Capítulo 10: O NOVO MARCO HISTÓRICO ADVENTISTA

tocados por nossos sentimentos


Parte 4 - A CONTROVÉRSIA CRISTOLÓGICA NO SEIO DA IGREJA ADVENTISTA

Capítulo 10 O NOVO MARCO HISTÓRICO ADVENTISTA

Através da história do Cristianismo, as mudanças doutrinárias têm geralmente ocorrido lenta, sutil e imperceptivelmente. Por via de regra é muito difícil determinar a origem dessas mudanças ou os que foram responsáveis por elas. Mas tal não é o caso da modificação doutrinária sobre a natureza humana de Cristo, a qual teve lugar na Igreja Adventista durante a década de 1950. Os principais responsáveis pela alteração deixaram suas marcas sobre as crenças da igreja.

Parece óbvio que os autores das mudanças eram plenamente cientes de que estavam introduzindo um novo ensino doutrinário com referência à Encarnação. Isso ficou evidente no relato das circunstâncias registrado por LeRoy Edwin Froom em seu livro Movement of Destiny;  e numa exposição que poderia ser considerada como um manifesto dessa nova interpretação, publicado na revista Ministry (O Ministério) sob o título “O Novo Marco Histórico Adventista”.  Este capítulo focaliza a história dessa nova ótica como delineada nessas fontes.

Não pretendo questionar o compromisso de meus colegas com a verdade ou sua lealdade à igreja. Estou certo de que eles amam ao Senhor e Sua Palavra. Mas tenho de examinar certas abordagens doutrinárias, buscando fazê-lo com bondade cristã.

A Primeira Data Memorável de Uma Mudança Radical

Em 1949, a Review and Herald Publishing Association solicitou ao Prof. D. E. Rebok, presidente do Seminário Teológico Adventista de Washington, D.C., que revisasse o texto do livro Estudos Bíblicos Para o Lar , em preparo de nova edição.

Esse livro, que teve numerosas edições, é largamente usado pelas famílias adventistas no estudo sistemático da Bíblia. Ele apresenta o ensino oficial da igreja com muitos detalhes. Como já dissemos, a edição de 1915, reimpressa em 1936 e 1945, especifica inequivocamente: “Em Sua humanidade, Cristo participou de nossa natureza pecaminosa decaída. 

Não fosse assim e Ele não poderia ser ‘semelhante a Seus irmãos’, ser ‘tentado em todos os pontos como nós’, nem vencido como temos de vencer; e portanto, não teria condições de ser o completo e perfeito Salvador  que o homem necessita e deve ter para ser salvo.” 

Froom faz comentários acerca de Rebok: “Encontrando esta infortunada nota na pág. 174, no estudo sobre a ‘Vida Sem Pecado’, ele reconheceu que ela não era verdadeira... Assim, a inexata nota foi suprimida e ficou fora de todas as edições subseqüentes.”440 Como resultado, a nova edição do Estudos Bíblicos deu outra resposta à questão: “Quão plenamente Cristo participou de nossa humanidade comum?” É feita a citação de Hebreus 2:17 com a seguinte observação explicativa: “Jesus Cristo é o Filho de Deus e o Filho do Homem. 

Como membro da família humana ‘convinha que Ele fosse semelhante a Seus irmãos’ – ‘em semelhança de carne pecaminosa’. Até que ponto essa ‘semelhança’ chegou, é um mistério da Encarnação que os homens nunca foram capazes de desvendar. 

A Bíblia claramente ensina que Cristo foi tentado como os outros homens são tentados – ‘em todos os pontos... como nós somos’. Tal tentação precisa, necessariamente, incluir a possibilidade de pecar; mas Cristo foi sem pecado. Não há apoio bíblico para o ensino de que a mãe de Cristo, por meio da imaculada conceição, foi preservada da pecaminosa herança da raça, sendo Seu divino Filho, portanto, incapaz de pecar.” 

Esta é uma significativa diferença da edição de 1946. Enquanto a versão anterior realça a participação de Cristo na “pecaminosa natureza do homem”, em “sua natureza decaída”, a posterior afirma decididamente que “Cristo era sem pecado”. Obviamente, a afirmação é perfeitamente correta. Ninguém alegou nada em contrário. Mas essa não é a questão. O problema prende-se à humanidade de Cristo, Sua “carne pecaminosa”, como Paulo a coloca.

