Capítulo 20 - Estudos em Gálatas
Gálatas 1:3-5
A. T. Jones
“Graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do nosso Senhor Jesus Cristo, o qual Se entregou a Si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai, a quem seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém!”
“Graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do nosso Senhor Jesus Cristo”. Esta é a saudação em cada epístola de Paulo, exceto a endereçada aos Hebreus; e, com pequenas variações, é a mesma encontrada em ambas as cartas de Pedro.
Todavia, não se trata apenas de forma. Essas epístolas chegaram até nós como a palavra de Deus, o que em verdade elas são. Essa saudação, então, embora repetida com frequência – ou melhor, até mesmo pelo fato de ser repetida com frequência –, chega até nós como a palavra de Deus em saudação e plena certeza de Seu favor e paz, que foram oferecidos para sempre a toda alma.
Graça é favor. Essa palavra de Deus, então, estende Seu favor a cada alma que a lê ou que a ouve.
O próprio nome de Deus é Gracioso (Ex 34:6, KJV), Aquele que concede graça. Seu nome nada mais é do que aquilo que Ele mesmo é. E o que Ele é, Ele o é “ontem e hoje, [...] e o será para sempre” (Hb 13:8). Nele “não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg 1:17). Portanto, por meio Dele, graça, favor sem limites, é sempre estendida a cada pessoa. Quem dera que todos tão somente cressem nisso!
“E paz”. Ele é o “Deus da paz” (1Ts 5:23). Não há paz verdadeira senão a que vem de Deus. E “para os perversos [...] não há paz, diz o Senhor” (Is 48:22). “Mas os perversos são como o mar agitado, que não se pode aquietar” (Is 57:20).
Mas o mundo inteiro jaz em impiedade; contudo, o Deus da paz pronuncia paz a cada pessoa, pois, Cristo, o “Príncipe da Paz” (Is 9:6) “nossa paz”, fez de Deus e o homem, um só, desafazendo na Sua carne a inimizade, para criar em Si mesmo dos dois – Deus e o homem – um novo homem, fazendo assim a paz – “fazendo a paz” “pelo sangue da Sua cruz” (Ef 2:14-17; Cl 1:20, KJV).
“E, havendo feito a paz pelo sangue da Sua cruz”, Ele veio e “pregou a paz a vós que estáveis longe e aos que estavam perto”, paz a todos vocês. Assim, a saudação de Deus a cada pessoa é sempre e eternamente: “Paz seja contigo”, e toda ela provinda de Deus o Pai, e de nosso Senhor Jesus Cristo!
Quem dera se todos cressem nisso, a fim de que “a paz de Deus, que excede todo o entendimento”, guardasse seu coração e mente por Cristo Jesus (Fl 4:7).
Deixe que “a paz de Deus [...] domine em vossos corações” (Cl 3:15). Deixe que isso aconteça. Isso é tudo o que Deus pede; não recuse, nem o rejeite, mas apenas deixe.
“O qual Se entregou a Si mesmo pelos nossos pecados”. Ó, irmão e irmã, pecador, não importa quem você seja, por mais intenso que seja o fardo dos seus pecados, Cristo Se entregou a Si mesmo pelos seus pecados. Deixe que Ele os tenha. Ele os comprou – comprou os pecados – com o terrível preço da crucificação de Si mesmo. Deixe que Ele os tenha.
Ele não pede que você lance fora todos os seus pecados antes de se aproximar Dele e ser completamente Dele. Ele pede que você venha, com seus pecados e tudo o mais, e seja completamente Dele, com seus pecados e tudo o mais; e Ele tirará de você e lançará longe, e para sempre, todos os seus pecados.
Ele entregou a Si mesmo por você, com seus pecados e tudo o mais. Ele comprou você, com seus pecados e tudo o mais. Deixe que Ele tenha o que Ele comprou; deixe que Ele tenha o que Lhe pertence; deixe que Ele tenha você, com seus pecados e tudo o mais.
Ele “Se entregou a Si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso”. Observem que, a fim de nos desarraigar deste mundo perverso, Ele Se entregou a Si mesmo pelos nossos pecados. Isso mostra que tudo que existe deste mundo perverso para cada um de nós se encontra em nossos pecados.
E trata-se de “nossos pecados”. Eles nos pertenciam. Nós éramos responsáveis por eles. E no que dizia respeito a nós, este mundo perverso atual jazia no nosso próprio eu, em nossos pecados. Mas, louvado seja Deus, Ele Se entregou a Si mesmo por nós, com nossos pecados e tudo o mais; Ele Se entregou a Si mesmo pelos nossos pecados, por nós e tudo o mais, e isso Ele fez “para nos livrar do presente século mau” (ARC).
Vocês gostariam de ficar livres deste presente século mau? Permitam que Ele tenha a posse da sua vida, com os pecados e tudo o mais, os quais Ele comprou e que, por pleno direito, pertencem a Ele. Por favor, não roubem a Cristo daquilo que Lhe pertence, pois dessa forma vocês permanecerão neste presente século mau, mesmo que queiram ficar livres dele. Por favor, não cometam o pecado adicional de conservar o que não pertence a vocês.
Visto que os pecados eram nossos e Ele Se entregou a Si mesmo por eles, conclui-se claramente que Ele Se entregou para nós pelos nossos pecados. Então, quando Ele Se entregou a Si mesmo pelos pecados de vocês, os pecados de vocês se tornaram Dele; e quando Ele Se entregou a Si mesmo para você pelos seus pecados, Ele passou a ser de vocês.
