheceu pecado’, tornou-Se ‘pecado por nós’ em Sua morte (II Cor. 5:21). 

Nunca antes daquele momento o pecado O separara de Seu Pai e O levara a clamar ‘Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?’ (Mat. 27:46). O homem Jesus tornou-Se pecado por nós em missão para a morte e não em natureza por nascimento.” 

Em sua “doxologia”, Gulley afirmava energicamente que “a Cristologia é o centro e o coração da teologia, pois Jesus Cristo é a maior revelação de Deus ao homem. Ele é também a melhor revelação do autêntico homem para o homem. Jesus Cristo é único não somente como Deus conosco, mas como Homem conosco. Ele era a divindade imaculada unida à carne humana debilitada pelo pecado, mas era igualmente impecável em ambas as naturezas.”754

Gulley explicava que a verdadeira Cristologia não é completa com adoração, obediência e oração apenas. Pelo contemplar a Cristo tornamo-nos como Ele (II Cor. 3:18). Gulley também concluiu que “a Cristologia culmina na declaração: ‘Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim’ (Gál. 2:20). Tão somente nessa dependente união pode Jesus ser nosso homem-modelo, nunca em Sua natureza de nascimento.”

Ninguém censuraria Gulley por basear sua demonstração unicamente nas Escrituras, enquanto que seus predecessores haviam fundamentado as suas principalmente sobre os escritos de Ellen White.  Mas sua exegese é similar àquela encontrada na maioria dos teólogos protestantes ortodoxos, o que o coloca em oposição aos pioneiros e à Ellen White.

2. Douglass: a Natureza Humana Após a Queda

Herbert Douglass estava corretíssimo quando disse a seus leitores que se eles houvessem vivido antes de 1950, estariam completamente desatentos com respeito da presente controvérsia. Pois “até o terceiro quarto do século vinte, os porta-vozes adventistas afirmavam consistentemente que Jesus assumiu nossa natureza decaída.” 

Douglas voltou a focalizar a atenção de seus leitores na questão do “por quê” antes que do “como”. De acordo com ele, “o tema da salvação não é primariamente como Deus Se tornou homem, mas por que... Sem a questão, o mistério envolve a Encarnação. Mas o mistério é concernente a como Deus e o homem se combinaram, não por quê.”758

De fato, “o assunto parece estagnado até perguntarmos por que Ele veio do modo como o fez. Se não encararmos a questão corretamente, cada tema bíblico parecerá distorcido.” Por outro lado, o plano da salvação aparece em sua simplicidade quando é formulada a pergunta: “Por que Jesus, como todo bebê dois mil anos atrás, assumiu a condição da humanidade decaída, e não a de Adão ‘em sua inocência no Éden’?”760

Muitos teólogos não-adventistas têm desafiado o ponto de vista tradicional que afirma que Cristo tomou a natureza de Adão antes da queda, e assumem a posição pós-lapsariana. Douglass listou cerca de 15 deles.761 Ele escreveu: “Nenhum desses homens cria que Cristo pecou, quer fosse em pensamento ou ato, e que por causa de haver Ele assumido a pecaminosa carne decaída necessitava de um salvador. Genericamente falando, o termo carne pecaminosa significa a condição humana em todos os seus aspectos, como atingida pela queda de Adão e Eva. Tal natureza é suscetível tanto à tentação de dentro como de fora.

Contrariamente ao dualismo grego, que inicialmente impregnou muito do cristianismo ortodoxo, a carne não é má nem peca por si mesma. Embora a carne seja amoral, ela provê o equipamento, a ocasião e o sítio para o pecado, se a vontade humana não for constantemente assistida pelo Espírito Santo. Mas a pessoa nascida com carne pecaminosa não necessita ser um pecador.”762

Quais são as implicações de ensinar que Jesus possuía natureza impecável? “Sugerir que Ele nascera livre das riscos da hereditariedade é trilhar a mesma estrada que o catolicismo romano tomou quando confundiu pecado com substância física... Nenhuma evidência bíblica sugere que a corrente da hereditariedade humana ficou rompida entre Maria e Jesus.”763

Nada demonstra melhor a solidariedade de Jesus com a raça humana do que a maneira dEle Se apresentar sob o nome de Filho do homem (Mat. 8:20; 24:27, etc.), e a analogia que Paulo estabelece entre Cristo e Adão (Rom. 5:1; I Cor. 15). “Muitos consideram Romanos 5:12 como evidência de que homens e mulheres nascem pecadores, mas esse não é o argumento de Paulo. Ele está simplesmente declarando um fato óbvio: o trilho da morte começou com Adão”.

