EPÍLOGO
Não é a primeira vez que a Igreja Adventista tem confrontado sérios problemas teológicos. Nenhuma das doutrinas da igreja foi aceita sem cuidadoso e diligente estudo, algumas vezes seguido por longos períodos de discussão, pesquisa e oração.
Comparando suas divergentes convicções, os pioneiros foram capazes de excluir errôneos conceitos teológicos herdados de várias tradições cristãs, e esclarecer verdades bíblicas tais como reveladas pelas Escrituras.
Para cumprir sua tarefa, o princípio aplicado era consistente com o praticado pelos reformadores: sola scriptura (Só a Escritura). “A Bíblia, e a Bíblia só, é nosso credo... O homem é falível, mas a Palavra de Deus é infalível... Ergamos a bandeira na qual está escrito: ‘A Bíblia é nossa regra de fé e disciplina’”. Esse foi o fundamento sobre o qual as crenças essenciais da Igreja Adventista foram estabelecidas – e nenhum outro mais.
Quando o problema da justificação pela fé foi discutido em Minneapolis, no ano de 1888, Ellen White achava ser necessário lembrar aos delegados o único método válido para resolver problemas doutrinários.
“Tomemos a Bíblia e com humilde oração e espírito de aprendiz, vamos ao grande Mestre do mundo... Devemos examinar as Escrituras procurando as evidências da verdade...
Todos os que reverenciam a Palavra de Deus, tal como ela ensina; todos os que cumprem Sua vontade segundo o melhor que podem, conhecerão se a doutrina é de Deus...
Qualquer outro meio não é o modo de Deus e criará confusão.”
Por causa de a igreja nem sempre seguir estritamente esse método em sua busca pela verdade, ela sofre hoje de um lamentável estado de confusão com respeito à Cristologia.
O inevitável resultado é que a mesma confusão agora reaparece com relação à doutrina da justificação pela fé. É alto o tempo de reconhecer a seriedade da situação e promover um fórum especial com o propósito expresso de aprofundar a pesquisa sobre os vários aspectos históricos e teológicos da Cristologia.
Este estudo não foi empreendido para recrudescer a controvérsia que infelizmente já pagou alto preço. Nosso propósito é simplesmente tornar conhecido o ensino unânime dos pioneiros da igreja, desde seu início até os anos cinquenta, bem com as várias interpretações apresentadas pelos autores em décadas recentes.
A objetividade nessa questão requer compreensão de toda a história. O conselho de Ellen White – cujos escritos são, em si mesmo, o âmago da controvérsia – deveria ser cuidadosamente seguido se esperamos alcançar a unidade: “Que todos provem suas posições pelas Escrituras e substanciem cada ponto reivindicado como verdade pela revelada Palavra de Deus.”
Desde que comecei a escrever a história da Cristologia Adventista – intencionalmente restrita aos primeiros 150 anos da igreja (1844-1994) – muitas obras foram publicadas para ajudar a resolver a controvérsia que nos divide. Cada um desses livros faz significativa contribuição ao debate, mas por causa de seus pontos de vista antagônicos, eles ainda sustentam a confusão.
É importante lembrar a declaração de Kenneth Wood: “Antes de a igreja proclamar com poder divino a última mensagem de advertência ao mundo, ela deve unir-se em torno da verdade sobre a natureza humana de Cristo.” [Ênfase acrescida]. Nunca é demais repetir: “A humanidade do Filho de Deus é tudo para nós. É a corrente de ouro que liga nossa alma a Cristo, e por meio de Cristo a Deus. Esse deve ser nosso estudo.”
Resenha crítica do Pr. Dennis Fortin
Comentário publicado no Seminário de Estudos da Universidade Andrews, volume. 38, Outono de 2000, Número 2, Andrews University Press.
Zurcher, J. R. Tocado por nossos Sentimentos: Uma pesquisa histórica do conceito adventista sobre a natureza humana de Cristo. Hagerstown, MD: Review and Herald, 1999. 308 páginas. Livro Brochura. US$15,99.