Permitam que Ele tenha a posse de seus pecados, que pertencem a Ele, e, no lugar deles, apropriem-se Dele, pois Ele pertence a vocês. Bendita troca, pois Nele vocês têm, como propriedade garantida, toda a plenitude da divindade, corporalmente, e tudo “segundo a vontade de Deus”. Graças ao Senhor.
Como não dar a Ele “glória para todo o sempre” (Fl 4:20), e por que não dizer, todos juntos: Amém?
Advent Review and Sabbath Herald, 10 de novembro de 1896
Gálatas 2:20
A. T. Jones
“Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a pela fé no Filho de
Deus, O qual me amou e Se entregou a Si mesmo por mim.”
Não seria inapropriado enfatizar o que esse texto realmente diz, notando o que ele não diz.
Ele não diz: Eu quero estar crucificado com Cristo. Ele não diz: Eu gostaria de estar crucificado com Cristo, de maneira que Ele pudesse viver em mim; mas diz: “Já estou crucificado com Cristo”.
Além disso, o texto não diz: Paulo estava crucificado com Cristo; Cristo vivia em Paulo, e o Filho de Deus amou a Paulo e Se entregou a Si mesmo por Paulo. Tudo isso é verdadeiro, mas isso não é o que o texto diz, nem é este o seu significado, pois ele significa justamente o que diz. Ele diz: Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a pela fé no Filho de Deus, O qual me amou e Se entregou a Si mesmo por mim”.
Assim, esse verso representa um belo e sólido fundamento da fé cristã para cada pessoa do mundo. Ele torna possível que cada pessoa possa dizer, com plena certeza de fé cristã: “Ele me amou”. “Ele Se entregou a Si mesmo por mim”. “Eu estou crucificado com Cristo”. “Cristo vive em mim”. Leia também 1 João 4:15.
Afirmar “Já estou crucificado com Cristo” não é mera especulação. Não é crer em uma conjectura. Não se trata de afirmar alguma coisa sobre a qual não há nenhuma certeza. Qualquer pessoa neste mundo pode dizer com toda verdade e sinceridade: “Já estou crucificado com Cristo”. Trata-se apenas da aceitação de um fato, a aceitação de algo já realizado, pois essa palavra é a declaração de um fato.
É um fato que Jesus Cristo foi crucificado. E quando Ele foi crucificado, nós também fomos crucificados, pois Ele é um de nós. Seu nome é Emanuel, “que quer dizer: Deus conosco” (Mt 1:23) – não Deus com Ele, mas “Deus conosco”. Considerando que Seu nome não é Deus com Ele, mas “Deus conosco”, e que Deus com Ele não era Deus com Ele, mas Deus conosco, então quem era Ele senão “nós”? Ele tinha que ser “nós”, a fim de que Deus com Ele não fosse Deus com Ele, mas “Deus conosco”. E quando Ele foi crucificado, quem foi crucificado, a não ser “nós”?
Esta é a poderosa verdade anunciada nesse texto. Jesus Cristo era “nós”. Ele tinha a mesma carne e sangue que nós. Ele era feito de nossa própria natureza. Ele era em todos os pontos como nós. “Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, Se tornasse semelhante aos irmãos” (Hb 2:17). Ele “a Si mesmo Se esvaziou, [...] tornando-Se em semelhança de homens” (Fl 2:7). Ele era “o último Adão” (1Co 15:45).
E precisamente como o primeiro Adão era nós mesmos, assim Cristo, o último Adão, era nós mesmos. Quando o primeiro Adão morreu, nós, estando envolvidos nele, morremos com ele. E quando o último Adão morreu, nós, estando envolvidos Nele, morremos com Ele. E quando o último Adão foi crucificado – sendo Ele nós mesmos e estando nós envolvidos Nele –, nós fomos crucificados com Ele.
Como o primeiro Adão era em si mesmo a totalidade da raça humana, assim o último Adão era em Si mesmo a totalidade da raça humana; e, dessa forma, quando o último Adão foi crucificado, a totalidade da raça humana – a velha e pecaminosa natureza humana – foi crucificada com Ele. Por isso está escrito: “Sabendo isto: que FOI CRUCIFICADO COM ELE o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado” (Rm 6:6).
Logo, toda pessoa neste mundo pode verdadeiramente dizer, no perfeito triunfo de fé cristã: “Já estou crucificado com Cristo”. Minha velha natureza humana pecaminosa está crucificada com Ele para que este corpo de pecado seja destruído, para que, de agora em diante, eu não sirva o pecado (Rm 6:6). Contudo eu vivo, mas não mais eu, mas Cristo vive em mim.
Sempre carregando em meu corpo a morte do Senhor Jesus – a crucificação do Senhor Jesus, pois estou crucificado com Ele –, a fim de que a vida também de Jesus se manifeste em meu corpo. Porque eu, que vivo, sou sempre entregue à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em minha carne mortal (cf. 2Co 4:10, 11). Portanto, a vida que agora vivo na carne vivo-a pela fé no Filho de Deus, O qual me amou e Se entregou a Si mesmo por mim.
Nesse bendito fato da crucificação do nosso Senhor Jesus, realizado em favor de cada ser humano, reside não somente o fundamento de fé para cada pessoa, mas também o dom da fé dado PARA cada pessoa. Assim, a cruz de Cristo representa não somente a sabedoria de Deus revelada da parte de Deus para nós, mas também o próprio poder de Deus manifestado para nos livrar de todo pecado e nos conduzir a Deus.