Como foi mostrado , pela rejeição do dogma da imaculada conceição e pela declaração de que Maria herdou naturalmente as imperfeições da humanidade, Rebok deixa sem explicação como Jesus não herdou, Ele próprio, a carne pecaminosa, a exemplo de todos os descendentes de Adão. 

Paulo não diz expressamente que Ele nasceu “da semente de Davi, segundo a carne”? Rebok, em sua edição dos Estudos Bíblicos, também alterou a segunda nota explanatória em resposta à questão: “Onde, em Cristo, condenou Deus o pecado e nos obteve a vitória sobre a tentação e o pecado?” As duas notas explicativas das duas diferentes edições foram a seguir colocadas em paralelo a título de comparação:

Edição de 1946

“Deus, em Cristo, condenou o pecado, não por Se pronunciar contra ele como um simples juiz assentado no tribunal, mas vindo e vivendo na carne, na pecaminosa carne, sem todavia pecar. Em Cristo Ele demonstrou que é possível, por Sua graça e poder, resistir à tentação, vencer o pecado e viver uma vida sem pecado na pecaminosa carne.”

Texto Revisado Por Rebok

“Deus, em Cristo, condenou o pecado, não por Se pronunciar contra ele como um simples juiz assentado no tribunal, mas vindo e vivendo na carne, (omissão), sem todavia pecar. Em Cristo Ele demonstrou que é possível, por Sua graça e poder, resistir à tentação, vencer o pecado, e viver uma vida sem pecado (omissão) na carne.”

As diferenças entre as duas notas são pequenas porém significativas. A expressão de Paulo, “carne pecaminosa”, é omitida. Essa edição revisada dos Estudos Bíblicos não aparece, todavia, até 1958, após a nova interpretação haver sido fomentada por uma série de artigos no Ministry, uma revista publicada especialmente para os ministros.

A Rejeição das “Errôneas” Idéias do Passado

Os eventos que conduziram à nova interpretação sobre a natureza humana de Cristo são bem conhecidos. Um forte proponente, LeRoy Edwin Froom, registrou as circunstâncias descendo aos mais minudentes detalhes.   

Tudo começou em janeiro de 1955, quando apareceu uma declaração no periódico evangélico Nossa Esperança, declarando que a Igreja Adventista do Sétimo Dia “rebaixa a Pessoa e a obra de Cristo”, ao ensinar que Ele, em Sua humanidade, ‘participou de nossa pecaminosa e decaída natureza’. A opinião de Schuyler English, editor do periódico, era que Cristo não participou da natureza decaída dos outros homens.444 De acordo com Froom, English foi desencaminhado pela velha edição do Bible Readings for the Home Circle.

Froom imediatamente escreveu a English observando que ele estava equivocado quanto à posição adventista sobre a natureza humana de Cristo. “A nota sobre o ponto de vista minoritário de Colcord, saída no Bible Readings – contendendo por uma inerente pecaminosa e decaída natureza de Cristo – foi anos antes examinada por causa de seus erros.” 

No encerramento dessa correspondência, English ficou convencido de que ele estava errado. Então publicou uma correção sobre o assunto na revista Nossa Esperança. Alguns meses mais tarde, ele publicou um artigo de Walter R. Martin, um teólogo batista que, após estudar os adventistas por sete anos, concluiu: “Acusar a maioria dos adventistas hoje como mantendo esses heréticos pontos de vista, é injusto, incorreto e decididamente anticristão.” 

Após esses contatos iniciais com English, Froom foi apresentado a Donald Grey Barnhouse, pastor presbiteriano e editor do periódico Eternidade, de Filadélfia, e a Walter Martin, que estava ansioso por informações sobre os adventistas para concluir seu livro A Verdade Sobre os Adventistas do Sétimo Dia.  De 1955 a 1956, uma série de 18 conferências teve lugar entre os evangélicos e os adventistas, com o propósito de discutir a doutrina da Encarnação.

