Capítulo 6: WILLIAM WARREN PRESCOTT (1855-1944)

tocados por nossos sentimentos


Capítulo 6 - WILLIAM WARREN PRESCOTT (1855-1944) 

É importante que se mencione William W. Prescott como alguém que contribuiu para o triunfo da mensagem da justificação pela fé após Mineápolis. Durante a década de 1890, ele esteve intimamente ligado a Waggoner, Jones e Ellen White. Como eles, Prescott fez da natureza divino-humana de Cristo a base de sua Cristologia.

William W. Prescott nasceu na Nova Inglaterra, no ano de 1855, filho de pais piedosos e fervorosos seguidores do movimento milerita.

William viveu sua juventude no Estado do Maine. Graduou-se no Dartmouth College em 1877, exercendo então o magistério como professor de grego e latim. De 1877 a 1880, foi diretor da escola secundária de Northfield, e depois em Montpelier, no Estado de Vermont. Por certo período dedicou-se ao jornalismo, antes de fundar seu próprio jornal, The State Republican (O Estado Republicano), de Montpelier.

O ano de 1885 marcou o ponto decisivo em sua vida. Primeiramente, ele se uniu ao movimento adventista, aceitando então o comando do Colégio de Battle Creek, posto que conservou até 1894. Enquanto lá, sua competência foi requerida para ajudar no estabelecimento do Union College, no Nebraska, e no Walla Walla College, no Estado de Washington. Prescott também tomou a iniciativa de ajudar a organizar o primeiro instituto educacional de treinamento em ensino pessoal para a igreja.

Por causa de sua reputação como educador e professor de Bíblia, os líderes da Conferência Geral pediram-lhe que viajasse para a África do Sul, Austrália e Europa, com o propósito de estimular o desenvolvimento da obra educacional, de ensinar nos vários institutos bíblicos especializados na formação de pastores, e para tomar parte nas reuniões campais.  Durante sua estada na Austrália, ele assistiu à criação do Avondale College. Na Inglaterra, lançou os fundamentos da obra educacional.

Durante a sessão de 1901, Prescott foi eleito vice-presidente da Conferência Geral e presidente da comissão diretiva da Casa Publicadora; também se tornou editor-chefe da Review and Herald. Quando deixou esses cargos, em 1909, foi eleito editor da Revista Protestante. Isso lhe propiciou a oportunidade de se dedicar durante sete anos a profunda pesquisa. Essa revista mensal tinha o objetivo de “protestar contra erros eclesiásticos e promover a verdade evangélica.” 

Um Ardoroso Partidário da Mensagem de 1888

Prescott prontamente aceitou a mensagem da justificação pela fé, como pregada por Waggoner em 1888. Um relatório datado de 1930, relembrando os nomes daqueles que tomaram posição a favor da mensagem anunciada em Mineápolis, dá a Prescott lugar proeminente. Todavia, esse relatório também revelou que ele ficou tão chocado com o estado espiritual prevalecente em certas discussões, que deixou a sessão pouco antes de seu encerramento.285

Apesar de tudo, assumiu publicamente uma postura de apoio ao lado de Waggoner e Jones nas sessões da Conferência Geral de 1893 e 1895. Há muitas declarações no Boletim da Conferência Geral afirmando suas convicções sobre a questão da natureza humana de Cristo. Eis uma das enfáticas sobre o tema:

“Apesar de Jesus Cristo ter tomado sobre Si carne pecaminosa – carne na qual pecamos – Ele a assumiu. Esvaziando-se de Si mesmo e recebendo a plenitude do próprio Deus, o Senhor pôde mantê-Lo livre de pecar nessa carne pecaminosa.” 

Não obstante, mais completa e detalhada consideração de Prescott é encontrada em seu estudo sobre João 1:14, apresentado durante sua visita à Austrália (1894-1895). Ele foi um destacado orador em vários encontros campais organizados especialmente para sua visita. Ellen White, que estava vivendo naquele país desde o final de 1891, participou igualmente dessas assembléias. Por isso mesmo ouviu Prescott pregar e não ocultou sua apreciação a respeito.

O teor completo de seu estudo foi publicado na revista australiana The Bible Echo (O Eco Bíblico).  Em sua análise, Prescott declara enfaticamente que Cristo revestiu-Se de carne pecaminosa. 