Ó pecador, meu irmão e minha irmã, creia nisso. Por favor, receba essa poderosa verdade e renda-se a ela. Declare essa verdade com plena certeza de fé, e declare-a para sempre. “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a pela fé no Filho de Deus, O qual me amou e Se entregou a Si mesmo por mim”. Repita isso, pois é a verdade, a própria verdade e sabedoria e poder de Deus, que salva a alma de todo pecado.
Advent Review and Sabbath Herald, 24 de outubro de 1896
Gálatas 3:10-14
A. T. Jones
“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-Se Ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro), para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido” (Gl 3:13-14)
A maldição da lei, toda maldição que já existiu ou possa existir, se deve simplesmente ao pecado. Isso é poderosamente ilustrado em Zacarias 5:1-4. O profeta viu “um rolo voante, [de] vinte côvados de comprimento e dez de largura”. O Senhor então lhe disse: “Esta é a maldição que sai pela face de toda a Terra”; ou seja, esse rolo representa toda a maldição que está sobre a face de toda a Terra.
E qual é a causa dessa maldição sobre a face de toda a Terra? É esta: “Porque qualquer que furtar será cortado conforme a maldição desse lado, e qualquer que jurar falsamente será cortado conforme a maldição do outro lado” (KJV). Em outras palavras, esse rolo representa a lei de Deus, e um mandamento é citado de cada tábua, indicando que ambas as tábuas estão inclusas no rolo.
Toda pessoa que furtar – todo aquele que transgride nas coisas pertinentes à segunda tábua – será cortado conforme a maldição decorrente desse lado da lei; e toda pessoa que jurar falsamente – todo aquele que transgredir nas coisas pertinentes à primeira tábua da lei – será cortado conforme a maldição decorrente do outro lado da lei.
Assim, os anjos registradores no Céu não precisam escrever em detalhes uma declaração de cada pecado do ser humano, mas simplesmente indicar o mandamento específico violado em cada transgressão.
Fica claro também, no verso que se segue, que esse rolo da lei acompanha cada pessoa onde quer que ela vai, residindo até mesmo em sua casa: “Fá-la-ei sair, diz o Senhor dos Exércitos, e a farei entrar na casa do ladrão e na casa do que jurar falsamente pelo Meu nome; e ela permanecerá no meio de sua casa”.
E a menos que se encontre um remédio, o rolo vai permanecer ali até que a maldição consuma tal pessoa e a casa dela com “sua madeira e as suas pedras”; ou seja, até que a maldição devore toda a Terra naquele grande dia em que “os elementos se desfarão abrasados” (2Pd 3:10), pois “a força do pecado” e da maldição “é a lei” (1Co 15:56).
Mas graças sejam dadas a Deus, pois “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-Se ele próprio maldição em nosso lugar” (Gl 3:13). Todo o peso da maldição recaiu sobre Ele, pois “o Senhor fez cair sobre Ele a iniquidade de nós todos” (Is 53:6); e “Aquele que não conheceu pecado, [Deus] O fez pecado por nós” (2Co 5:21). E todos que O recebem, recebem liberdade de todo pecado e liberdade da maldição, visto estarem livres de todo pecado.
Cristo suportou a maldição de forma tão completa que, da mesma forma que a maldição veio sobre a Terra depois do pecado do ser humano, produzindo “espinhos e ervas daninhas” (Gn 3:17, 18 NVI), o Senhor Jesus, ao redimir todas as coisas da maldição, usou a coroa de espinhos e, assim, resgatou da maldição tanto o homem quanto a terra. Bendito seja o Seu nome. A obra está realizada. “Cristo nos resgatou da maldição”. Graças ao Senhor. Ele Se tornou maldição por nós, pois foi pendurado em madeiro.
E como tudo isso se trata de uma obra já realizada, a libertação da maldição por meio da cruz de Jesus Cristo corresponde ao dom gratuito de Deus a cada ser humano desta Terra.
E quando uma pessoa recebe esse dom gratuito de resgate de toda a maldição, esse rolo ainda a acompanha; contudo, graças ao Senhor, sem mais trazer consigo uma maldição, mas testemunhando a “justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem; porque não há distinção” (Rm 3:21-22).
Na verdade, o objetivo final de Deus ao nos resgatar da maldição é “que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo” (Gl 3:14). Essa bênção de Abraão é a justiça de Deus, a qual, como já vimos nesses estudos, só pode vir de Deus, como dom gratuito de Deus, recebido pela fé.
Considerando que “todos quantos [...] são das obras da lei estão debaixo de maldição” (Gl 3:10) e que “Cristo nos resgatou da maldição da lei” (v. 13), podemos concluir que Ele também nos resgatou das obras da lei, as quais, por serem nada mais do que nossas próprias obras, constituem apenas pecado, e que Ele, pela graça de Deus, nos concedeu as obras de Deus, as quais, por serem as obras da fé, que é dom de Deus, são apenas justiça, conforme está escrito: “A obra de Deus é esta: que creiais Naquele que por Ele foi enviado” (Jo 6:29). Temos aqui o verdadeiro descanso, o descanso celestial, o descanso de Deus. E “aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das Suas” (Hb 4:10).
Portanto, “Cristo nos resgatou da maldição da lei” e da maldição de nossas próprias obras, a fim de que a bênção de Abraão, que é a justiça e as obras de Deus, “chegasse aos gentios, por meio de Jesus Cristo”. E tudo isso “a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido”. Assim, “agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito.
Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte”. E “o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne, para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8:1-4, ARC).