“Mas todos os descendentes de Adão morrem ‘porque todos os homens pecaram’... A suposição de que Jesus tomou a natureza de Adão antes da queda destrói a força do paralelo de Paulo e seu princípio de solidariedade. 

A analogia paulina Adão-Cristo torna-se relevante para a humanidade e no contexto do grande conflito, somente se Jesus Se incorporou à natureza humana decaída; somente se Ele enfrentou o pecado na arena onde todos os homens estão – ‘em Adão’ –, e venceu cada apelo para servir a Si mesmo, quer de dentro ou de fora. 

Jesus desejava que aqueles que estivessem nEle se unissem corporativamente aos resultados de Sua obra salvadora. Mas para cumprir isso, Ele precisava primeiro ter estado corporativamente ligado à humanidade em sua condição decadente.”764

Douglass observou então que Paulo foi muito cuidadoso na sua escolha de palavras em Romanos 8:3. Por que ele disse, nesse caso, ‘en homoiomati sarkos hamartias’ (em semelhança de carne pecaminosa), antes que simplesmente ‘em sarki hamartias’ (em carne pecaminosa)?765 Douglas citou C. E. B. Cranfield, professor de teologia da Universidade de Durham: “A intenção não é, de modo algum, atrair a atenção para o fato de que, conquanto o Filho de Deus tenha verdadeiramente assumido sarx hamartias, Ele nunca Se tornou sarx hamartias e nada mais, nem mesmo sarx hamartias habitada pelo Espírito Santo.” 

“Entendemos... que o pensamento de Paulo (concernente a seu uso de homoioma aqui), seja de que o Filho de Deus assumiu idêntica natureza decaída à nossa, mas que em Seu caso essa natureza humana decaída nunca foi integral nEle – Ele nunca cessou de ser o eterno Filho de Deus.” 

Analisando os versos cristológicos da epístola aos Hebreus (2:11-18; 4:15; 5:7-9), Douglass demonstrou a necessidade de o sumo sacerdote ser solidário com a humanidade. “Uma das principais linhas de argumento em Hebreus é que a eficácia do sumo sacerdote depende de quão intimamente ele se identifica com aqueles por quem media. Jesus é um perfeito sumo sacerdote por causa de Sua real identificação com os predicamentos humanos, quer do espírito (tentações), quer do corpo (privações e morte).” 

“Porque não temos um Sumo Sacerdote que não possa compadecer-Se das nossas fraquezas, antes foi Ele tentado em todas as cousas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente... (Heb.4:15 e 16)”768 “Jesus foi vitorioso sob os mesmos riscos e desvantagens comuns a toda a humanidade; Conseqüentemente, homens e mulheres também podem vencer recebendo o mesmo auxílio do qual Ele dependia, se se ‘aproximarem’ em tempos de necessidade.”

Para Cristo ser um perfeito sumo sacerdote, a epístola aos Hebreus exige que Ele “seja um com o homem em cada aspecto do material humano (princípio da solidariedade), mas não um com ele como pecador, isto é, do ponto de vista do desempenho humano (princípio da dissimilaridade)... Na Encarnação, o Salvador tornou-Se um homem em cada aspecto essencial; Ele estava cercado de todas as desvantagens humanas... Ao tomar a natureza do homem no estado em que se encontrava quando Ele encarnou, Jesus cruzou o abismo entre Céu e Terra, entre Deus e o homem. 

Assim fazendo, Cristo tournouSe a escada posta no Céu e fincada solidamente na Terra, Alguém em quem os homens e mulheres poderiam confiar.” 

Para Douglass não havia sombra de dúvida: “Até o terceiro quarto do século vinte os pregadores adventistas consistentemente apresentaram Jesus como alguém que assumiu nossa natureza decaída. 

Como muitos eruditos não-adventistas, eles teriam sido intimidados pela falsa conclusão de que ao crerem que por Jesus ter tomado a natureza humana decaída, necessitassem também crer que Ele houvesse de ser um pecador. Ou que Ele tivesse necessidade de um salvador.” “De modo nenhum uma mancha de pecado jazeu sobre Jesus, porque Ele nunca foi um pecador. 

