Capítulo 11: As Primeiras Reações ao Livro "Questões Sobre Doutrina"

tocados por nossos sentimentos


Capítulo 11 AS PRIMEIRAS REAÇÕES AO LIVRO “QUESTÕES SOBRE DOUTRINA”

Como era de se esperar, as novas interpretações das declarações de Ellen White sobre a questão da natureza humana de Cristo provocaram enérgicas reações. Os mais francos e diretos denunciavam o que viam como erros de interpretação, enquanto outros calmamente confirmavam o ensino da igreja desde sua origem. Essas reações ao livro Questões Sobre Doutrina merecem nossa mais dedicada atenção.

A Cristologia Tradicional Autenticada Pelo The Seventh-day Adventist Bible Commentary

Entre 1953 e 1957, enquanto encontros nãooficiais entre três ou quatro adventistas e dois ou três evangélicos estavam tendo lugar, cerca de 40 teólogos sob a liderança de Francis D. Nichol estavam trabalhando no The Seventh-day Adventist Bible Commentary (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia). 

Desconhecemos a posição individual que os vários comentaristas tinham sobre a natureza humana de Cristo. Mas sabemos que as duas epístolas neotestamentárias que tratam mais diretamente da Cristologia, foram designadas a teólogos que eram ardentes defensores da posição tradicional: M. L. Andreasen (Hebreus) e A. G. Maxwell (Romanos).

Embora os sete volumes do comentário tenham sido publicados em 1957, no mesmo ano do Questões Sobre Doutrina, nenhum traço da nova teologia foi neles encontrado. Contrariamente, muitas das declarações suplementares encontradas no final de cada volume tendem a confirmar a posição histórica. Eis a seguir muitos exemplos típicos:

Gênesis 3:15: “O Rei da glória dispôs-Se a humilhar a Si próprio até a decaída humanidade! Ele poria Seus pés nas pegadas de Adão. Ele tomaria a natureza decaída do homem e contenderia com o forte adversário que triunfara sobre Adão.” 

Isaías 53:2 e 3: “Pense sobre a humilhação de Cristo. Ele tomou sobre Si a decaída e sofredora natureza humana, degradada e corrompida pelo pecado... Ele suportou todas as tentações com as quais o homem é assediado... ‘O Verbo Se fez carne e habitou entre nós’, pois fazendo assim Ele poderia associar-Se com os pecaminosos e sofridos filhos e filhas de Adão.” 

Mateus 4:1-4: “O Redentor, em quem estavam unidos o humano e o divino, ficou em lugar de Adão e suportou um terrível jejum de quase seis semanas. A extensão desse jejum é a mais forte evidência da pecaminosidade e do poder do apetite depravado sobre a família humana.” 

Mateus 4:1-11: “Aqui Cristo venceu em favor do pecador, quatro mil anos após Adão haver voltado as costas ao resplendor de seu lar... Cristo suportou os pecados e as debilidades da raça como existiam quando Ele veio à Terra para socorrer o homem. 

Em prol da raça, com as fraquezas do homem decaído sobre Si, Ele veio para resistir às tentações de Satanás em todos os pontos nos quais o homem era assaltado... E a fim de erguer o homem caído, Cristo precisava alcançá-lo onde esse estava. Ele tomou a natureza humana, carregou suas debilidades e arrostou a degeneração da raça. Ele, que não conhecera pecado, tornou-Se pecado por nós.”495

Lucas 22:44: “Não foi uma humanidade fictícia que Cristo tomou sobre Si. Ele assumiu a natureza humana e nela viveu... Tomou nossas enfermidades. Ele não somente Se tornou carne, mas foi formado em semelhança da carne pecaminosa.” 

João 1:1-3 e 14: Acerca desses textos, são citados cinco parágrafos da carta de Ellen White a Baker. Retornaremos a essa carta mais tarde porque ela é o principal documento sobre o qual os defensores da nova Cristologia se apóiam. 

Além dessas, a seguinte declaração é citada: “Ele [Cristo] tomou sobre Si mesmo a natureza humana, e foi tentado em todos os pontos como a natureza humana é tentada. Ele poderia ter pecado; Ele poderia ter caído, mas nem por um momento havia nEle propensão para o mal... 