Graças sejam dadas a Deus pelo dom indizível de Sua própria justiça no lugar de nossos pecados, e de Suas próprias obras de fé no lugar de nossas obras da lei – um dom que chegou até nós na redenção que temos em Cristo Jesus, o qual “nos resgatou da maldição da lei, fazendo-Se Ele próprio maldição em nosso lugar”.
Advent Review and Sabbath Herald, 19 de dezembro de 1899
Gálatas 5:3
A. T. Jones
“De novo, testifico a todo homem que se deixa circuncidar que ele é um devedor para guardar toda a lei.”
“Devedor para guardar toda a lei”. É curioso que muitos, ao considerarem essa declaração, a tem interpretado como se ela fizesse uma distinção entre duas leis e eliminasse a lei de Deus do assunto em questão, permitindo que a palavra “devedor” tenha apenas o sentido de “obrigação”.
Eles sabem, pelas Escrituras, que o dever de todo homem é temer a Deus e guardar os Seus mandamentos (cf. Ec 12:13). Eles reconhecem que nenhuma outra passagem pode contradizer essa. Eles estão conscientes de que todos estão sob a obrigação de guardar toda a lei de Deus, quer sejam circuncidados ou não.
E aceitando que o termo implica somente obrigação – que, se o homem for circuncidado, ele está sob a obrigação de guardar toda a lei –, chegam à conclusão de que isso não inclui a lei de Deus; e supõem que deva se tratar de alguma lei que ninguém tem a obrigação de cumprir, a menos que a pessoa seja circuncidada; concluem, portanto, que “toda a lei” aqui em questão só pode ser toda a lei cerimonial de sacrifícios e ofertas.
Por outro lado, há aqueles que mantêm a postura de que estão totalmente desobrigados de guardar a lei de Deus, e apresentam esse texto como apoio para sua desobediência e oposição.
Acreditam que somente os circuncidados estão sob a obrigação de guardar a lei, e que a obrigação se impõe a partir do momento em que uma pessoa é circuncidada – e eles estão conscientes de que a circuncisão não é um rito obrigatório. Com essas premissas, argumentam que não estão sob a obrigação de guardar os dez mandamentos.
Mas ambos os grupos estão equivocados; ambos deixam de perceber o pensamento encontrado nesse verso. E a causa desse equívoco é o fato de darem à palavra “devedor” apenas o sentido de “obrigação”.
É verdade que a palavra significa “obrigação”. Mas nesse lugar e em todos os outros contextos relacionados com obrigações morais das pessoas, a palavra tem um significado tão mais amplo e profundo do que o de mera obrigação que o sentido de mera obrigação se torna realmente secundário.
A expressão “ser devedor”, encontrada nesse verso (Gálatas 5:3), significa não apenas que uma pessoa está em dívida e na obrigação de pagá-la, mas que, além disso, ela tem uma dívida estonteante, sem absolutamente nada com que pagar.
Se uma pessoa é devedora, estando assim na obrigação de pagar, por exemplo, mil dólares, mas ao mesmo tempo tem muito dinheiro, ou pelo menos a capacidade de saldar essa dívida, a coisa está muito simples. Mas se alguém é devedor, estando na obrigação de saldar uma dívida de 14 milhões de dólares, sem ter um único centavo para pagar, e está preso, sem qualquer capacidade para ganhar um centavo sequer para quitar sua dívida, para essa pessoa a palavra “devedor” significa muito mais do que uma mera “obrigação de pagar”.
E esse é precisamente o caso aqui. Esse é o pensamento nesse versículo. Esse é o significado embutido na palavra “devedor”. Isso acontece porque a palavra “devedor”, quando usada em conexão com aspectos morais, implica, e só pode implicar, na ideia de pecado, indicando que a pessoa é pecadora.
A expressão “devedor” é precisamente a mesma usada em Lucas 13:4. “Ou cuidais que aqueles dezoito sobre os quais desabou a torre de Siloé e os matou eram mais culpados que todos os outros habitantes de Jerusalém?” A margem da ARC traz “devedores” como alternativa de “culpados”.
Esta é a palavra usada na oração do Senhor (Mt 6:12): “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores”; e Lucas, em sua versão da mesma oração claramente expressa o conceito de pecado com as seguintes palavras: “Perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo o que nos deve” (Lc 11:4).
É ainda a mesma palavra usada pelo Salvador em Lucas 7:41-42: “Certo credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários, e o outro, cinquenta. Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou-lhes a ambos”.
É a mesma palavra também usada na parábola encontrada em Mateus 18:23-35. Na verdade, no versículo 4 de Lucas 13, onde “devedores” é uma alternativa de “pecadores”, temos uma referência direta a esta parábola de Mateus 18.
Essa é a parábola em que se afirma que quando um rei resolveu “ajustar contas com os seus servos”, então “trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos” - cerca de 144 milhões de reais. O servo não tinha nada com que pagar. Então o senhor “perdoou-lhe a dívida”.
Mas quando o servo “encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem denários” – uns 300 reais – ele não lhe perdoou a dívida, mas o lançou na prisão até que saldasse os 300 reais. O rei, então, chamou seu devedor e “o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. Assim também Meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão as suas ofensas” (Mt 18:23-35, KJV).
O pensamento de entregar o devedor aos verdugos até que pagasse toda a dívida a seu senhor é próprio dessa palavra, pois “o uso da palavra envolve o conceito de que o devedor deve expiar sua culpa”. E “pecado é chamado de ‘opheilema’ [dívida], pois requer expiação e pagamento como dívida, por meio de punição e compensação” [E. W. Bullinger, A Critical Lexicon and Concordance to the English and Greek New Testament, 1895, p. 208. Essa palavra ocorre somente em Mateus 6:12 e Romanos 4:4].