Vinte e cinco vezes ele afirma que Jesus veio a este mundo com a decaída natureza humana, e por duas vezes especifica que nosso Senhor não chegou à Terra com a natureza de Adão antes da queda. É válido, então, sumariar aqui as quatro principais idéias que estão claramente registradas nesse importante estudo bíblico intitulado: “E o Verbo Se Fez Carne.”

1. A Encarnação – Uma Verdade Fundamental

Prescott inicia o estudo ressaltando sua preferência pela American Revised Version (Versão Americana Revisada), a tradução mais fiel ao texto original: “E o Verbo Se fez carne”, preferivelmente a “A Palavra foi feita carne”. Ele escreve: “Através dEle todas as coisas vieram a existir. Agora, Ele próprio veio a existir. Aquele que possuíra toda a glória com Seu Pai, agora põena de lado e Se torna carne. Abre mão de Seu modo divino de vida, assume o modo humano de existência, e Deus Se manifesta em carne. Essa verdade é o fundamento de toda a verdade.”

2. Humanizado em “Carne Pecaminosa” 

Para provar esse ponto, Prescott faz referência a Hebreus 2:14: “Portanto, visto como os filhos são participantes comuns de carne e sangue, também Ele semelhantemente participou das mesmas coisas, para que pela morte derrotasse aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo.” 

Dessa passagem Prescott deduziu que “Jesus Cristo tinha exatamente a mesma carne que nós – carne de pecado, carne através da qual pecamos, mas na qual Ele não pecou e em que levou nossos pecados.” Então, desafiava seu auditório: “Não coloquem esse ponto de lado. Não importa como você o viu no passado, veja-o agora como ele está na Palavra; e quanto mais você o vê desse modo, mais razão terá para agradecer a Deus porque isso é assim.”

Passando para o caso de Adão, Prescott assevera que pelo seu pecado ele perdeu a imagem de Deus, e assim também seus descendentes. Eis porque “Jesus Cristo veio, da carne e em carne, nascido de mulher e debaixo da lei; nascido do Espírito, mas na carne. 

E que carne poderia Ele tomar senão a daquela ocasião? Não apenas isso, mas foi a própria carne que Ele tencionou assumir; porque, como você pode ver, o problema era ajudar o homem a sair da dificuldade em que se havia metido... A obra de Cristo tem de ser, não destruílo, não criar uma nova raça, mas recriar o homem, restaurá-lo à imagem de Deus.”

A fim de executar a obra de salvação, “Jesus Cristo veio para essa finalidade, e para realizá-la, Ele veio, não para onde o homem estava antes da queda, mas após ela... Quando Cristo veio para ajudar o homem a sair do fosso, Ele não foi até a beirada do Céu para examinar a situação e dizer: Suba até aqui e Eu o ajudarei a retornar... Jesus Cristo desceu onde ele estava e o encontrou ali. Ele Se revestiu de sua carne e Se tornou um irmão para ele.”

3. A Carne de Adão Após a Queda

Em seu artigo, Prescott repete incansavelmente o ponto que considera fundamental: “Ele veio e tomou a carne pecaminosa que essa família havia produzido para si mesma pelo pecado, e operou sua salvação condenando o pecado na carne... Para redimir o homem desde o ponto em que ele havia caído, Jesus veio e revestiu-Se da carne então possuída pela humanidade.”

Da mesma maneira, quando Prescott considera a tentação à qual Cristo e Adão estiveram sujeitos, especifica que “foi na carne pecaminosa que Ele foi tentado, e não na carne através da qual Adão caiu.” 

É verdade, acentua Prescott, que Jesus “possuía a santidade que O capacitava a vir e habitar em carne pecaminosa e glorificá-la por Sua presença nela; e foi isso o que Ele fez, assim que quando ressurgiu dos mortos, foi glorificado. Seu objetivo era, após purificar a carne pecaminosa por Sua presença nela, poder santificar e glorificar a carne pecaminosa em nós.”

4. Cristo em Nós, a Esperança da Glória

Após a exposição teológica, Prescott extraiu as aplicações práticas: “Vamos penetrar na experiência de Deus nos haver dado Jesus Cristo para habitar em nossa carne pecaminosa, para nela atuar como fez quando aqui esteve. Ele veio e aqui viveu para que pudéssemos, através dEle, refletir a imagem de Deus.”

Prescott prosseguiu, exclamando: “Esse é o próprio âmago do cristianismo.” Em apoio, ele cita o apóstolo João: “... Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não é de Deus.” (I João 4:2 e 3).