É um inexplicável mistério a mortais que Cristo pudesse ser tentado em todos os pontos, como nós o somos, e todavia ser sem pecado... Ele humilhouSe a Si mesmo quando esteve em forma humana, para que pudesse compreender a força de todas as tentações com as quais o homem é assediado.” 

Romanos 5:12-19: “Em carne humana Ele foi ao deserto para ser tentado pelo inimigo... Ele conhece as fraquezas e as enfermidades da carne. Foi tentado em todos os pontos como nós.” 

Romanos 8:1-3: “Cristo enfrentou, venceu e condenou o pecado na esfera esse havia exercido previamente seu domínio e senhorio. A carne, a cena dos anteriores triunfos do pecado, agora tornou-se o cenário de sua derrota e expulsão.” 

Filipenses 2:5-8: “A humanidade do Filho de Deus é tudo para nós. Ela é a cadeia dourada que liga nossas almas a Cristo e, através de Cristo, a Deus.” 

Hebreus 2:14-16: “Em Cristo estavam unidos o divino e o humano – o Criador e a criatura. A natureza de Deus, cuja lei havia sido transgredida, e a natureza de Adão, o transgressor, encontraramse em Jesus – o Filho de Deus e o Filho do homem.” 

Hebreus 4:15: “A vitória e a obediência de Cristo é a de um ser humano real. Em nossas conclusões, cometemos muitos erros por causa de nossos equivocados pontos de vista sobre a natureza humana de nosso Senhor. Quando conferimos à Sua humana natureza um poder que não é possível ao homem ter em seu conflito com Satanás, destruímos a inteireza de Sua humanidade.” 

“Satanás exibiu seu conhecimento dos pontos fracos do coração humano, e aplicou seu máximo poder para obter vantagem da fraqueza da humanidade que Cristo havia assumido, para vencer suas tentações em prol do homem.” 

“Não devemos colocar a obediência de Cristo em si mesma, como algo para o qual Ele estava especialmente dotado por Sua particular natureza divina, porque Ele permaneceu diante de Deus como representante do homem e foi tentado como substituto e penhor do homem. Se Cristo possuísse um poder especial o qual não é privilégio do homem ter, Satanás teria extraído o máximo proveito dessa questão.” 

A respeito da expressão “sem pecado”,

Andreasen fez o seguinte comentário: “Nisso jaz o inescrutável mistério da vida perfeita de nosso Salvador. Pela primeira vez a natureza humana foi conduzida à vitória sobre sua natural tendência para pecar, e por causa da vitória de Cristo sobre o pecado, nós também podemos triunfar sobre ele.” 

Esses poucos exemplos, entre outros,  têm o mérito de confirmar o ensino tradicional numa obra que é geralmente observada como a expressão oficial da doutrina da igreja.

O Patrimônio de Ellen G. White Publica o Livro - Mensagens Escolhidas

Em 1958, o Patrimônio de Ellen G. White publicou dois livros conhecidos como Mensagens Escolhidas. Essas obras contêm algumas das mais claras e significativas passagens concernentes à natureza humana assumida por Cristo. Artigos sobre a Encarnação, a natureza de Cristo e as tentações de Jesus ocupam lugar proeminente no primeiro volume.  

Há uma declaração que não poderia expressar a noção mais claramente: “Ao tomar sobre Si a natureza do homem em sua decaída condição, Cristo não participou no mínimo que fosse de seu pecado.”  E novamente: “Cristo não fez crer que tomou a natureza humana; Ele verdadeiramente dela Se revestiu. Cristo, em realidade, possui natureza humana... Ele era o filho de Maria, a semente de Davi de acordo com a descendência humana.” 

No segundo volume encontramos o texto completo do discurso de Ellen White, por ocasião do encerramento da sessão da Conferência Geral em 1901, onde ela condenou o movimento da carne santa,  cuja posição teológica, de acordo com Haskell, era que “Cristo tomou a natureza de Adão antes de sua queda”.  

Ellen White descreve a ruidosa confusão e sensualidade associados ao movimento, e adverte sobre “teorias e métodos errôneos”, e “infelizes invenções de teorias humanas, preparadas pelo pai da mentira”.  A doutrina e as práticas desse movimento foram consideradas tão perigosas para o futuro da igreja, que incorreram em condenação pelos delegados da sessão da Conferência Geral de 1901, e seus promotores desligados do ministério pastoral.