Com base nessas passagens, o leitor cuidadoso pode começar a perceber que, nas palavras de Gálatas 5:3 – “ele é um devedor para guardar toda a lei” –, há implicações muito maiores do que a mera obrigação de aceitar as reivindicações da lei sobre si e fazer o melhor que pode para cumpri-las.
Tudo isso mostra que o ser humano não está apenas sob a obrigação de reconhecer as exigências obrigatórias da lei de Deus, mas que ele, de fato, é um devedor, estando na obrigação de render a essa lei tudo aquilo que ela exige dele. Esse fato mostra ainda que, de si mesmo, ele sempre será devedor, já que ele nada possui com que pagar; e, de si mesmo, não tem nenhuma condição de adquirir algo com que pagar.
E essa dívida não se resume apenas à obrigação de cumprir a lei de hoje em diante; ela envolve também a obrigação de realizar compensação por tudo que ficou no passado – tudo que se acumulou desde o passado até o presente momento.
Consequentemente, o ser humano, de si mesmo, é eternamente um devedor no que diz respeito a tudo relacionado com esse pensamento em Gálatas 5:3, bem como em outros textos similares que citamos aqui, visto que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:23).
E quem quer que fosse circuncidado a fim de ser salvo, procurando assim ser salvo por obras de justiça própria, estaria, dessa forma, assumindo a obrigação de pagar à lei de Deus toda sua dívida desde o começo de sua vida até o final dela. E ao fazer isso, ele assume a obrigação de expiar toda a culpa ligada a sua transgressão e acumulada no decorrer dos anos.
Esse é o significado da frase “devedor para guardar toda a lei”. É isso que está declarado nas palavras: “De novo, testifico a todo homem que se deixa circuncidar que ele é um devedor para guardar toda a lei”. Ele não somente é um devedor, mas, por meio dessa transação, assume voluntariamente a responsabilidade de pagar, por conta própria, tudo o que esteja relacionado a sua dívida.
Agora, é verdade que cada pessoa neste mundo é, por si só, esse tipo de devedor. É também verdade que qualquer pessoa hoje que procura a justificação por meio das próprias obras, mesmo que se trate da guarda dos dez mandamentos ou de qualquer outra coisa que o Senhor ordenou, tal pessoa, consequentemente, assume a responsabilidade e se compromete a pagar tudo que diz respeito à dívida. Mas ela não pode pagar. Não há nela o mínimo indício de possibilidade de pagar, por conta própria, qualquer quantia da dívida. Ela fica esmagada e perdida.
Mas, louvado seja Deus, pelo fato de que quem tiver a justiça de Deus que é pela fé de Jesus Cristo; quem depender somente do Senhor Jesus e do que Ele fez, embora em si mesma tal pessoa seja uma devedora assim como qualquer outro ser humano; ainda assim, em Cristo, tal pessoa tem em abundância os meios para pagar toda a dívida. Cristo expiou por punição e compensação toda a culpa de cada pessoa; e por meio da justiça de Deus que Ele traz, Cristo supre uma abundância de justiça para pagar todas as exigências que a lei possa fazer na vida daquele que crê em Jesus.
Graças a Deus pelo dom inefável das riquezas insondáveis de Cristo. Oh, creiam nisso. Oh, recebam esse dom. Pobre, oprimido e perdido “devedor”, apelo para que “compres ouro refinado pelo fogo para te enriqueceres, vestiduras brancas para te vestires” (Ap 3:18). Sim, “vinde, comprai [...] sem dinheiro e sem preço” (Is 55:1).
Advent Review and Sabbath Herald, 21 de Agosto de 1900
Gálatas 5:16-18
A. T. Jones & E. J. Waggoner
“Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei.”
“Se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei”, “pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8:14). Como filhos de Deus, eles têm a mente do Espírito, a mente de Cristo, e, assim, com a mente eles servem a lei de Deus (cf. Rm 7:25).
Consequentemente, todo aquele que é guiado pelo Espírito de Deus – e tem, portanto, a mente de Cristo – cumpre a lei, pois por meio desse Espírito “o amor de Deus [é] derramado em nosso coração” (Rm 5:5), amor este que, em si mesmo, é “o cumprimento da lei” (Rm 13:10) em todo aquele que o tem.
Por outro lado, todo aquele que é guiado pela carne, possuindo, portanto a mente carnal, pratica as obras da carne e, dessa forma, serve a lei do pecado.
E os dois caminhos, o caminho do Espírito e o caminho da carne, estão sempre abertos diante de todos. E, tão certo quanto a carne está ali, ela “milita contra o Espírito”; e tão certo quanto o Espírito está ali, Ele “[milita] contra a carne”. A pessoa que é guiada pela carne não pode realizar o bem que gostaria. Ela serve à lei do pecado e, por essa razão, está sob a lei. Mas os que são “guiados pelo Espírito, não [estão] sob a lei”.
Todo ser humano terá sempre a liberdade de escolher qual será seu caminho – o caminho do Espírito ou o caminho da carne. “Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis” (Rm 8:13).
Observem que, no texto de Gálatas que estamos analisando e nos textos correlatos em Romanos e também em Colossenses, é declarado literalmente e destacado constantemente o fato de que a carne, em sua verdadeira natureza carnal e pecaminosa, ainda está presente com aquele que tem o Espírito de Deus e que essa carne milita contra o Espírito.