“Agora, isso não pode significar o simples reconhecimento de que Jesus Cristo aqui esteve e viveu na carne. Os demônios também o reconhecem. Eles sabem que Cristo veio em carne. A fé que vem pelo Espírito de Deus afirma: ‘Jesus Cristo veio em minha carne; e eu O aceitei.’ Esse é o coração é a vida do cristianismo.”

“A dificuldade do cristianismo moderno é que Cristo não habita nos corações dos que professam Seu nome. Ele lhes é como um intruso, alguém visto de longe como um exemplo. Mas Ele é mais do que um modelo para nós. 

Cristo nos fez saber qual é o ideal de Deus para a humanidade, e então veio e viveu esse ideal diante de nós, para que pudéssemos ver o que é ser conforme a imagem de Deus. Depois morreu e ascendeu ao Pai, enviandonos Seu espírito, Seu próprio Representante, para viver em nós, a fim de que a vida que Ele viveu na carne possamos vivê-la mais uma vez. Isso é cristianismo.”

“Não é suficiente falar de Cristo e da formosura de Seu caráter. Cristianismo sem Cristo habitando no coração não é genuíno. É tão-somente legítimo cristão aquele que tem Cristo habitando em seu coração;  podemos unicamente viver a vida de Cristo tendo-O habitando  em nós... Não esteja satisfeito com qualquer outra coisa... ‘Cristo em vós, a esperança da glória’. Seu poder, Sua presença, isso é cristianismo.”

Assim Prescott realçava consistentemente a diferença entre o cristianismo tradicional, que está satisfeito com um Cristo que não partilha da carne e do sangue da humanidade e que, conseqüentemente, não poderia torná-los ‘participantes da natureza divina’ (II Ped. 1:4); e o cristianismo evangélico que afirma, em oposição, que Cristo veio ‘em carne pecaminosa’ (Rom. 8:3), que foi ‘tentado em todas as coisas, como nós, mas sem pecado’ (Heb. 4:15), e que ‘é poderoso para fazer muitíssimo mais que tudo quanto pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera” (Efés. 3:20).

Prescott conclui, desejando que a vida de Jesus Cristo, “o Verbo” que “Se tornou carne”, possa ser refletida em nós cada dia.

Ellen White Aprova a Cristologia de Prescott

No início de 1895, Jones apresentou na sessão da Conferência Geral o que ele cognominou “a terceira mensagem angélica”. Ele a equiparou à mensagem da “justificação pela fé”, baseada na plena humanidade de Cristo e em Sua perfeita divindade como pré-requisito de nossa reconciliação com Deus.

Em virtude de ser essa também a convicção da comunidade adventista americana, os líderes da organização enviaram Prescott para pregar tal mensagem nas igrejas além-mar, na África do Sul, na Austrália e na Europa.  Graças à revista australiana, que publicou seu estudo denominado “O Verbo Se Fez Carne”, e aos numerosos testemunhos de Ellen White, sabemos precisamente o que Prescott ensinou com respeito à natureza humana de Cristo, e a que ponto sua apresentação foi apreciada e considerada como expressão da fé adventista.

Na reunião campal de Armadale, próxima a Melbourne, Austrália, Prescott transmitiu seu estudo sobre João 1:14. Ellen White estava presente. Ela havia falado perante a mesma assembléia na noite de domingo, dia 31 de outubro de 1895. Assim, a Sra. White sabia exatamente do que estava falando quando expressava, através de cartas, sua entusiástica apreciação pela mensagem apresentada por Prescott.

Eis o que descobrimos num dos manuscritos de Ellen White, redigidos na manhã da apresentação de Prescott. “Tenho ouvido os sermões do Prof.

Prescott. Eles são um poderoso apelo ao povo... [Suas] palavras são ditas em demonstração do Espírito e com poder. Sua face toda brilha com a luz celestial. A presença do Senhor se faz sentir em todos os nossos encontros diários.” 

Ainda em outro manuscrito, lemos mais especificamente como ela recebeu o conteúdo da mensagem de Prescott: “O Senhor visitou Prescott de maneira particular e lhe deu uma mensagem especial para o povo... A verdade flui dele em ricas torrentes; o povo diz que a Bíblia é agora uma nova revelação para eles.” 