M. L. Andreasen e o Seu “Cartas às Igrejas”

A primeira e mais vigorosa reação contra o livro Questions on Doctrine partiu de M. L. Andreasen. Eminente teólogo e professor em vários estabelecimentos de ensino superior nos Estados Unidos, Andreasen encerrou sua carreira magisterial no Seminário Teológico de Washington, D. C. (1938-1949). Autor de numerosos artigos e muitos livros, ele desfrutava de indisputada autoridade. 

Já em 1948, Andreasen claramente afirmava sua convicção sobre o assunto da natureza humana de Cristo em O Livro de Hebreus.  O segundo capítulo é inteiramente dedicado à humanidade de Jesus.515 Seu comentário sobre essa mesma epístola, no Seventh-day Adventist Bible Commentary,  segue a Cristologia adventista tradicional. Sua enérgica reação pode, conseqüentemente, ser entendida quando o Questions on Doctrine promoveu uma interpretação da Cristologia de Ellen White, que diferia radicalmente do ensino tradicional da igreja.

Alguns alegaram que Andreasen ficou ofendido por não ter sido convidado a participar das discussões que aconteceram com Walter Martin e Donald G. Barnhouse. Andreasen gozava, então, de sua aposentadoria. Talvez essa tenha sido uma das razões de não ter sido ele convidado. Porém, a razão fundamental foi, provavelmente, sua bem conhecida posição com respeito à Pessoa e obra de Jesus Cristo.

Andreasen publicou sua sistemática e veemente crítica em Cartas às Igrejas , que teve ampla circulação no meio adventista. Um grupo de dissidentes na França aproveitou-se da oportunidade para traduzi-los e acusar a igreja de apostasia, de modo similar ao do movimento de Brinsmead. 

Ele iniciou posicionando a questão fundamental: Estava Cristo ‘isento das paixões herdadas e contaminações que corrompem os descendentes naturais de Adão”?  Ele mesmo replicou citando Hebreus 2:10 e 2:17: “É correto e justo para Deus tornar Cristo ‘perfeito através do sofrimento’ e “por essa razão é necessário para Cristo, em todas as coisas, tornar-Se semelhante a Seus irmãos” “É a participação de Cristo nas aflições e fraquezas, que O capacita a ser o compadecido Salvador que Ele é.” 

“Se Cristo estava isento das paixões da humanidade, Ele era diferente dos outros homens, nenhum dos quais tivera essa condição. Tal ensino é trágico e completamente oposto ao que os adventistas do sétimo dia têm ensinado e crido. Cristo veio como homem entre homens, não solicitando favores e nem recebendo qualquer consideração especial. 

De acordo com os termos do concerto, Ele não deveria receber qualquer ajuda de Deus que não estivesse disponível aos outros homens. Essa seria uma condição necessária se Sua demonstração devesse ser de algum valor e Sua obra aceitável. O menor desvio dessa lei invalidaria a experiência, nulificando o contrato, esvaziando o concerto e efetivamente destruindo toda a esperança do homem.”522

Com respeito a Romanos 8:3, Andreasen declarou que Deus não enviou Seu próprio Filho, em semelhança de carne pecaminosa, para desculpar o pecado na carne, mas para condenálo.  Em apoio a suas afirmações, ele citou várias passagens de Ellen White afirmando inequivocamente que “o inimigo foi vencido por Cristo em Sua natureza humana”, “apoiando-Se em Deus para recebimento de poder.”  “Se Ele não fosse um participante de nossa natureza, não poderia ter sido tentado como o homem é. Se não Lhe fosse possível ceder às tentações, Ele não poderia ser nosso ajudador.” 

Algumas vezes Andreasen hiperbolizava o caso. Com referência ao que ele via como perigosa heresia, concluiu: “Um Salvador que nunca foi tentado, nunca combateu as paixões, que nunca ofereceu ‘com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas ao que O podia livrar da morte’, que embora sendo ‘Filho, aprendeu a obediência por meio daquilo que sofreu’, mas estava ‘isento’ das coisas que um verdadeiro salvador precisa experimentar, tal salvador é o que essa nova teologia nos oferece. 