No Adventismo do Sétimo Dia poucos assuntos podem gerar tanto calor quanto uma discussão sobre a natureza humana de Cristo. Por décadas os Adventistas têm debatido se a natureza humana de Cristo era idêntica àquela do Adão antes da queda (prélapsarianismo), ou àquela do Adão depois da queda (pós-lapsarianismo), ou até mesmo uma posição intermediária.
Embora muitos fatores teológicos entrem em jogo neste debate, ao centro está a questão se Cristo pode verdadeiramente ser um exemplo moral à humanidade. O último livro neste debate é a obra do veterano teólogo Jean R. Zurcher, traduzido do Francês, Tocado por nossos sentimentos.
Em sua pesquisa histórica do conceito adventista sobre a natureza humana de Cristo, Zurcher busca resolver o problema demonstrando como, nos últimos 150 anos, o conceito adventista evoluiu de uma posição estritamente pós-lapsariana para as posições atuais.
Os dezesseis capítulos neste livro estão agrupados em cinco partes. A primeira brevemente pesquisa a discussão teológica sobre a natureza humana de Cristo e acertadamente averigua que muitos dos primeiros teólogos adventistas, com a exceção de Ellen G. White, tinham uma visão semi-ariana da divindade de Cristo. Na segunda parte, Zurcher examina a Cristologia dos pioneiros adventistas como Ellen G. White, Ellet J. Waggoner, Alonzo T. Jones, e William W. Prescott.
A terceira estuda extratos de publicações oficiais da igreja sobre a natureza humana de Cristo de 1895 a 1952. A quarta é a mais extensa e trata da controvérsia provocada pelo livro Questions on Doctrine (1957), reações à sua publicação, e posições teológicas atuais. A parte final é o apelo de Zurcher a um retorno a uma autêntica Cristologia pós-lapsariana como ensinada antes de 1950.
À parte de algumas desajeitadas traduções de expressões francesas, o livro de Zurcher é uma boa obra de pesquisa histórica e se empenha em apresentar um acurado quadro do desenvolvimento do conceito adventista sobre a natureza humana de Cristo.
Sua pesquisa de numerosas publicações apresenta um surpreendente quadro ao leitor contemporâneo, que pode não estar familiarizado com os primeiros escritos teológicos sobre a natureza de Cristo. Suas comparações entre diferentes edições de documentos oficiais e livros, como Estudos Bíblicos (155), ilustram as mudanças no conceito adventista a respeito da natureza de Cristo.
As evidências históricas e teológicas que o autor apresenta são abundantes. Muito embora o autor pretenda apresentar uma solução autorizada ao debate por mostrar como os teólogos adventistas nos anos 1950 e 1960 ‘abandonaram’ o entendimento tradicional da natureza humana de Cristo, sua obra está longe de ser neutra e imparcial. Seu tratamento de posições apoiadas por vários teólogos é claramente polêmica.
Até mesmo o prefácio pelo anterior editor da Revista Adventista, Kenneth Wood, estabelece o tom: a obra destina-se a sustentar a posição pós-lapsariana.
Enquanto Zurcher é para ser altamente recomendado por sua completa pesquisa sobre este assunto, sua obra no entanto é débil em algumas áreas importantes. A maior debilidade está em seu tratamento de declarações de Ellen White sobre a natureza humana de Cristo, que são o foco desta controvérsia adventista.
Em seu capítulo sobre a Cristologia de Ellen White (5367) Zurcher provê uma síntese do pensamento dela, realçando as semelhanças entre a natureza humana de Cristo e as nossas. Mas ele evita qualquer menção de outras declarações que enfatizam as diferenças entre a natureza humana de Cristo e as nossas.