Numa carta escrita nesse tempo, Ellen White diz: “O Senhor enviou Prescott; ele não é um vaso sem conteúdo, mas cheio do tesouro celestial. Ele apresenta verdades com clareza e estilo simples, repletas de nutrição.”  Outra carta: “W. W. Prescott tem sido portador de candentes verdades, tais como ouvi em 1844. A inspiração do Espírito Santo está sobre ele. Prescott nunca teve tamanho poder ao pregar a verdade.” 

Outras cartas poderiam ser citadas, nas quais Ellen White repete elogios não somente ao próprio Prescott, mas também ao teor de sua mensagem apresentada “sob inspiração do Espírito Santo”. Não se limitando simplesmente a mencioná-lo em sua correspondência particular, a Sra. White insistiu em tornar conhecida a toda a igreja sua apreciação, num artigo enviado à Review and Herald, publicado em 7 de janeiro de 1896. O seguinte excerto faz referência específica ao estudo de Prescott sobre o tema, “O Verbo Se Fez Carne”.

“Certa noite (31 de outubro), o Prof. Prescott deu a mais valiosa lição, preciosa como o ouro. A tenda estava lotada e muitos permaneciam do lado de fora. Todos pareciam fascinados com o sermão, onde ele apresentava a verdade em linhas tão novas para aqueles que não são de nossa fé. 

A verdade era separada do erro e feita, pelo divino Espírito, brilhar como jóias preciosas... O Senhor está operando com poder através de Seus servos que estão proclamando a verdade, e Ele concedeu ao irmão Prescott uma mensagem especial para o povo. O poder e o espírito da verdade veio de lábios humanos em demonstração do Espírito e poder de Deus. O Senhor visitou o irmão Prescott de maneira extraordinária. Temos certeza de que o Senhor o tem dotado com Seu Santo Espírito, e a verdade flui dele em ricas torrentes.” 

Esses testemunhos de Ellen White são de grande significado por sua relação com a história da Cristologia na igreja adventista. Eles confirmam a interpretação de Prescott acerca da natureza humana de Jesus. Também estabelecem o contexto no qual a carta dirigida ao Pr. W. L. H. Baker, escrita no mesmo período, deve ser interpretada. 

Alguns teólogos adventistas apóiam-se nessa carta para justificar sua “nova” interpretação, como veremos posteriormente neste estudo.  Devemos, entretanto, lembrar o que Ellen White escreveu sobre o assunto durante tal período. Está fora de questão se ela aprovaria a interpretação de Prescott com tal fervor, se fosse a favor de uma interpretação radicalmente oposta.

Prescott Confirma Sua Cristologia

Durante o ano de 1896, Prescott confirmou suas convicções sobre a natureza humana de Jesus, numa série de artigos publicados na Review and Herald.  Ele as apresentou de modo natural, como um porta-voz das crenças da igreja, e com base nos ensinos bíblicos.

Disse: “A Escritura não nos deixa na incerteza sobre que espécie de carne e sangue eram esses... quando Deus enviou Seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa... A carne que Jesus Cristo assumiu quando veio foi a única que alguém poderia tomar ao ser nascido de mulher, a qual era a carne do pecado.” 

Para evitar qualquer dúvida sobre o significado da expressão de Paulo “em semelhança de carne pecaminosa”, Prescott acrescentou uma declaração exata: “Ele [Jesus Cristo] não assumiu a semelhança do homem como Adão antes da queda, mas veio justamente no plano em que o homem se achava caído... e tomou sobre Si mesmo a carne do pecado.” 

Como os que antes dele haviam abordado o problema da natureza humana de Cristo, Prescott fez uso de Romanos 1:3 para afirmar que “as Escrituras dão ênfase à maneira de Seu nascimento... nascido da semente de Davi.” 

Eleito vice-presidente da Conferência Geral em 1901, e ao mesmo tempo editor-chefe da Review and Herald (1901-1909), Prescott aproveitou a oportunidade para repetir o ensino da igreja sobre a natureza humana de Jesus. Ele dedicou três editoriais em particular a esse tópico. Os títulos por si já revelavam o conteúdo:

“Como Seus Irmãos”, “Cristo e Seus Irmãos” e “Na Carne do Pecado.” 