Essa não é a espécie de Salvador que eu necessito, nem o mundo. Alguém que nunca lutou com paixões não pode ter nenhuma compreensão de seu poder, nem jamais experimentou o gozo de vencê-las. Se Deus concedeu favores especiais e isenções a Cristo, no próprio ato Ele O desqualificou para Sua obra. Não pode haver heresia mais danosa do que essa aqui discutida. Ela anula o Salvador que eu conheço e O substitui por uma personalidade fraca, não considerada por Deus como capaz de resistir e conquistar as paixões que Ele pede aos homens que vençam.” 

“De fato, está patente a todos que ninguém pode afirmar crer nos Testemunhos e ainda acreditar na nova teologia de que Cristo estava isento das paixões humanas. Ou é uma coisa ou outra. A denominação é agora convocada a decidir. Aceitar o ensino do Questions on Doctrine significa abandonar a fé no Dom que Deus deu a Seu povo.” 

Andreasen explicou a seus leitores como essa nova doutrina penetrou na igreja. Ele se espantava com o que “é certamente anômalo quando um ministro de outra denominação tem suficiente influência com nossos líderes para fazê-los corrigir nossa teologia, realizando uma mudança no ensino da denominação sobre a mais vital doutrina da igreja.” 

Ele não podia entender porque nunca fora publicado um relatório sobre as reuniões. “Não sabemos e não estamos supondo saber, justamente quem escreveu Questions on Doctrine... Mesmo na própria sessão da Conferência Geral do último ano (1958), o assunto não foi discutido.”  

Além disso, ele especifica: “Essa é uma nova doutrina que jamais apareceu em qualquer Declaração de Crença da denominação Adventista do Sétimo Dia, e se acha em conflito direto com nossas precedentes afirmações doutrinárias. Ela não foi ‘adotada pela Conferência Geral em sua sessão quadrienal, quando autorizados delegados de todo o mundo estavam presentes’, como Questions on Doctrine diz ter sido feito para ela ser oficializada. Ver página 9. Ela, portanto, não é uma doutrina aprovada ou aceita.” 

Numa de suas últimas cartas, Andreasen retornou ao problema das paixões hereditárias. Ele continuou a refutar as declarações encontradas na pág. 383 do Questions on Doctrine, de que Cristo “estava isento de paixões herdadas e contaminações que corrompem os descendentes naturais de Adão”.  Em primeiro lugar, escreveu ele, “essa não é uma citação do Espírito de Profecia”.  

Também paixão e contaminação “são dois conceitos inteiramente diferentes”, e não deveriam ser postos juntos como estão no Questions on Doctrine. “Paixão pode geralmente ser equiparada à tentação, e tal não é pecado. Um pensamento impuro pode ocorrer espontaneamente mesmo numa ocasião sagrada, mas ele não polui; não é pecado a menos que seja tolerado e nutrido. Um desejo profano pode repentinamente lampejar na mente sob instigação de Satanás, mas ele não é pecado se não for acariciado... 

A lei da hereditariedade aplica-se às paixões e não às contaminações. Se paixão é hereditária, então Cristo teria Se poluído quando veio a este mundo, e não poderia ser chamado de “Ser santo”. Lucas 1:35. Mesmo os filhos de um pai descrente são chamados santos – uma declaração que deveria servir de conforto às esposas de tais homens. I Coríntios 7:14. Como adventistas, portanto, não cremos no pecado original.” 

Finalmente, nas duas passagens citadas nos Testemunhos,  “como provando que Cristo estava isento de paixões herdadas”, “ambas essas declarações mencionam paixões, mas nenhuma contaminações. 

A palavra isento não é encontrada.”535 Então Andreasen levantou a questão: “A declaração da Sra. White de que Cristo não teve ou possuiu paixões significaria que Ele estava isento delas? Não, pois não ter paixões não é equivalente a estar isento delas. Esses são dois conceitos inteiramente diferentes... 

A Sra. White não diz que Cristo estava isento das paixões. Diz sim que Ele não tinha paixões, não possuía paixões e não de que Ele era imune a elas... Fico ainda intrigado sobre como pode alguém fazer a Sra. White dizer que Jesus era Isento, quando ela de fato declara justamente o contrário e não faz uso da palavra isento.” 

Depois de citar copiosamente Ellen White, Andreasen pergunta: “Em vista dessas e muitas outras declarações, como pode alguém dizer que Ele era isento? Longe de estar isento ou relutantemente submeter-Se a essas condições, Ele as aceitou. Por duas vezes isso é dito nas citações aqui feitas. Ele aceitou os resultados da operação da grande lei da hereditariedade, e com ‘tal hereditariedade Ele veio partilhar de nossas tristezas e tentações’.” 