Quando o tópico sobre a natureza humana de Cristo foi apresentado, os representantes adventistas afirmaram, de acordo com o relatório de Barnhouse, que “a maioria da denominação sempre mantivera [a humanidade assumida por Cristo] como sendo sem pecado, santa e perfeita, a despeito do fato de que alguns de seus escritores ocasionalmente imprimiram obras com pontos de vista totalmente contrários e incompatíveis com a igreja em geral.” 

De acordo com esse relatório, os representantes adventistas revelaram a Walter Martin que “eles tinham entre seus membros certos indivíduos extremistas, assim como há irresponsáveis em cada campo do cristianismo fundamental. Obviamente os representantes adventistas deram a impressão de que havia alguns lunáticos irresponsáveis que haviam escrito que Cristo havia tomado sobre si a decaída natureza humana.”

Ao ler o relatório de Froom acerca desses encontros, alguém pode ficar impressionado pelo seu forte desejo de ver os adventistas retratados como autênticos cristãos. Os subtítulos de seu relatório são por si sós reveladores: “Walter Martin Afirma Que os ASD São Irmãos em Cristo”; “Os Adventistas São ‘Mais Decididamente’ Cristãos.” Ele chega mesmo a dizer que os evangélicos agora vêem essa mudança de atitude como resultado dos ‘Pontos de Vista Anteriores ‘Totalmente Rejeitados’.” 

O Manifesto da Nova Cristologia

Enquanto esses encontros estavam tendo lugar, concordou-se que os resultados das discussões seriam publicados simultaneamente nos periódicos oficiais de ambos os grupos. A nova interpretação adventista, como matéria de fato, foi publicada em O Ministério de setembro de 1956, sob o título geral “Conselhos do Espírito de Profecia”. Em apoio à nova interpretação, oito páginas de citações de Ellen White foram cuidadosamente selecionadas para definir “a natureza de Cristo na encarnação”.

Sob esse título achamos expresso em destaque os pontos essenciais do manifesto: “Ele Assumiu Nossa Natureza Humana, Não Nossas Propensões Pecaminosas; Nosso Pecado, Culpa e Punição foram-Lhe todos imputados, Mas Não Eram Realmente Seus.”451 O referido texto faz um bom trabalho ao resumir os diferentes aspectos  da nova Cristologia. 

Os títulos de sete seções revelam a idéia geral: “1) O Mistério da Encarnação; 2) A Miraculosa União do Humano e o Divino; 3) Assumiu a Natureza Humana Impecável; 4) Riscos Assumidos da Natureza Humana; 5) Tentado em Todos os Pontos; 6) Suportou o Pecado Imputado e a Culpa do Mundo; 7) A Perfeita Impecabilidade da Natureza Humana de Cristo.”

Os subtítulos de cada seção também transmitem a saliente posição dada aos conceitos fundamentais atinentes à natureza humana de Jesus: “Cristo Assumiu a Humanidade Como Deus a Criou”; “Iniciou Onde Adão Começou”; “Tomou a Forma Humana Mas Não a Sua Corrompida e

Pecaminosa Natureza”; “Assumiu a Impecável Natureza Humana de Adão”; “A Perfeita Impecabilidade de Sua Natureza Humana”; “Não Herdou de Adão Nenhuma Má Propensão”, e outros semelhantes.452

As notas elucidativas de cada uma dessas afirmações foram todas extraídas dos escritos de Ellen G. White. Não há uma simples referência a textos bíblicos. Esse foi um novo ponto de vista sobre o tema, pois até esse tempo a discussão havia sido fundamentada nas Escrituras. 

Isso certamente abriria a porta a controvérsias porque tornar-se-ia essencialmente um problema de definição do significado das declarações de Ellen G. White. Essa foi também a opinião de Morris Venden: “Penso que o problema semântico mais árduo que temos hoje é sobre a natureza de Cristo. E a mim me parece que ele é tão pesadamente semântico que é quase impossível trabalhar no assunto.”  Eis por que Roy Allan Anderson, secretário da Associação Ministerial da

Conferência Geral e editor-chefe de O Ministério, cria ser necessário apresentar o relato a seguir, o qual representa verdadeiramente a caracterização da nova Cristologia adventista. 