Cristo nunca teve uma ‘má propensão’ porque jamais pecou. Tentações genuínas, seduções reais para satisfazer desejos legítimos de modos egoístas, inquestionavelmente nosso Senhor as experimentou e com toda a possibilidade de a elas ceder.  

Porém, ‘nem por um momento’ Jesus permitiu tentações que concebessem e dessem à luz o pecado. Ele também travou cruentas batalhas com o eu e as tendências potencialmente hereditárias, mas nunca permitiu que uma inclinação se tornasse pecaminosa (ver Tiago 1:14 e 15). Cristo Se mantinha dizendo ‘não!’, enquanto todos os outros seres humanos diziam ‘sim!’”.772

Concluindo, Douglass uma vez mais colocou a questão que deveria dirigir todas as pesquisas sobre a natureza humana de Cristo: “Por que Jesus veio à Terra?” “A razão de Sua vinda determinou o modo por que veio, ou jamais ela teria cumprido seu propósito. Ele triunfou gloriosamente sobre o mal; Ele Se tornou o substituto adequado, o homem pioneiro, o modelo da humanidade. E realizou todas as coisas em meio às piores circunstâncias, sem exceção de nada, com a mesma hereditariedade partilhada por todos os homens e mulheres aos quais veio salvar.”

É interessante notar que a apresentação de Douglass, como a de Gulley, está apoiada inteiramente em versos do Novo Testamento. Todavia, para provar que suas conclusões estavam em harmonia com o ensino tradicional da igreja, Douglass foi cauteloso, numa nota, ao listar 27 autores adventistas com suas apoiadoras declarações, juntamente com afirmações de Ellen White. 

Revisão Recíproca de Teses e Antíteses

Posteriormente, o editor do Ministry pediu que os dois autores criticassem cada um os artigos do outro, na edição de agosto de 1985. 

Douglass foi o primeiro e destacou que as opiniões de Gulley surgiram no cenário da Igreja Adventista apenas na década de 50. “As conseqüências dessas mudanças tiveram muito que ver com o trauma e as divisões teológicas que a igreja experimentou nos últimos trinta anos.”776

Douglass mostrou que Gulley não havia “feito diferença entre bagagem humana herdada e desempenho dentro da humanidade degenerada pelas conseqüências do pecado”.777 De fato, o que Gulley antecipou como natureza humana de Jesus correspondia à heresia da carne santa, que afirmava “que Jesus tomou a natureza pré-queda de Adão. 

Os adeptos daquele movimento criam que Jesus recebeu de Maria uma natureza física enfraquecida pelo pecado. Mas eles também criam que Ele recebeu do Espírito Santo a natureza espiritual de Adão antes da queda, e assim foi evitado o pleno impacto da lei da hereditariedade.”778 Agora, “uma errônea compreensão da Encarnação tem resultados práticos infelizes, especialmente quando alguém tenta harmonizar o erro e a verdade”.779

Com respeito à teoria da salvação, Douglass considerava que Gulley havia sido fortemente influenciado por sua própria Cristologia. “Por que Jesus Se tornou homem, me parece, pode ser compreendido apenas do ponto de vista do grande conflito – uma perspectiva acentuadamente perdida no ‘protestantismo ortodoxo, bem como no catolicismo. Jesus não veio para satisfazer um Deus ofendido que requeria sangue antes de poder perdoar, ou para provar que Deus poderia observar as leis divinas, ou mesmo que Adão poderia ter permanecido obediente.”

Gulley, por sua vez, atacou o argumento de Douglass de que “Jesus não era um pecador por nascimento, porque todos os homens são impecáveis no nascimento. Pois, alguém ‘nascido com carne pecaminosa não necessita ser um pecador’”. 