“A escolha do adventista devoto está, portanto, entre o Questions on Doctrine e O Desejado de Todas as Nações, entre a falsidade e a verdade... A grande lei da hereditariedade foi decretada por Deus para tornar a salvação possível, e é uma das leis elementares que nunca foi abrogada. Anule-se essa lei e não teremos um Salvador que possa servir de ajuda ou exemplo para nós.

Graciosamente Jesus aceitou essa lei e assim tornou possível a salvação. Ensinar que Cristo estava isento dessa lei nega o cristianismo e torna a Encarnação uma brincadeira piedosa. Que Deus possa livrar os adventistas do sétimo dia de tais ensinos e ensinadores.” 

O protesto de Andreasen não ficou sem efeito. Um coro de vozes ergueu-se quase que em todos os lugares contra o livro Questions on Doctrine. Não apenas por causa de seu ensino sobre a natureza humana de Cristo, como também por sua falta de concernência com outros pontos doutrinários. É bom mencionar que várias propostas pedindo uma revisão do livro foram enviadas à  mesa da Conferência Geral.

Propostas Para Revisão do Livro Questions on Doctrine

Numa carta endereçada à mesa da Conferência Geral, redigida com o objetivo de apoiar a reação de Andreasen, A. L. Hudson acusou os autores do Questions on Doctrine de falta de honestidade intelectual, por causa da maneira com que o editor do Ministry apresentou as citações de Ellen White no número de setembro de 1956, reproduzidas no apêndice B do Questions on Doctrine. 

Por um lado, observou Hudson, muitas passagens importantes tratando da decaída natureza humana assumida por Jesus não foram citadas;  por outro, muitas não foram citadas em sua integralidade. 

Por exemplo, Hudson menciona uma citação extraída da Review and Herald de 28 de julho de 1874, na qual a parte essencial havia sido omitida, uma porção especificando que “Cristo tomou sobre Si os pecados e as debilidades da raça assim como existiam quando Ele veio à Terra para ajudar o homem. Em favor da raça, com a fraqueza do homem decaído sobre Si, Ele enfrentou as tentações de Satanás em todos os pontos nos quais o homem é assaltado.” 

Hudson, conseqüentemente, propôs que os delegados à sessão da Conferência Geral de 1958 autorizassem a revisão do Questions on Doctrine.  No entanto, como Andreasen observou, o assunto sequer foi tocado.

Ao mesmo tempo, um grupo de membros da igreja de Loma Linda, Califórnia, formou uma comissão encarregada de revisar esse livro. Seu relatório apresentado à mesa da Conferência Geral, alega que o livro deturpa “certos dogmas fundamentais e compromete outros princípios de nossa fé”.542 “É evidente que determinadas declarações e ensinos do livro nunca serão aceitos por um considerável número de membros de nossa igreja. 

De fato, estamos convencidos de que, desde o tempo da controvérsia panteística de J. H. Kellogg, mais de meio século atrás, não surgiu tal inquietude, dissensão e desunião entre nosso povo como aquelas oriundas da publicação desse livro.” 

A despeito das citações de Ellen White publicadas pelos Depositários White, e apesar das numerosas críticas contra o ensino contido no O Ministério e Question on Doctrine, os postulados da nova teologia tiveram aceitação crescente da parte de alguns teólogos, professores e pastores de igreja.

Uma Votação Esclarecedora

Em 1962, Robert Lee Hancock empreendeu um estudo sobre o ensino da igreja concernente à natureza humana de Cristo. Em verdade, o propósito de seu trabalho era determinar qual posição era mais popular, “se aquela em que Cristo tomou a natureza de Adão como originalmente criada, ou se Ele tinha a carne ‘pecaminosa’ com as inerentes fraquezas que cada filho herda naturalmente de seus pais.” 

Eis a seguir as conclusões a que chegou Hancock:

Primeira, “desde seus primeiros dias, a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem ensinado que quando Deus participou da humanidade, Ele tomou não a perfeita e imaculada natureza do homem antes da queda, mas a caída, pecaminosa, transgressora e degenerada natureza do homem como ela se encontrava quando Ele veio à Terra para ajudar o homem”.