Em outras palavras, quando uma pessoa se converte e dessa forma se coloca sob o poder do Espírito de Deus, ela não é liberta da carne, de tal forma que fique completamente separada dela, com suas tendências e desejos, a ponto de não mais ser tentada pela carne e não mais ter que lutar contra ela. Não.
A mesma carne degenerada e pecaminosa está lá com as mesmas tendências e desejos. Mas o indivíduo não está mais sujeito a tudo isso. Ele é liberto da sujeição à carne, com suas tendências e desejos, e agora se encontra sujeito ao Espírito. Ele está agora sujeito a um poder que vence, subjuga, crucifica e mantém sob controle a carne, pecaminosa como é, com todas as suas paixões e desejos pecaminosos.
Portanto, é por isso que está escrito que, “pelo Espírito” nós mortificamos “os feitos do corpo” (Rm 8:13). “Mortificai, pois, os vossos membros que estão sobre a terra: a prostituição, a impureza, o apetite desordenado, a vil concupiscência e a avareza, que é idolatria” (Cl 3:5, ARC). Observem que todas essas coisas estão ali na carne e viveriam e reinariam se a carne tivesse a permissão de dominar. Mas visto que a carne é colocada em sujeição ao poder de Deus, pelo Espírito, todas essas coisas más são mortas pela raiz e, dessa forma, impedidas de aparecer na vida.
Esse contraste entre o domínio da carne e o domínio do Espírito é claramente mostrado em Romanos 7:14-24 e em 1 Coríntios 9:26-27. O capítulo 7 de Romanos retrata o homem que se encontra sob o poder da carne, o homem “carnal, vendido à escravidão do pecado”, que anseia fazer o bem, que quer fazer o bem, mas está sujeito a um poder na carne que não lhe permite fazer o bem que ele quer. “Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço”. “Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim.
Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, NOS MEUS MEMBROS, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” Essa é a descrição do homem que está sujeito à carne, à “lei do pecado” que está nos membros. E quando ele deseja romper com o poder da carne e quer fazer o bem, esse poder ainda o mantém em escravidão e o segura sob o domínio da carne – da lei do pecado – que está em seus membros.
Mas há libertação desse poder. Portanto, quando ele clama: “Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?”, a resposta vem em seguida: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 7:25). Esse é o caminho da libertação, pois somente Cristo é o Libertador.
Esse homem, agora, embora liberto por Cristo, não está liberto de UM COMBATE: ele não é colocado num estado em que não tenha mais que lutar contra a carne. Há uma luta a ser travada, e não é uma batalha de faz de conta. Não é a luta contra um fantasma. A luta desse homem é descrita em 1 Coríntios 9:26-27: “Assim luto, não como desferindo golpes no ar”. Contra o que ele luta? O que ele esmurra? Vamos ler: “Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado”.
Assim, a luta que o cristão precisa travar é contra seu corpo, é contra a carne com suas paixões e concupiscências. O cristão precisa manter o corpo em sujeição ao novo poder, o poder do Espírito de Deus, ao qual ele está agora sujeito e do qual ele se tornou súdito quando foi liberto do poder da carne e da lei do pecado.
A frase “esmurrar o corpo”, em 1 Coríntios 9:27, no original grego é bem expressiva. Ela significa, literalmente, “golpear em baixo dos olhos, atingir, bater na face e deixá-la coberta de hematomas”. Fiel a essa ideia, Conybeare e Howson traduzem esse texto dessa forma: “Assim luto, não como um pugilista desferindo golpes contra o ar, mas machuco meu corpo e o forço a se manter em escravidão”.
Portanto, o capítulo 7 de Romanos mostra o homem sujeito ao poder da carne e da lei do pecado que está em seus membros, mas ansioso por libertação. O capítulo 9 de 1 Coríntios mostra a carne sujeita ao homem por meio do novo poder do Espírito de Deus. Em Romanos 7, a carne está no controle e o homem está subjugado. Em 1 Coríntios 9, o homem está no controle e a carne está subjugada.
Essa bendita inversão das coisas é operada na conversão. Mediante a conversão, o homem é posto em posse do poder de Deus e é colocado sob o domínio do Espírito de Deus, de maneira que, por meio desse poder, ele adquire a supremacia sobre a carne, com todas as suas paixões e desejos pecaminosos, e, pelo Espírito, crucifica a carne com essas paixões e desejos pecaminosos ao travar o “bom combate da fé” (1Tm 6:12).
As pessoas não são salvas por alcançarem plena libertação da carne, mas por receberem poder para vencer e dominar todas as más tendências e desejos da carne. Ninguém desenvolve caráter – de fato, tal nunca seria possível – por ser transportado a um ambiente sem a possibilidade de tentação, mas, sim, por receber poder para vencer toda tentação, exatamente no campo da tentação em que a pessoa se encontra.
Se as pessoas tivessem que ser salvas mediante libertação completa da carne, tal como a temos, então Jesus jamais precisaria ter vindo ao mundo.
Se as pessoas tivessem que ser salvas mediante libertação de toda tentação ao serem colocadas num terreno isento de tentação, então Jesus não precisaria ter vindo ao mundo. Com esse tipo de libertação, ninguém nunca seria capaz de desenvolver caráter.
Então, em vez de tentar salvar as pessoas por meio de plena libertação da carne – sendo que a carne é exatamente onde as pessoas se encontram – Jesus veio ao mundo e Se colocou NA CARNE, exatamente onde nos encontramos, e enfrentou essa carne, TAL COMO É, com todas as suas tendências e desejos; e, pelo poder divino que Ele trouxe pela fé, Ele “condenou o pecado na carne” (Rm 8:3, ARC), trazendo, assim, a toda a humanidade a divina fé que traz o poder divino ao homem, a fim de livrá-lo do poder da carne e da lei do pecado, exatamente onde ele está, e para dar-lhe domínio garantido sobre a carne, tal como ela é.