De acordo com Gulley, a Bíblia contesta tal idéia. “Ela indica que todos os homens ‘tornaramse pecadores pela transgressão de Adão, de modo similar àquele pelo qual se tornaram justos pela obediência de Cristo. Douglass passou por alto esse paralelo em Romanos 5. Somos pecadores pelo nascimento e justos em Cristo. Apenas os dois Adões  entraram sem pecado no planeta Terra. Todos os outros nasceram pecadores.”782

Cristo não veio a este mundo “como um pródigo, mas como Deus-homem... Conseqüentemente, como o segundo Adão, Ele veio não à imagem do homem, mas na exata imagem de Deus (Col. 1:15; Heb. 1:1-3).”783 Ademais, “O ponto de vista de Douglass sobre propensões é simplesmente muito superficial. Por definição, as propensões estão contidas na natureza decaída, antes de qualquer ato pecaminoso. Mas Jesus não as possuía. Não surpreende que Satanás não tenha encontrado nenhum mal nEle (João 14:30)... A imagem criativa de Deus não tem nada a ver com a queda. Esse reino está confinado à imagem do homem.”

Gulley destacou as contradições da argumentação de Douglass com relação ao fato de que “Cristo tomou a natureza pós-queda de Adão”, conquanto admitisse que não houve nenhuma ‘mancha de pecado’, nenhumas ‘más propensões’, ou fraquezas pecaminosas como as nossas... Essas isenções destroem Sua exata identidade conosco”.785

“Douglas declarou que o porquê de Jesus tornar-Se humano é mais importante que o como Ele Se tornou humano... Mas todas as seis razões que Douglass deu foram plenamente satisfeitas pela vinda de Jesus como espiritualmente imaculado numa natureza humana enfraquecida pelo pecado.”786 “Nunca devemos perder de vista o fato de que a identidade de Jesus como Deus é mais importante do que Sua solidariedade com a humanidade. Ele não é simplesmente outro homem, mas Deus tornado homem.”

Em suma, Gulley concordou com Douglass no fato de que “Jesus era um homem real e que Ele foi realmente tentado e poderia ter fracassado; que

Sua dependência de Deus proveu-nos um exemplo. Concordamos que Ele Se manteve imaculado... O Jesus de Douglass não é muito humano? Reconheceu ele apropriada e adequadamente Sua divindade?” 

A resposta recíproca nada trouxe de novo. Cada autor manteve sua posição. Até certo ponto essa reserva era uma questão de semântica: os dois teólogos deram diferentes significados a termos bíblicos e teológicos básicos.

Críticas e Perguntas dos Leitores do Ministry

Para ampliar o círculo, o periódico Ministry franqueou suas páginas aos leitores. Os mais significativos comentários foram publicados nas edições de dezembro de 1985 e junho de 1986.

A incisiva crítica apresentada por Joe E. Crews merece menção especial.  “Ele (Gulley) não apenas confunde pecado com efeitos do pecado, mas torna a natureza pecaminosa equivalente ao próprio pecado... Uma vez que natureza decaída é o mesmo que culpa e pecado, cada bebê nascido tem necessidade de redenção antes que possa pensar, falar ou agir. Isso significa que Jesus seria culpado já por ter nascido, a menos que Sua natureza fosse diferente de todos os outros bebês.”790

“Do mesmo modo que ele mistura pecado com natureza pecaminosa, os resultados do pecado com o próprio pecado e a separação de Deus com natureza corrompida, o autor [Gulley] confunde más propensões com propensões naturais. Ele define más propensões como ‘inclinação para pecar’. Ele escreve: ‘Más propensões (inclinação para pecar) são adquiridas de dois modos: mediante o ato de pecar e através do nascimento como pecador. Cristo não participou de nenhum deles.’” 

“Eu não conheço uma só pessoa que creia que Jesus pecou ou nasceu pecador. Nem conheço alguém que creia que Jesus tinha ‘propensões pecaminosas’. Mas conheço muitos que crêem que Ele possuía ‘propensões naturais’, justamente como todos nós, como resultado de haver nascido como nós, com uma natureza decaída. Más propensões são aqueles impulsos para o pecado que foram cultivados e fortalecidos pela indulgência para com o pecado. Propensões naturais são aquelas tendências herdadas. A culpa está contida numas mas não em outras. Isso não é pecaminoso a menos que alguém ceda à propensão.” 

Outro leitor, Anibal Rivera, ficou pasmado de que alguém desse crédito à idéia de que há dois pontos de vista possíveis na teologia adventista, com relação à natureza humana de Jesus. “Nossos pioneiros e o Espírito de Profecia não estavam em conflito com respeito à questão da natureza humana de Jesus. É como se nós, como um povo, houvéssemos decidido crer que os guardadores do domingo e os observadores do sábado estão justificados aos olhos de Deus. Obviamente, houve uma mudança em nossa posição histórica.” 