“Humano, Mas Não Carnal”

Esse é o título do editorial de Anderson. Eis seu ponto de vista sobre o tema da natureza humana de Cristo:“Através de nossa história denominacional nem sempre tivemos clara compreensão desse assunto, como seria desejável. De fato, esse ponto particular na teologia adventista provocou severas críticas por parte de muitos eminentes eruditos bíblicos, tanto os de nossa fé como de fora. 

Ao longo dos anos foram feitas afirmações em sermões, e ocasionalmente em impressos, que, consideradas devidamente, têm desacreditado a pessoa e a obra de Jesus Cristo, nosso Senhor. Temos sido acusados de torná-Lo totalmente humano.” 

Mencionando numerosas e bem escolhidas citações de Ellen White como evidência, Anderson afirmou “que nosso Senhor participou de nossa limitada natureza humana, mas não de nossa carnal e corrupta natureza, com todas as suas propensões para o pecado e concupiscências. Nele não havia pecado, quer herdado quer cultivado, como é comum a todos os descendentes naturais de Adão.”456

Anderson também declarou que “em apenas três ou quatro lugares em todos esses inspirados conselhos” de Ellen White, ela usa “expressões tais como ‘natureza decaída’ e ‘natureza pecaminosa’”. Porém acrescentou:

“Essas são fortemente contrabalançadas e claramente explicadas por muitas outras declarações, que revelam o pensamento da escritora (Ellen G. White). Cristo realmente participou de nossa natureza, nossa natureza humana com todas as suas limitações físicas, mas não nossa natureza carnal com suas concupiscentes corrupções. Quando Ele entrou na família humana, fê-lo após a raça haver sido tremendamente enfraquecida pela degeneração.

Por milhares de anos a humanidade foi sendo fisicamente deteriorada. Comparada com Adão e sua imediata posteridade, a humanidade, quando Deus apareceu em carne humana, havia definhado em estatura, longevidade e vitalidade... Ele não cessou de ser Deus. Verdadeiramente, não podemos compreender isso, mas temos de aceitálo pela fé.” 

No mesmo editorial, Anderson mais adiante alude à declaração que “apareceu na obra Estudos Bíblicos Para o Lar (edição de 1915), a qual declarava que Cristo veio ‘em carne pecaminosa’. Justamente como essa expressão escapuliu para o livro é difícil saber. Ela tem sido muitas vezes citada pelos críticos ao redor do mundo, como sendo típica da Cristologia adventista.” 

No final, Anderson convoca a classe ministerial “para estudar cuidadosamente e com oração a seção Conselho sobre essa questão. Mas façamolo com a mesma mente aberta com que reconhecemos ser tão importante no estudo dos temas fundamentais da Bíblia.”459

O Novo Marco Histórico Adventista

A editora-associada, Louise C. Kleuser, publicou outro editorial sobre a temática, destinado a promover a plataforma que ela chamou de “O Novo Marco Histórico Adventista”  Lousie anunciou as mudanças, primeiramente com respeito às nossas relações com “nossos irmãos evangélicos em Cristo”, de quem “estamos tentando aprender algumas lições” , e então com respeito à natureza humana de Cristo, tratada por Anderson na segunda parte do editorial.

De acordo com Anderson, “nada há mais claramente ensinado na Escritura do que, quando Deus tornou-Se homem através da Encarnação, Ele participou da natureza do homem, isto é, Ele tomou sobre Si mesmo a natureza humana. Em Romanos 1:3 lemos que Jesus Cristo nasceu ‘da semente de Davi segundo a carne’, e em Gálatas 4:4, que Ele era ‘nascido de mulher’. Ele Se tornou filho da humanidade por Seu nascimento humano e submeteu-Se às condições da existência humana, possuindo um corpo humano (Heb.2:14).”462

Porém, “quando lemos de Jesus Cristo tomando a natureza do homem, é imperativo reconhecermos a diferença entre natureza humana no sentido físico da palavra, e natureza humana no sentido teológico do termo. Ele foi realmente um homem, mas, além disso, era Deus manifesto em carne.