O terceiro artigo foi dedicado a responder a questões apresentadas pelos leitores. De modo natural, um deles fez o seguinte comentário sobre Romanos 8:3: “Noto que esse texto não diz que Deus enviou Seu próprio Filho ‘em carne pecaminosa’, mas ‘em semelhança de carne pecaminosa’. Parece-me uma declaração muito diferente.”  Em sua réplica, Prescott destacou quatro verdades fundamentais:

1. Jesus Participou do Sangue e da Carne Humanos.

Primeiramente, Prescott se refere a Hebreus 2:14-17, que declara que Jesus “participou da carne e do sangue” dos filhos dos seres humanos. “A natural e legítima conclusão dessa declaração seria que a carne e o sangue de Jesus foram os mesmos que os filhos têm. Isso é salientado mais adiante na mesma conexão: ‘Pois, na verdade, não presta auxílio aos anjos, mas sim à descendência de Abraão.’ Pelo que convinha que em tudo fosse feito semelhante a seus irmãos.’”

Então, sua primeira conclusão: “A missão de Jesus não foi resgatar anjos caídos, mas salvar homens decaídos. Ele, portanto, identificou-Se com o homem e não com anjos; e tornou-Se ‘em todas as coisas’ semelhante àqueles a quem Se propusera ajudar. A carne do homem é pecaminosa. Para ser igual ‘em todas as coisas’ era necessário que Jesus assumisse a carne pecaminosa.”

2. Uma Carne Semelhante à do Pecado.

Depois Prescott cita Rom. 8:3: “Em semelhança da carne do pecado”, e levanta a questão: “O que isso significa? Quer dizer “em carne pecaminosa”? Se sim, por que não foi escrito desse modo? Por que as palavras ‘carne do pecado’, como lidas à margem da Versão Americana Revisada, se apresentam como se não fosse intenção do autor transmitir o significado de que a carne de Jesus era a mesma carne pecaminosa que temos? Isso parece exigir uma interpretação forçada, a fim de adicionar qualquer outro significado à declaração.”

Prescott explica posteriormente: “Podemos compreender mais claramente o significado dessa passagem, se a compararmos com outra declaração na qual uma forma similar de expressão é usada. Eis aqui uma delas: ‘Mas esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-Se semelhante aos homens.’ 

Não podemos nós concluir com acerto que Jesus foi realmente um homem, quando lemos que Ele Se tornou ‘em semelhança de homem’? Certamente! O único modo pelo qual Ele poderia ser ‘em semelhança de homem’, era tornar-Se homem... 

Não está igualmente claro que o único jeito pelo qual Deus poderia enviar Seu Filho ‘em semelhança de carne pecaminosa’, seria o Filho ter carne pecaminosa? Como seria possível para Ele ser ‘em semelhança de carne pecaminosa’, e ainda Sua carne ser impecável? Tal interpretação envolveria uma contradição de expressões.”

Para evitar confusão, Prescott prontamente acrescenta que “embora Jesus houvesse sido enviado ‘em semelhança de carne pecaminosa’, todavia Ele não cometeu pecado. ‘Aquele que não conheceu pecado, Deus O fez pecado por nós; para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus’ (II Cor. 5:21).”

3. Enviou-O Para Condenar o Pecado na Carne.

Ainda desejando tornar mais clara a necessidade da “carne pecaminosa”, Prescott continua: “Para que o caráter de Deus pudesse ser manifesto nos homens pecaminosos que nEle cressem, era necessário que Jesus unisse a divindade à humanidade em Si mesmo, para que a carne que Ele portasse fosse a mesma dos outros homens em quem devia assim ser manifestado. 

Outra forma de expressar isso seria dizer que o Filho de Deus habitou na carne quando apareceu na Judéia, para poder preparar um caminho para morar na carne de todos os crentes, e que, portanto,  foi-Lhe necessário tomar o mesmo tipo de carne na qual deveria habitar mais tarde, quando estabelecesse domicílio nos membros de Sua igreja.” 

Essa não foi uma matéria meramente teórica. “Se o Filho de Deus não habitasse em carne pecaminosa quando nasceu neste mundo, então não seria baixada a escada do Céu à Terra, e o abismo entre o Deus Santo e a humanidade decaída não teria sido transposto. Seria então preciso que alguns meios posteriores fossem providenciados, a fim de completar a conexão  entre o Filho de Deus e a carne pecaminosa. E isso foi exatamente o que a Igreja Católica Romana fez. 