Em vez de Jesus tentar salvar os homens de um modo que os deixaria sem firmeza de caráter, por deixá-los num terreno isento de tentação, Ele alcançou o ser humano exatamente onde este se encontrava, em meio a todas as suas tentações. Jesus assumiu a própria carne que o ser humano possui, e nessa carne enfrentou todas as tentações conhecidas dessa carne, e venceu cada uma delas; e, por essa conquista, trouxe vitória a cada pessoa deste mundo. Bendito seja Seu nome.
E toda pessoa que receber e guardar “a fé de Jesus” pode ter essa vitória em sua plenitude; pois “esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (1Jo 5:4). Advent Review and Sabbath Herald, 18 de setembro de 1900
Gálatas 5:22-26
A. T. Jones
“Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito. Não nos deixemos possuir de vanglória, provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros.”
Vimos, em certa medida, a maldade e o engano inerente das obras da carne. Mas, graças ao Senhor, há uma perspectiva mais promissora.
O Espírito de Deus, o qual, em Sua plenitude, é gratuitamente concedido a todo crente, milita contra a carne, de modo que, na pessoa que é guiada pelo Espírito de Deus, a carne não pode fazer as coisas que ela gostaria. Nessa pessoa, o Espírito de Deus governa e faz com que apareça na vida “o fruto do Espírito” no lugar das “obras da carne”.
E embora seja verdade que os que praticam “coisas semelhantes” às mencionadas na lista das obras da carne “não herdarão o reino de Deus” (Gl 5:21), todavia, por meio do dom do Espírito Santo, mediante a graça de Cristo, Deus fez todas as provisões pelas quais cada pessoa, apesar de todas as paixões, concupiscências, desejos e inclinações da carne, pode herdar o reino de Deus.
Em Cristo a batalha já foi travada em todas as coisas, e a vitória foi completa. Ele Se tornou carne – a mesma carne e sangue daqueles a quem veio redimir. Ele Se tornou semelhante aos seres humanos em todas as coisas. Ele foi “tentado em todas as coisas, à nossa semelhança” (Hb 4:15). Se Ele não tivesse sido “à nossa semelhança” em qualquer “coisa”, então naquela coisa seria impossível que Ele tivesse sido tentado “à nossa semelhança”.
Ele pôde “compadecer-Se das nossas fraquezas” (Hb 4:15), pois foi “tentado em todas as coisas, à nossa semelhança”. Quando Ele foi tentado, sentiu os desejos e as inclinações da carne precisamente da forma como nós os sentimos ao sermos tentados; pois “cada um [...] é tentado pelo próprio mau desejo [as inclinações da carne], sendo por este arrastado e seduzido” (Tg 1:14, NVI).
Jesus foi capaz de experimentar tudo isso “sem pecado”, já que ser tentado não constitui pecado. É somente pecado quando o “desejo [é] concebido”, ou acariciado, quando a inclinação é aprovada; é somente então que tal desejo “dá à luz o pecado” (Tg 1:15, NVI). Quanto a Cristo, Ele nunca, nem sequer em um pensamento, acariciou o desejo ou autorizou alguma inclinação da carne. Assim, numa carne semelhante à nossa Ele foi tentado em todas as coisas, mas sem nenhuma mancha de pecado.
Dessa forma, pelo poder divino que Ele recebeu mediante a fé em Deus, Cristo, em nossa carne, sufocou por completo toda inclinação da carne; e, com eficácia, matou, pela raiz, todo desejo da carne e, consequentemente, “condenou o pecado na carne” (Rm 8:3). Ao agir assim, Ele trouxe não somente vitória completa a cada pessoa do mundo, mas também poder divino para mantê-la. Ele fez tudo isso “para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8:4, ARC).
Essa vitória em sua plenitude é gratuita a todos em Cristo Jesus. Ela é recebida pela fé em Jesus. É realizada e mantida pela “fé de Jesus” (Ap 14:12, KJV), que Ele preparou com toda perfeição e concedeu a todo crente Nele. Pois “esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (1Jo 5:4).
Ele, “na Sua carne, desfez a inimizade” que separava a humanidade de Deus (Ef 2:15, ARC). Para realizar isso, Ele assumiu a carne – e era necessário que assim fosse –, na qual a inimizade existia. Ele, então, desfez em Sua carne a inimizade “para criar em Si mesmo dos dois”, Deus e o homem que havia se extraviado, “um novo homem, fazendo a paz”.
Ele “na Sua carne, desfez a inimizade” para que “reconciliasse ambos”, judeus e gentios – toda a humanidade sujeita à inimizade – “em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo “em Si mesmo, a inimizade” (Ef 2:16, KJV, margem). “A inimizade” estava “em Si mesmo” pelo fato de ela estar “na Sua carne”. E ali “na Sua carne” Ele a matou e a desfez. Ele só pôde fazer isso com a inimizade porque ela, de fato, estava “em Sua carne”.
Assim, Jesus tomou sobre Si a maldição em toda a sua plenitude, da mesma forma que essa maldição repousa sobre a humanidade. Isso foi possível ao Ele Se fazer “maldição em nosso lugar” (Gl 3:13). Mas “a maldição sem causa não virá” e nunca veio (Pr 26:2).
