CAPÍTULO 6. O Chamado de Abraão - 4

CONCERTO ETERNO
 

A Carne Contra O Espírito 

 “Ora, Sarai, mulher de Abrão, não lhe dava filhos. Tinha ela uma serva egípcia, que se chamava Agar. Disse Sarai a Abrão: Eis que o Senhor me tem impedido de ter filhos; toma, pois, a minha serva; porventura terei filhos por meio dela. E ouviu Abrão a voz de Sarai”. Gên. 16:1, 2. 

Esse foi o grande erro da vida de Abraão; mas ele aprendeu uma lição de seu erro, e ficou registrado para ensinar essa lição a todos. Presumimos que o leitor esteja familiarizado com a seqüência, —como o Senhor disse a Abraão que Ismael, o filho de Hagar, não seria o herdeiro que Ele havia prometido, mas que Sara, sua esposa, deveria conceder-lhe um filho, e como, após Isaque ter nascido, Hagar e Ismael foram mandados embora. Assim podemos prosseguir imediatamente para as importantes lições, sugeridas por essa ocorrência. 

Em primeiro lugar temos que aprender a loucura da tentativa humana de cumprir as promessas de Deus. Abraão teve a divina promessa de produzir uma incontável semente. Quando a promessa foi feita, parecia além de toda possibilidade humana que Abraão tivesse um filho de parte de sua esposa, mas ele aceitou a palavra do Senhor, e sua fé foi-lhe contada por justiça. Isso, por si só, evidencia que a semente não era coisa ordinária, mas que devia ser uma semente de fé. 

Mas sua esposa não possuía a fé que ele tinha. Contudo, ela imaginava que tinha fé, e mesmo Abraão sem dúvida imaginava que, ao executar a sua recomendação, ele estava agindo em harmonia com a palavra do Senhor. 

O problema é que ele deu ouvidos à voz da esposa, em vez de escutar o Senhor. Eles raciocinaram que Deus havialhes prometido uma grande família, mas sendo impossível que tivessem filhos, parecia por demais evidente que Ele intencionava que se valessem de algum outro meio para o cumprimento disso. É assim que a razão humana age com as promessas de Deus. 

Contudo, quão pouca visão estava envolvida nesse episódio todo. Deus havia feito a promessa; portanto, Ele somente poderia dar-lhe cumprimento. Se um homem faz uma promessa, a coisa prometida pode ser realizada por outro, todavia, nesse caso, quem fez a promessa falha em levar a cabo a sua palavra. 

Assim, embora aquilo que o Senhor havia prometido pudesse ter sido obtido pelo artifício adotado, o resultado seria eliminar o Senhor do cumprimento de Sua palavra. Eles, portanto, estavam operando contra Deus. Mas Suas promessas não podem ser realizadas pelo homem. 

Em Cristo somente é que podem ser efetuadas. É-nos suficientemente simples ver isso no caso diante de nós; não obstante, com quanta freqüência, em nossa própria experiência, em vez de esperarmos que o Senhor realize aquilo que prometeu, cansamo-nos de esperar e tentamos fazê-lo em Seu lugar, e assim falhamos. 

Espiritual e Literal 

Anos depois a promessa foi cumprida segundo os propósitos divinos, mas isso não se deu até que Abraão e a esposa cressem plenamente no Senhor. “Pela fé, até a própria Sara recebeu a virtude de conceber um filho, mesmo fora da idade, porquanto teve por fiel Aquele que lho havia prometido”. Heb. 11:11. Isaque foi o fruto da fé. “Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da livre. Todavia o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa”. Gál. 4:22, 23. 

Muitas pessoas parecem se esquecer desse fato. Esquecem-se de que Abraão teve dois filhos, um de uma escrava, e outro de uma mulher livre; um nascido segundo a carne, e outro nascido segundo o Espírito. Daí é que se tem a confusão a respeito da semente “literal” e “espiritual” de Abraão. As pessoas falam como se a palavra “espiritual” se opusesse a “literal”. Mas não é assim. “Espiritual” opõe-se somente a “carnal”. 

Isaque nasceu segundo o Espírito, contudo ele era um filho, era tão real e literal quanto Ismael. Destarte, a verdadeira semente de Abraão são somente aqueles que são espirituais, mas isso não os torna, em qualquer medida, menos reais. Deus é Espírito, contudo Ele é um Deus real. 