Além disto, entre várias explícitas declarações apoiando a posição adventista pré-lapsariana desde os anos 1950, a carta de Ellen White de 1895 a W. H. L. Baker é completamente ignorada aqui. Zurcher discute o conteúdo e as implicações desta carta umas poucas vezes ao longo do livro em outros lugares, mas nunca numa maneira clara e sistemática. Isto, creio, é uma grande omissão.
Como muitos outros teólogos pós-lapsarianos, Zurcher falha em considerar como White apresenta uma tensão entre semelhanças e diferenças entre a natureza de Cristo e as nossas. Muitas de suas declarações que realçam as semelhanças com nossa natureza são feitas no contexto de discussões sobre como Cristo foi tentado a pecar como nós o somos.
O autor dá um bom exemplo à pág. 302. Contudo, falha em reconhecer que na carta a Baker ela categoricamente contesta uma completa semelhança entre Cristo e os seres humanos pecaminosos, até mesmo na maneira de suas tentações.
Enquanto os primeiros adventistas situaram suas discussões cristológicas no contexto das doutrinas da salvação e escatologia (como eles poderiam seguir o exemplo de Cristo em vencer as tentações e o pecado na preparação para o segundo advento de Cristo), as discussões depois de 1950 tem-se muitas vezes situado dentro do contexto da doutrina da humanidade e como o pecado nos afeta, e até que magnitude a natureza de Cristo foi e não foi afetada pelo pecado.
Zurcher faz um comentário sobre esta significante mudança teológica, causada em grande parte pela 'redescoberta' da carta de Ellen White a Baker, mas não pode reconciliar esta mudança e julga-a antitética à inicial posição adventista.
Não apenas Zurcher está evitando uma clara exposição da carta a Baker; ele a está também interpretando mal e tomando declarações fora do contexto. Em sua ‘Avaliação e Crítica’ ele discute o atual híbrido teológico em que Cristo tinha uma natureza física pós-lapsariana e uma natureza moral pré-lapsariana.
Duas vezes Zurcher cita a carta a Baker para apoiar sua visão de que tal posição é historicamente inválida e que Ellen White não cria numa natureza moral pré-lapsariana. Ele argumenta que LeRoy Froom faz violência ao pensamento de Ellen White quando citou a carta a Baker (277-278).
Porém, para provar seu ponto, Zurcher cita apenas parte da mesma carta e deixa fora duas importantes sentenças curtas nas quais Ellen White estabelece um agudo contraste entre a natureza de Cristo e as nossas. A mesma coisa acontece novamente à pág 281. Aqui o autor tenta distinguir entre as expressões de Ellen White ‘propensões inerentes’ e ‘más propensões’, argumentando que as ‘propensões inerentes’ se tornam ‘más propensões’ somente depois de se ceder à tentação.
Então ele cita a carta a Baker, parando um pouco antes de incluir uma sentença na qual Ellen White compara as tentações de Cristo no deserto àquelas de Adão no Éden. A distinção entre ‘propensões inerentes’ e ‘más propensões’ não é apoiada por Ellen White em sua carta. Mais ela usa as duas expressões como sinônimos ao argumentar que Cristo não tinha tais propensões. Em ambas instâncias, Zurcher viola o contexto para sustentar seus pontos.
Este livro certamente se enfileirará entre as melhores apologias à posição pós-lapsariana. Mas, como muitos outros, falha em ser convincente, porque aborda o assunto com semelhante parcialidade. O livro está tão inclinado em fazer de nossa pecaminosa natureza humana o padrão para medir a natureza de Cristo que falha em mostrar como a humanidade de Cristo é o padrão puro e verdadeiro pelo qual seremos medidos.
Andrews University / DENIS FORTIN
Comentário:
Conforme se concluirá a seguir, é lastimável que o Pr. Fortin teça os comentários que realçamos no texto. Se ele não se tivesse equivocado quanto ao objetivo da carta de Ellen White, nunca teria escrito da maneira que o fez!
Acesse aqui o 👉 Índice Completo do livro 'Tocado por Nossos Sentimentos.
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