Verdadeiramente, Ele tomou nossa natureza humana, isto é, nossa forma física, mas não possuía nossas pecaminosas propensões.” 

Finalmente, Anderson insiste em que a diferença entre o primeiro e o segundo Adão não era de natureza, mas uma simples diferença de situação. “Quando o encarnado Deus adentrou a história humana e tornou-Se um com a raça, entendemos que Ele possuía a impecaminosidade da natureza com a qual Adão foi criado no Éden. O ambiente em que Jesus viveu, entretanto, era tragicamente diferente daquele que Adão conhecia antes da queda.”464

Como resultado, conclui Anderson, “nossos pecados Lhe foram imputados. Assim, vicariamente Ele assumiu nossa pecaminosa e decaída natureza, morrendo em nosso lugar, e foi ‘contado com os transgressores’(Isa. 58:12). O pecado foi colocado sobre Ele; o pecado nunca teve parte nEle. 

Era exterior e não interior. Tudo o que Ele assumiu não era inerentemente Seu; tomou-o, isto é, Ele o aceitou. ‘Ele voluntariamente assumiu a natureza humana. Foi um ato Seu próprio e mediante Seu consentimento pessoal’ (Ellen G. White, na Review and Herald, de 5 de julho de 1887; Ênfase suprida). 

No mesmo número de O Ministério, apareceu um artigo escrito por W. E. Read, que perfilava com Anderson e Froom. Sob o título A Encarnação e o Filho do Homem, Read apresenta um sumário da Cristologia. Para cada uma de suas declarações ele cita textos bíblicos apropriados, seguidos por excertos dos escritos de Ellen White. E sugeriu também o advérbio “vicariamente” como palavrachave da nova Cristologia, para nos capacitar a compreender a natureza humana de Cristo.

Confiantemente ele escreveu: “Cristo foi tentado em todos os pontos, como nós. Esse é um pensamento confortador, maravilhoso. Mas lembremo-nos de que embora ele seja verdadeiro, também é verdade que Cristo era ‘sem pecado’(Heb. 4:15). Sua natureza tentada, entretanto, não contaminou o Filho de Deus. Ele suportou vicariamente nossas fraquezas, nossas tentações, do mesmo modo que portou nossas iniqüidades.” 

Esses artigos pretendiam preparar as mentes para receber “o novo marco histórico do adventismo”, como desenvolvido no livro Os Adventistas do Sétimo Dia Respondem a Questões Sobre Doutrina. Pouco antes de sua impressão, Anderson anunciou-o no O Ministério como o mais maravilhoso livro jamais publicado pela igreja. Uma vez que ele trata da natureza humana de Cristo em detalhes, fazia-se necessário examiná-lo mais detidamente.

Questões Sobre Doutrina

Essa obra foi resultado das reuniões mantidas com os representantes evangélicos Donald Grey Barnhouse e Walter R. Martin. Martin estava para imprimir seu livro A Verdade Sobre o Adventismo do Sétimo Dia, publicado em 1960. 

Questões Sobre Doutrina não lida apenas com a doutrina da Encarnação. Ele é uma resposta às numerosas questões doutrinárias feitas por evangélicos sobre os temas da “salvação pela graça versus salvação pelas obras, a distinção entre a lei moral e a lei cerimonial, o antítipo do bode expiatório, a identidade de Miguel, e assim por diante, através de um amplo elenco de crenças e práticas fundamentais dos adventistas, cobrindo doutrina e profecia”. 

Martin e Barnhouse fizeram específicas objeções às posições sustentadas pelos pioneiros adventistas em relação à divindade de Cristo e Sua natureza humana, as quais eles sinceramente consideravam errôneas e heréticas. 

Não foi de todo surpresa que eles perguntassem se a posição oficial havia mudado nesses pontos.  Questões específicas com respeito à encarnação de Cristo foram colocadas: “O que os adventistas entendem pelo uso do título ‘Filho do homem’, por parte de Cristo? E qual, vocês acreditam, ter sido o propósito básico da Encarnação?” 