A doutrina dessa organização está em perfeita harmonia com o ponto de vista adotado por nosso correspondente. A expressão formal dessa doutrina é chamada de o dogma da imaculada conceição da virgem Maria... Evitamos essas conseqüências, recusando tal doutrina e sustentando o claro ensino escriturístico.”

4. Para Poder Participar de Sua Divina Natureza.

Ainda remanesce a segunda questão do leitor a ser respondida: “Como pode alguém em carne pecaminosa ser perfeito, ser santo?” Essa é uma questão comum levantada pelos novos conversos à mensagem adventista. 

Ela também suscitou uma resposta da parte de Ellen White: “Prescott considerava que ‘essa questão toca o próprio cerne de nosso cristianismo. O ensino de Jesus é: ‘Sede vós perfeitos, como é perfeito vosso Pai que está nos céus.’ E por meio do apóstolo Pedro vem a instrução: ‘Sede santos porque Eu Sou santo.’”

“Ninguém negará que temos uma carne pecaminosa e, portanto, perguntamos como será possível atender aos reclamos da Escritura, se é impossível a quem quer que seja ser perfeito ou santo em carne de pecado. 

A verdadeira esperança de atingir a perfeição e a santidade está baseada na maravilhosa verdade de que a perfeição e a santidade da divindade foram reveladas em carne pecaminosa na pessoa de Jesus. Não somos capazes de explicar como isso acontece, mas nossa salvação se fundamenta em crer no fato. Então pode ser cumprida a promessa de Jesus: ‘Se alguém Me amar, guardará a Minha Palavra; e Meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele morada.’ Essa é a glória maior de nossa religião, que mesmo a carne do pecado pode tornar-se um templo para a habitação do Espírito Santo.”

“Muito mais poderia ser dito em resposta à questão de nosso leitor, mas esperamos que os princípios envolvidos e sua relação com a experiência cristã tenham sido esclarecidos, e que nenhum de nossos leitores aceite a doutrina romanista, porque eles são incapazes de explicar o mistério da piedade. É seguro crer apenas no claro ensino das Escrituras.”

Uma Mensagem Verdadeiramente Cristocêntrica

Aos olhos de Prescott, a verdade fundamental de que Cristo pôs de lado Sua igualdade com Deus para Se tornar um simples homem, “semelhante aos homens”, “em todas as coisas”, “participando da carne e do sangue” da humanidade, permanece como “a verdade central do Cristianismo”. 

Ele punha ênfase nesse ponto, em oposição às interpretações de outras denominações, por causa de sua novidade a muitos recém-conversos à mensagem adventista, e por causa de sua importância na compreensão de como Jesus foi capaz de “condenar o pecado na carne” e capacitar pecadores a se libertarem da “lei do pecado e da morte” pelo poder “do Espírito de vida em Cristo Jesus” (Rom. 8:2-4).

A mais ampla Cristologia de Prescott é vista em seu livro “A Doutrina de Cristo”, publicado em 1920, como livro didático para colégios e seminários.  Como explanado na introdução, esse livro não era um tratado de teologia sistemática, mas “a revelação de Cristo”, visando a uma experiência prática na vida do crente. 

Ele tratou do assunto com simplicidade em 18 seções, cada qual compreendendo várias lições. Cada lição é dividida em duas partes: a primeira contendo referências bíblicas apropriadas ao assunto; a segunda, incluindo numerosas notas explicativas. Como um  todo, essa obra é realmente uma Cristologia no sentido mais amplo do termo. Para nossos propósitos, deveríamos olhar apenas as mais significativas declarações nas três lições dedicadas à encarnação. 

Para Prescott, Cristo era a verdade central do Cristianismo, e a encarnação constituía “a integralidade do evangelho”, “a verdade... absolutamente essencial à religião cristã”, “a madura expressão, na plenitude do tempo, da verdade de que ‘Deus é amor’.”305

De fato, “o Verbo não apenas ‘veio em carne’, como em I João 4:2, mas ‘tornou-Se carne’. Essas últimas palavras implicam que o Eterno Filho apresentou em Sua encarnação um modo existencial novo para Ele, tornou-Se o que não era antes; que Ele não somente tomou sobre Si a forma corporalmente humana, mas aceitou as limitações de uma vida coerente com Seu modo de existir enquanto na Terra.” 