Segunda, “que durante os quinze anos que mediaram entre 1940 e 1955, as palavras ‘pecaminosa’ e ‘decaída’, com referência à natureza humana de Cristo, foram muito ou completamente eliminadas dos materiais denominacionais publicados”.

Terceira, “que desde 1952, frases tais como ‘natureza humana impecável‘, ‘natureza de Adão antes da queda’, e ‘natureza humana imaculada’ têm tomado o lugar da terminologia inicial”. 

O resultado final desse estudo levou Hancock a concluir: “As descobertas desse estudo garantem a conclusão de que o que os adventistas do sétimo dia ensinam com respeito à natureza humana de Cristo mudaram, e que essas mudanças envolvem conceitos não meramente semânticos” De fato, durante 1970 muitas publicações serviram para popularizar esses novos dogmas. Eles foram mais prontamente aceitos dentro da igreja porque eram proclamados como representando a posição oficial da Conferência Geral.

Publicação do Volume 7-A do The Seventhday Adventist Bible Commentary

O volume 7-A do The Seventh-day Adventist Bible Commentary  é uma compilação de todas as citações de Ellen White anteriormente publicadas no final de cada um dos sete volumes da série. Como já pôde ser notado, esses comentários incluem algumas de suas mais vigorosas declarações em favor da decaída natureza humana assumida por Cristo.

A nova teologia foi apresentada nesse volume em três apêndices, os quais foram retirados do Question on Doctrine. O apêndice B, em particular, mostra uma visão radicalmente nada tradicional sobre a natureza humana de Cristo. Os subtítulos acrescentados pelo editor tendem a contradizer algumas das declarações de Ellen White que aparecem alhures no volume. 

Por um lado, Ellen White é citada como dizendo que “Ele [Cristo] tomou sobre Si mesmo a decaída e sofredora natureza humana, degradada e maculada pelo pecado” , “a natureza de Adão, o transgressor” , o que equivale a dizer, a natureza de Adão após a queda. Por outro lado, um subtítulo indica que Cristo “tomou a impecável natureza humana” , ou, a natureza de Adão antes da queda, que é algo que a Sra. White nunca escreveu.

O problema não escapuliu à observação de alguns membros da Comissão de Pesquisa Bíblica da Conferência Geral, que reagiram recomendando uma séria revisão do apêndice B. 

Roy Allan Anderson, O Deus-Homem, Sua Natureza e Obra

No mesmo ano (1970), Roy Allan Anderson publicou o livro The God-Man, His Nature and Work.  O título da página de rosto chama-o de “Uma Apresentação Escriturística na Área da Cristologia”.553 Anderson era, nesse tempo, editor do Ministry, uma revista para pastores adventistas. Ele tomara parte ativa nas reuniões com os evangélicos e foi um dos autores do livro Questions on Doctrine.

No prólogo de seu livro, Anderson enfatizou que a obra era necessária para edificar sobre “a inabalável Rocha do Deus-Homem”, sobre a qual “o cristão precisa assentar sua vida em Deus” “Para melhor compreender o que Cristo fez, temos necessidade de uma clara definição de quem Ele é.”   O livro explica o plano da salvação como um todo e mostra com simplicidade como ele se realiza em Jesus Cristo.

Até onde a Cristologia se acha envolvida, o livro não contém nenhum material controverso no trato com o delicado problema de natureza humana de Cristo. “Ao vir ao mundo”, declara Anderson, “Cristo tornou-Se o que nos somos, para tornarnos o que Ele é. Irineu se expressa belamente quando diz: ‘Ele Se fez o que nós somos, para que pudesse fazer-nos como Ele próprio é.’” 

No capítulo “A Encarnação – A Suprema Revelação de Deus,”  Anderson afirma: “A humanidade de Cristo e Sua deidade são as duas verdades gêmeas. Precisamos guardar-nos de fazer Jesus Cristo meramente um homem divino, ou pensar nEle como um Deus humano. Ele não é nenhum dos dois. 

Ele foi, e é, Deus-Homem. Em Jesus Cristo está a absoluta humanidade e a absoluta divindade.”558 Por Sua encarnação, “Ele não Se despojou de Sua divina natureza, mas aceitou a natureza humana... Ele Se impôs as limitações e restrições de nossa natureza humana. E nada do que é humano ficou alienado dEle.” 