Cristo teve um corpo espiritual após Sua ressurreição, todavia Ele era um ser real, literal, e poderia ser tocado do mesmo modo que outros corpos. De igual modo os corpos dos santos, após a ressurreição, serão espirituais, contudo eles serão reais. As coisas espirituais não são imaginárias. Na verdade, o que é espiritual é mais real do que aquilo que é carnal, porque somente o que é espiritual permanecerá para sempre. 

Desse episódio, pois, aprendemos, de forma bastante conclusiva, que a semente que Deus prometeu a Abraão, deveria ser como a areia do mar e as estrelas do céu em número, e que devia herdar a terra, é somente uma semente espiritual. Isto é, trata-se de uma semente que procede da intervenção do Espírito de Deus. 

O nascimento de Isaque, à semelhança do nascimento do Senhor Jesus, foi miraculoso. Foi sobrenatural. Ambos foram trazidos à existência por meio do Espírito. Em ambos temos uma ilustração do poder pelo qual nos tornamos filhos de Deus, e assim, herdeiros da promessa. 

A semente de Abraão segundo a carne são os ismaelitas. Ele foi um homem selvagem, ou, como diz a Revised Version, “um asno selvagem entre os homens”. Gên. 16:12. Ademais, ele era filho de uma escrava, e, daí, não um filho nascido livre. Agora, o Senhor já havia definido, no caso de Eliézer, servo de Abraão, que a semente de 

Abraão devia ser livre. Portanto, se Abraão tivesse somente pensado nas palavras do Senhor, em vez de dar ouvidos à voz da esposa, poderia ter sido poupado de muita confusão. 

Vale a pena demorar-se sobre essa fase do tema, pois, se for devidamente compreendida, nos poupará de muita confusão quanto à verdadeira semente de Abraão e o verdadeiro Israel. Relatemos as questões básicas uma vez mais. 

Ismael foi nascido segundo a carne, e não poderia ter sido a semente. Portanto, aqueles que são somente da carne não podem ser os filhos de Abraão, e herdeiros conforme a promessa. 

Isaque foi nascido segundo o Espírito, e era a verdadeira semente. “Em Isaque será chamada a tua semente”1. Por conseqüência, todos os filhos de Abraão são os que foram nascidos do Espírito. “Nós, irmãos, somos filhos da promessa, como Isaque”. Gál. 4:28. 

Isaque foi nascido livre; e ninguém, a não ser os que são nascidos livres são filhos de Abraão. “Pelo que, irmãos, não somos filhos da escrava, mas da livre”. Gál. 4:31. 

O que é essa liberdade, o Senhor mostrou em Sua fala aos judeus, registrada no oitavo capítulo de João. “Dizia, pois, Jesus aos judeus que nele creram: Se vós permanecerdes na Minha palavra, verdadeiramente sois Meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. 

Responderam-lhe: Somos descendentes de Abraão, e nunca fomos escravos de ninguém; como dizes tu: Sereis livres? Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado. Ora, o escravo não fica para sempre na casa; o filho fica para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” vs. 31-36, RV. Posteriormente Ele lhes disse que se fossem realmente filhos de Abraão, praticariam as obras de Abraão. Vs. 39. 

Aqui novamente vemos o que aprendemos com a promessa no décimo quinto capítulo de Gênesis, que a prometida semente deveria ser uma semente justa, uma vez que foi prometida apenas mediante Cristo, e estava assegurada a Abraão somente por sua fé. 

A síntese da questão toda é que na promessa a Abraão está o Evangelho, e somente o Evangelho; e qualquer tentativa de fazer as promessas aplicarem-se a qualquer outro além dos que são de Cristo, mediante o Espírito, é uma tentativa de anular as promessas do Evangelho de Deus. “E, se sois de Cristo, então sois descendência de 

Abraão, e herdeiros conforme a promessa”. Gál. 3:29. “Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é Dele”. Rom. 8:9. Assim, se qualquer homem não tem o Espírito de Cristo, o Espírito pelo qual Isaque nasceu, este não é um filho de Abraão, e não tem como reivindicar qualquer parte da promessa. 

—The Present Truth, 11 de junho de 1896. 

Nota desta edição: 

1) Gênesis 21:12; 


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