“Aquele que compreende a encarnação do Filho de Deus”, escreveu Prescott, “tem um terreno mais seguro de fé e uma mais rica esperança e direto acesso ao Céu, do que se a escada de Jacó ficasse ao lado da cabeceira de sua cama e os anjos de Deus o estivessem servindo.”  Pois ao tempo de Sua encarnação “de um modo efetivo e fundamental, embora inexplicável para nós, o divino Salvador Se uniu à raça pecadora do homem que Ele apresentou em Seu próprio corpo, em Sua própria experiência pessoal; não somente o peso de suas fraquezas físicas, mas também de seu pecado, embora não a culpa”. 

Para evitar qualquer possível dúvida sobre essa noção, Prescott especifica novamente o que diferencia a natureza humana de Jesus daquela de Adão. “Cristo assumiu não a original e impecável, mas nossa decaída humanidade. Nessa segunda experiência, Ele permaneceu não precisamente onde Adão antes dEle estava, mas com imensas desvantagens. O mal, com todo o seu cortejo de vitórias e conseqüente entronização na própria constituição de nossa natureza, armado do mais terrível poder contra o possível cumprimento da idéia divina de homem – a perfeita santidade.

Considerando tudo isto – as desvantagens da situação, os tremendos riscos envolvidos e a ferocidade da oposição encontrada –, chegamos à compreensão adequada da realidade e da grandeza da vasta realização moral: a natureza humana tentada, provada, falida em Adão, e erguida por Cristo à esfera da perfeita impecabilidade.” 

A razão para a encarnação foi o único ponto deixado para ser explicado. “O problema que, ao assumir a decaída natureza humana Cristo propôs e aceitou para Si mesmo, não foi nenhum outro senão este, isto é, pessoalmente identificar-Se com sua sorte total, e partilhar a real incapacidade acrescentada pelo pecado, para assenhorear-se, nele e por ele, do infernal poder que operara todo dano e aflição.” 

Assim Deus providenciou nossa salvação, concluiu Prescott. “Ele [Cristo] era Deus manifesto em carne, e veio à Terra ‘para poder conduzir-nos a Deus’. Isso é o que torna Cristo central e dominante em cada vida que O recebe, conquistando confiança, redimindo do pecado, impelindo à devoção, e inspirando esperança. Isso porque Ele é Deus manifesto, Deus que penetrou na vida humana, Deus satisfazendo às carências humanas.” 

“Temos apenas contado metade da história do amor divino, quando falamos da descida do Filho de Deus de Sua grandeza e majestade, para as tristezas e conflitos da vida terrena; e que metade dessa história é incrível até vermos claramente que Ele veio para erguer a raça humana às alturas de Deus.” 

“Ele Se manifestou – e não nos permitiu interpretar nEle qualquer coisa pequena ou estreita. Se nós o fazemos, seremos dirigidos imediatamente ao ponto de termos de negar a declaração de que Ele pode expiar pecados. 

Se Cristo fosse meramente um homem como eu, embora  perfeito e sem pecado, não poderia perdoar pecados. Se nEle podemos ver tudo aquilo que João quis dizer, de acordo com o testemunhos de seus próprios escritos, começaremos a perceber algo da estupenda idéia e algo da possibilidade de, pelo menos, crer na declaração de que ‘Ele Se manifestou para tirar os nossos pecados.’” 

Conclusão

Indubitavelmente, a carreira de Prescott foi singular em muitos aspectos, em relação à história da igreja adventista. Brilhante educador, professor de teologia, editor, proficiente administrador e vice-presidente da Conferência Geral, ele exerceu decisiva influência em prol do desenvolvimento da obra de educação e da clarificação de várias doutrinas. Em particular, Prescott contribuiu  para a expansão da mensagem da justificação pela fé além das fronteiras dos Estados Unidos, durante suas viagens pelo mundo.

Como Waggoner e Jones, Prescott fez seu melhor para edificar a mensagem sobre a Cristologia que, conquanto reconhecendo plenamente a perfeita divindade de Cristo, dava destaque à natureza humana de Adão após a queda, vale dizer, uma natureza pecaminosa, como condição da reconciliação da humanidade com Deus. Certamente, a Cristologia de Prescott reúne o mérito de ser a mais completa e a mais explícita.

Por sua competência e prestígio que gozava como vice-presidente da Conferência Geral, ele foi evidentemente autorizado como porta-voz da igreja. Seu testemunho constitui inegável indicação do que os adventistas ensinaram e creram com respeito à natureza humana de Cristo, desde a origem do movimento até o final da longa carreira de Prescott, em 1944.




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