Em seguida, Anderson explorou a questão sobre o que distinguia a natureza humana de Cristo de nossa natureza. “Ele ‘esvaziou-Se’ e ‘tomou sobre Si a forma de servo’. Ele a tomou; essa não Lhe foi transmitida, como acontece em nossa natureza. Quando nascemos, ninguém nos consultou sobre nossa vinda ao mundo. 

Além do mais, nossos genitores nos legaram a única natureza que possuíam, a qual é decaída e pecaminosa. Herdamos de todas as gerações passadas tendências para pecar. Verdadeiramente, fomos “formados em iniqüidade”. Mas desde Sua primeira inspiração, nosso Senhor era impecável. Ele estava na semelhança da carne pecaminosa, mas Ele foi impecável em Sua natureza e vida.”560

Descobrimos aqui um conceito básico da nova Cristologia. Por um lado Anderson afirma “a absoluta humanidade” de Cristo, enquanto que por outro ele rejeita a verdadeira essência da natureza humana em seu estado decaído, subserviente ao poder do pecado. O fato de o Senhor “ser sem pecado...” em Sua vida, ninguém disputa. Mas como harmonizar isso com a declaração de Paulo de que Ele era ‘em semelhança de carne pecaminosa’”?

Anderson foi aparentemente relutante em polemizar num livro propositado para o público geral.  Tal não é o caso da monumental obra de LeRoy E. Froom” Movement of Destiny. Publicada no mesmo ano do volume 7-A do The Seventh-day Adventist Bible Commentary, e do livro de Anderson The God-Man, His Nature and Work, a obra de Froom foi instrumental em alimentar os princípios da nova teologia, e merece atenção muito especial.

LeRoy Edwin Froom Aprova a Nova Teologia

Até que LeRoy Edwin Froom publicasse o Movement of Destiny, em 1970, ele conseguira um indisputável reconhecimento como pesquisador, erudito e historiador. Sua coleção de quatro volumes intitulada The Prophetic Faith of Our Fathers (A Fé Profética de Nossos Pais), e os dois volumes da Conditionalist Faith of Our Fathers (A Fé Condicionalista de Nossos Pais), contribuíram grandemente para sua reputação. Não surpreende que seu Movement of Destiny tenha recebido endosso oficial. 

O projeto teve aprovação nos mais altos níveis da igreja. O próprio Froom declarou que “sessenta dos mais competentes eruditos denominacionais, de uma dúzia de especialidades”, aprovaram os conteúdos. 

No Movement of Destiny, Froom apresenta as principais doutrinas adventistas na moldura de seu desenvolvimento histórico. Fica evidente que o tópico sobre pessoa e obra de Cristo era muito caro ao seu coração. 

Acima de tudo, ele desejava restabelecer a verdade sobre a natureza humana de Cristo, a qual, de acordo com ele, uma “minoria” havia falsamente apresentado como a posição adventista. “Como resultado”, sustentou Froom, “os adventistas foram tremendamente censurados pelos teólogos não pertencentes à nossa fé, por tolerarem essa errônea posição da minoria.”564

O principal objetivo de Froom era “mudar a enfraquecida imagem do adventismo”. Primeiramente, por meio de discussões com representantes evangélicos; depois, através da publicação do Question on Doctrine.566 Froom concluiu que “acima de tudo, as compreensíveis declarações do Questions on Doctrine sobre a preexistência e a completa deidade de Cristo, Sua impecável natureza e vida durante a Encarnação, e o transcendente ato expiatório consumado na cruz, são fatores determinantes. Muitos eruditos não-adventistas nos disseram francamente que esses fatores fizeram com que fôssemos reconhecidos como verdadeiros crentes cristãos.”

Na força de expressões típicas tomadas das declarações de Ellen White, Froom considerava que ele estava em posição de fazer uma “estupenda apresentação da deidade e da humanidade de Cristo.”  A demonstração foi realizada em 10 pontos, incluindo os seguintes e tendenciosos subtítulos: Cristo “tomou a impecável natureza de Adão antes da queda”; ‘assumiu ‘os riscos’ da ‘natureza humana’; foi “tentado em todos os pontos ou princípios”; “levou os pecado imputado e a culpa do mundo”; “sem as ‘paixões’ da natureza decaída”. 