Alguns leitores ficaram simplesmente espantados com que o Ministry publicasse artigos pró e contra sobre uma doutrina bem estabelecida na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Por exemplo, eis um enérgico comentário de R. R. D. Marks, um professor australiano: “Nossas lições da escola sabatina, por mais de um quarto de século antes da morte de Ellen G. White, enfatizavam que Cristo assumiu nossa natureza decaída; e embora ela as tenha estudado, como também aconselhou outros a fazer, nunca ergueu sua voz contra os enfáticos ensinos do trimensário sobre ao assunto. Note a lição do segundo trimestre de 1909, pág. 8: ‘A semente divina poderia manifestar a glória de Deus em carne pecaminosa, e igualmente obter uma absoluta e perfeita vitória sobre qualquer tendência da carne.’” 

Uma leitora californiana, Ethel Wildes, apresentou um único argumento: “Se Cristo houvesse vindo com a natureza de Adão antes da queda, o homem teria fugido de Sua presença. O pecado furtou de Adão a sua glória e ele percebeu que estava nu. A face de Moisés resplandecia com uma pequeníssima porção da pureza e glória de Deus, e o povo temeu. 

Ele foi obrigado a velar sua face. Quando Jesus vier em Sua glória, a qual foi velada pela humanidade quando andava entre os homens, muitos clamarão às rochas e montanhas que os escondam dEle. Essa glória destrói os ímpios. Deus habitou numa natureza como a minha e resistiu a toda tentação. Ele pode fazer o mesmo por mim ao habitar em meu coração por Seu Espírito. Bendito seja Seu santo nome!” 

O Ponto de Vista Alternativo de Thomas A. Davis

Também no Ministry, Thomas A. Davis apresentou uma proposta alternativa sobre a natureza humana de Cristo, como explanada em seu livro Was Jesus Really Like Us?  (Foi Jesus Realmente Como Nós?) Ele cria que seu ponto de vista poderia servir de ponte entre as interpretações de Douglass e Gulley, e resolver adequadamente o problema por eles levantado.

Davis escreveu: “Lemos em Hebreus 2:17 que Jesus em todas as coisas Se tornou ‘semelhante a Seus irmãos [os renascidos e santificados].’ Creio que não se causa dano à sintaxe fazer essa conexão e, ademais, estamos naturalmente aplicando a regra da primeira menção. É simplesmente bom senso supor que o significado explícito ou implícito dado a uma palavra na primeira vez em que ela é usada numa passagem, seja mantido através da passagem, a menos que indicado de outro modo.” 

“À luz do precedente, podemos concluir que houve algo importante sobre a encarnada natureza de Cristo que era semelhante à pessoa recémnascida, mas dessemelhante à pessoa degenerada. Acho que nessa idéia está um conceito que poderia unir os dois pontos de vista discutidos no Ministry.” 

Davis concluiu: “Jesus, então, tornou-Se homem com uma natureza humana integral (conquanto também plenamente Deus). Assim, na carne, Ele tinha a fraqueza da humanidade atacada pela tentação como acontece conosco, com a possibilidade de pecar. 

Mas, nessa condição, Cristo possuía mente, coração e vontade impecáveis; estava total e continuamente afinado com o Pai e dirigido pelo Espírito Santo. Desse modo, Ele era semelhante ao Adão não decaído. E é nesse ponto que, cremos, o regenerado e Jesus se acham em terreno comum.” 

Essa interpretação parece atraente. Todavia, no contexto do segundo capítulo da epístola aos Hebreus, é questionável se a palavra “irmãos” se aplicar estritamente aos regenerados. 

Além disso, a comparação feita entre Jesus e “Seus irmãos” não pretende cotejar suas semelhanças espirituais, mas sublinhar a semelhança natural de “carne e sangue” partilhada com Cristo. “Os filhos” (verso 14) aqui mencionados como vindo “de um só” (verso 11), são todos aqueles por quem Jesus sofreu a morte (verso 9). “Por isso é que Ele não Se envergonha de lhes chamar irmãos” (Verso 11).




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