A causa da maldição é o pecado. Ele Se fez maldição em nosso lugar por causa dos nossos pecados. E para que Ele conhecesse a maldição tal como repousa sobre nós, era necessário que Ele conhecesse o pecado tal como é em nós. Dessa forma, “Àquele que não conheceu pecado, [Deus] O fez pecado por nós”, e isso “para que, NELE, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5:21).
Embora Cristo tenha Se colocado completamente no mesmo terreno desvantajoso em que se encontra toda a humanidade – tornando-Se em tudo semelhante a nós e sendo “tentado em todas as coisas, à nossa semelhança” (Hb 4:15), mesmo assim nenhuma tendência ou inclinação sequer da carne jamais foi tolerada ou admitida por ele, no mínimo que fosse, mesmo em pensamento; todas, porém, foram eficazmente mortas pela raiz mediante o poder de Deus, o qual, por meio da fé divina, Ele trouxe à humanidade.
Assim, “visto [...] que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também Ele, igualmente, participou, para que, por Sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida.
Pois Ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a descendência de Abraão. Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, Se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo. Pois, naquilo que Ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados” (Hb 2:14-18).
E essa vitória que Cristo operou em carne humana é acionada pelo Espírito Santo, a fim de socorrer a todos que, em carne humana, creem hoje em Jesus. Pois, mediante o Espírito Santo, a própria presença de Cristo vem ao crente, pois Seu constante desejo é que “segundo a riqueza da Sua glória, [...] sejais fortalecidos com poder, mediante o Seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus” (Ef 3:16-19).
Assim, esta libertação da culpa do pecado e do poder do pecado, a qual mantém o crente triunfante sobre todos os desejos, tendências e inclinações da carne pecaminosa pelo poder do Espírito de Deus – esta libertação é operada hoje pela presença pessoal de Cristo Jesus EM CARNE HUMANA no crente, precisamente como foi operada pela presença pessoal de Cristo em carne humana há 2 mil anos atrás.
Cristo é sempre o mesmo – “ontem e hoje, [...] e o será para sempre” (Hb 13:8). O evangelho de Cristo é sempre o mesmo – ontem e hoje, e o será para sempre. O evangelho de Cristo é o mesmo de 2 mil anos atrás. Naquela época, era “Deus [que] Se manifestou em carne” (1Tm 3:16, ACF), e hoje é o mesmo: “Deus Se manifestou” na mesma carne, a carne de seres humanos pecaminosos, a carne humana, exatamente como é a natureza humana.
Esse evangelho é “Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl 1:27) – Cristo em você assim como você é, com pecados, pecaminosidade e tudo o mais; pois Ele Se entregou a Si mesmo por nossos pecados e por nossa pecaminosidade. Cristo nos comprou assim como estamos e Deus “nos fez agradáveis a Si no Amado” (Ef 1:6, ARC).
Ele recebeu você assim como você é, e o evangelho, “Cristo em vós, a esperança da glória”, coloca você sob o domínio da graça de Deus e, por meio do Espírito de Deus, torna você tão sujeito ao poder de Cristo e de Deus que “o fruto do Espírito” aparece em você em lugar das “obras da carne”.
E o fruto do Espírito é:
Amor – o amor de Deus que é derramado no coração pelo Espírito de Deus. E em vez de o ódio, ou qualquer coisa do gênero, ser tolerado, até mesmo em pensamento, ninguém poderá fazer nada com você que o leve a fazer outra coisa que não seja amá-lo, visto que esse amor, sendo o amor de Deus, é o mesmo “ontem e hoje, [...] e o será para sempre” e ama, não por recompensa, mas simplesmente por amar. Ele ama simplesmente porque é amor, e, por ser somente isso, não pode atuar de outra forma.
Alegria é “a felicidade intensa que brota de um bem presente ou esperado”. Mas nesse caso, a conjunção alternativa “ou” é excluída, pois esta alegria é a felicidade intensa que brota de um bem presente e esperado. A sua causa é eterna. Portanto, trata-se de uma alegria eternamente presente e eternamente esperada. E o resultado é uma “exultante satisfação”.
Paz – paz perfeita que reina no coração –, “a paz de Deus, que excede todo o entendimento” e guarda o “coração e a [...] mente” daquele que a possui (Fl 4:7).
Longanimidade, Benignidade, Bondade, Fé – Esta fé – pistis no grego – significa “firme convicção, uma convicção fundamentada na confiança e NÃO no conhecimento [a fé “do coração”, não do intelecto; a fé de Cristo, não do credo]; uma confiança firmemente estabelecida, nutrida pela convicção e pronta a desafiar oposições contraditórias”.
Mansidão, Domínio Próprio – Temperança é o mesmo que domínio próprio. Em outras palavras, o Espírito de Deus livra a pessoa da sujeição às paixões, desejos e hábitos pecaminosos e faz dela uma pessoa livre, mestre de si mesma.
“Contra estas coisas não há lei”. A lei de Deus só é contra o pecado. Na vida humana, a lei de Deus é contra tudo que não seja o fruto do Espírito de Deus. Logo, é certo que tudo na vida humana que não corresponder ao fruto do Espírito de Deus é pecado. Isso nada mais é do que afirmar em outras palavras a eterna verdade de que “tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14:23).
Portanto, “se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito”. E por vivermos de fato no Espírito e andarmos no Espírito, “não nos deixemos” – sim, não nos iremos deixar; sim, não nos podemos deixar – “possuir de vanglória, provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros”.
Advent Review and Sabbath Herald, 2 de outubro de 1900