Como uma matéria de fato, Froom estava apenas repetindo os conceitos contidos no Ministry de setembro de 1956, e no livro Questions on Doctrine. Mas sua meta consistia principalmente em colocá-los em sua moldura histórica , rememorando as circunstâncias que lhe permitiram corrigir o que ele considerava como a “errônea” imagem do adventismo.

O livro era bastante polêmico. Sobre a divulgação do Movement of Destiny, um dos críticos de Froom escreveu: “O leitor precisa sempre estar alerta quando estudando Froom, perguntando-se se ele está apresentando uma explicação completa ou se importantes aspectos foram negligenciados ou desfigurados.” 

Essa é uma avaliação grave, mas verdadeira com respeito ao modo como Froom tratou a história da doutrina da Encarnação. Para demonstrar que Jesus assumiu uma natureza impecável semelhante à de Adão antes da queda, ele propositadamente omitiu tudo o que contrariava sua tese. Algumas vezes referências foram apresentadas fora de sua contextuação ou sob títulos que distorciam o significado das declarações feitas pelo autor.

Não dispomos de espaço para examinar todos os problemas contidos no Movement of Destiny. Uns poucos detalhes bastarão. Primeiramente, por que Froom sistematicamente ignora as declarações claramente a favor do ponto de vista de Cristo ter assumido a pecaminosa natureza humana?  A missão do historiador é reportar os fatos tão objetivamente quanto possível. Por que, então, ele descartou todas as inequívocas declarações de Ellen White sobre a “natureza pecaminosa”?

Outras omissões por parte do historiador são justamente tão inexplicáveis, que requerem uma volta às origens do desenvolvimento de uma doutrina crucial como a justificação pela fé, no contexto dos pioneiros que a proclamaram. Froom quase não fez menção de A. T. Jones, que foi o principal expoente dessa doutrina, exceto para relembrar que Jones finalmente apostatou. 

O movimento da “carne santa” foi passado por alto, em completo silêncio – com boa razão, naturalmente, pois seus defensores ensinavam que Cristo possuía carne santa, e isso os levou a cometerem extravagâncias que atraíram condenação por parte de Ellen White e dos delegados da sessão da Conferência Geral de 1901.

De todos aqueles que escreveram sobre a pessoa e a obra de Jesus no passado, Prescott foi o único que, de acordo com Froom, fez uma contribuição apreciável.  Seu livro, The Doctrine of Christ, publicado em 1920, foi, segundo Froom, o primeiro a colocar “a centralidade de Cristo em toda a Sua ‘plenitude’ como a essência do evangelho, e a justiça pela fé nEle como a única esperança do homem”.  Froom considerava o livro tão importante, que sumariou seus principais capítulos.

Muito embora Prescott tenha dedicado três lições à doutrina da Encarnação, Froom não mencionou uma só palavra com respeito ao ensino de Prescott sobre a natureza humana de Cristo, porque estavam em oposição à sua tese. Outrossim, Froom silenciou sobre o sermão de Prescott, O Verbo Se Fez Carne, proferido na Austrália e amplamente divulgado nos periódicos oficiais da igreja,  embora Ellen White tenha entusiasticamente aprovado suas explanações. 

Quando, em diversos pontos, Froom não mais podia ignorar certas declarações de Waggoner e Ellen White que se opunham à sua tese, ele as interpretou “vicariamente”  Froom introduziu no original o termo “vicariamente”, como se ele procedesse da própria pena de Waggoner. [Ênfase acrescida]. 

Tendo citado a expressão “Ele Se fez pecado”, de II Coríntios 5:21, Waggoner concluiu: “Impecável, todavia não apenas contado como um transgressor, mas realmente tomando sobre Si próprio a natureza pecaminosa.”  Froom repetiu a declaração, escrevendo: “Mais do que isso, Ele realmente ‘Se fez’ – vicariamente – pecado por nós, para que ‘pudéssemos ser feitos justiça de Deus nEle’. (II Cor. 5:21).” 

A despeito de suas muitas falhas, esse livro exerceu considerável influência. Froom desfrutava elevada reputação de autoridade entre certos líderes da igreja, muitos dos quais não compreendiam o ensino tradicional da igreja.  De qualquer modo, Movement of Destiny produziu um despertamento, e uma nova rodada de reações por parte de muitas organizações oficiais da igreja, bem como de indivíduos cuja competência era inquestionável.




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