Em resposta, quase todos os textos bíblicos referentes à Cristologia foram citados. Como notas explicativas, eles geralmente as redigiram com base nas citações de Ellen White. Os oficiais adventistas fizeram o máximo para mostrar que “os escritos de Ellen G. White estão inteiramente em harmonia com as Escrituras acerca disso”.472 “Não se negou que Cristo ‘era o segundo Adão, vindo em ‘semelhança’ de carne pecaminosa (Rom. 8:3)” , ou que Ellen White tenha usado expressões como“natureza humana”, “nossa carne pecaminosa”, “nossa decaída natureza”, “a natureza do homem em sua caída condição”. 

Ninguém argüiu se “Jesus ficava doente ou se havia experimentado as debilidades das quais nossa decaída natureza é herdeira. Mas Ele sofreu tudo isso. Não poderia ocorrer que Ele também tenha suportado isso vicariamente, justamente como suportou os pecados de todo o mundo? Essas fraquezas, debilidades, enfermidades e falhas são coisas que nós, em nossa decaída e pecaminosa natureza, temos de arrostar. 

Para nós elas são naturais, inerentes, porém, quando Ele as suportou, tomou-as não como algo inato Seu, mas como nosso substituto. Cristo as sofreu em Sua perfeita e impecável natureza. Mais uma vez afirmamos que Cristo tolerou tudo vicariamente, assim como vicariamente sofreu as iniqüidades de todos nós.” 

Em suma, “o que quer que Jesus tenha assumido, não foi Seu intrínseca ou congenitamente... Tudo o que Ele recebeu, tudo o que Ele suportou, quer sejam cargas e penalidades de nossas iniqüidades ou males e fragilidades de nossa natureza humana, tudo foi assumido ou suportado vicariamente.” 

Essa expressão é realmente a fórmula mágica contida no “novo marco histórico do adventismo”. De acordo com os autores do Questões Sobre Doutrina, “é nesse sentido que deveriam ser compreendidos os escritos  Ellen G. White quando ela se refere ocasionalmente à natureza humana pecaminosa, decaída e deteriorada”. 

Os autores do livro publicaram num apêndice,478 cerca de 66 citações de Ellen White divididas em seções com subtítulos tais como: “Assumiu a Impecável Natureza Humana” , ou “A Perfeita Impecabilidade da Natureza Humana de Cristo”. Tais frases, naturalmente, jamais foram escritas por Ellen White. 

Está claro que “o novo marco histórico do adventismo” difere significativamente do tradicional ensino sobre a natureza humana de Cristo em quatro pontos. Ele advoga que:

1) Cristo tomou a natureza espiritual de Adão antes da queda; o que quer dizer, uma natureza humana impecável.

2) Cristo herdou apenas as conseqüências físicas da pecaminosa natureza humana; ou, sua hereditariedade genética foi debilitada por 4.000 anos de pecado.

3) A diferença entre a tentação de Cristo e a de Adão remanesce unicamente na diferença do ambiente e das circunstâncias, mas não de natureza.

4) Cristo levou vicariamente os pecados do mundo, não em realidade, mas apenas como substituto do homem pecador, sem participar de sua natureza pecaminosa.

Apresentado com o aparente selo de aprovação da Conferência Geral,  o livro Os Adventistas do Sétimo Dia Respondem a Questões Sobre Doutrina foi amplamente divulgado em seminários, universidades e livrarias públicas. Milhares de exemplares foram enviados aos membros do ministério, bem como a professores não-adventistas de teologia.  As quase 140.000 cópias tiveram influência evidente tanto dentro como fora da Igreja Adventista.484

A publicação dessa obra produziu um impacto cujas reações não demoraram a ser sentidas. Mal ela havia saído do prelo e já se tornara objeto de viva controvérsia, que prosseguiu com intensidade através dos anos até nossos dias. Trataremos disso nos próximos capítulos deste estudo.

Primeiramente, todavia, é imperativo mencionar aqui a importantíssima carta de Ellen White, que serviu como um dos principais esteios da nova teologia.

A Carta de Ellen White a William L. H. Baker

Em 1895, enquanto ainda na Austrália, Ellen White escreveu uma longa carta de encorajamento a William Baker, que estava incumbido da obra na Austrália, Tasmânia e Nova Zelândia. Ele era um homem que a Sra. White muito apreciava e de quem deu positivas referências.

Antes de deixar os Estados Unidos em viagem para a Austrália, Baker havia trabalhado na Pacific Press, Califórnia, de 1882 a 1887. Durante quatro anos ele foi assistente de Waggoner. Em 1914, foi escolhido para ser professor de Bíblia no Avondale College, Austrália. Ao retornar aos Estados Unidos em 1922, encerrou sua carreira como professor e capelão. Baker morreu em 1933. 

A carta endereçada a Baker é composta de 19 páginas manuscritas, das quais duas são inteiramente dedicadas a erros que devem ser evitados na apresentação pública da natureza humana de Cristo. 

Essa carta, como muitas outras missivas particulares, nunca foi publicada nos Testemunhos Para a Igreja, a exemplo do que ocorreu com várias delas. Preservada nos arquivos do Patrimônio de Ellen G. White, ela não foi conhecida dos pesquisadores até 1955. Após sua descoberta, os advogados da nova interpretação entenderam que seu teor parecia condenar a posição tradicional e apoiar o novo ponto de vista concernente à natureza humana de Cristo.

Cinco parágrafos dedicados a esse tema foram publicados em 1956 no The Seventh-day Adventist Bible Commentary, como nota explanatória do primeiro capítulo do evangelho de João.  Em 1957, uma seleção de citações foi também feita no livro Questões Sobre Doutrina.  Tendo-se em vista a importância dada ao conteúdo dessa carta , é preciso que se cite aqui os mais significativos e controversos parágrafos:

“Sejam cuidadosos, extremamente cuidadosos quando tratarem da natureza humana de Cristo. Não O ponham diante do povo como um homem com propensões para o pecado. Ele é o segundo Adão. O primeiro Adão foi criado como um ser puro e impecável, sem uma mancha de pecado sobre si; ele era a imagem de Deus. 

Ele poderia cair e caiu por meio da transgressão. Por causa do pecado, sua posteridade nasceu com inerentes propensões à desobediência. Mas Jesus Cristo foi o unigênito Filho de Deus. Ele tomou sobre Si a natureza humana, e foi tentado em todos os pontos em que a natureza humana é assaltada. Ele poderia haver pecado; Ele poderia haver caído, mas nem por um só momento houve nEle qualquer má propensão.” 

“Nunca, de modo algum, deixem a mais leve impressão sobre mentes humanas de que havia em Cristo uma mancha, uma inclinação para o mal, ou que Ele de algum modo tenha cedido à corrupção.

Jesus foi tentado em todos os pontos como o homem é tentado, todavia, Ele é chamado ‘o Santo’. Que cada ser humano tenha cuidado em não fazer Cristo totalmente humano, tal como um de nós; pois isso não pode ser... Não deveríamos ter nenhuma dúvida com respeito à perfeita impecabilidade da natureza humana de Cristo.” 

Essas declarações desempenharam – e ainda desempenham – um papel decisivo em favor da nova interpretação. O testemunho de Robert J. Spangler, que em 1967 tornou-se o editor-chefe de O Ministério, é especialmente significativo: “À luz dessa declaração, eu pessoalmente devo admitir que qualquer tipo de natureza pecaminosa que Cristo houvesse tido (se realmente a teve), não tinha qualquer propensão, nem natural inclinação, tendência ou pendor para o mal.”491

Os defensores da posição tradicional citam a declaração de Baker sem concluir que Jesus estava livre de todas as “tendências hereditárias”. Obviamente, ambos os lados não podem estar certos. Voltaremos mais tarde à carta de Baker.

Desde a publicação do Questões Sobre Doutrina, a Igreja Adventista tem experimentado uma séria controvérsia teológica. Alguns a consideram uma crise fundamental, enquanto outros acham que ela não deve ser nada mais do que um simples diferença de opinião. O que quer que ela possa ser, uma avaliação das teses predominantes é impositiva. Eis o que procuraremos fazer na Parte V, mas é importante para nós primeiramente analisar detalhadamente as suposições feitas por ambos os lados.




Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem