O Pecado Original (Pr. Mario Veloso RA 1995)

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O Pecado Original 

O ser humano já nasce com pecado original ou ele desenvolve o pecado a partir do crescimento ou de sua vivência? Ele tem o pecado inerente, entranhado em sua natureza, ou tem (nasce) natureza pecaminosa mas sem pecado até que peque pela primeira vez? 

O conceito de pecado original tem sido exposto, através da história do cristianismo , seguindo duas linhas de pensamento: como um estado de culpa, e como um "estar situado". A primeira reflete a doutrina tradicional e a segunda expõe esta doutrina no marco do novo humanismo. 

O pecado original como estado de culpa — Duas posições atuais permitem-nos u m a visão clara acerca do conceito de pecado original . Em primeiro lugar exporemos o modo como o magistério da Igreja Católica o tem definido e em segundo lugar transcreveremos o artigo de fé da Igreja Anglicana sobre este particular. 

O magistério da Igreja Católica estabelece que cada ser humano se encontra num estado de culpa mesmo antes de cometer seu primeiro pecado pessoal. O pecado original não é um pecado cometido mas contraído. No entanto, é pecado próprio (Piet Schoonenberg, " Elhombreem pecado", Mysterium Saluiis, vol. I I , tomo 2, pág. 1.204) "do indivíduo" e também é pecado "de todo o gênero h u m a n o " (José I. V i c e n t i n i , "Comentário aos Romanos", La Sagrada Escritura, B.A.C. NT, T o m o I I , pág. 226), não se contrai por imitação mas p o r herança. 

Nos artigos de fé da Igreja Anglicana é definido da seguinte maneira: "O pecado original é a falta e corrupção de todo hom e m por meio da qual todo indivíduo está separado de sua retidão original e é por sua própria natureza inclinado ao mal, de maneira que a carne tem sempre desejos contrários ao espírito; e, portanto, cada pessoa nascida neste m u n d o merece a ira e a condenação de Deus" (Wiley, Culbertson, Introducción, pág. 197). (O grifo no texto é nosso.) 

Segundo o que acabamos de ver, o pecado de Adão é imputado a cada h o m e m (Jonathan Edwards, "Some Evidences of Original Sin from Facts and Events", Man's need, págs. 131-151; o citado é da pág. 131) e, em conseqüência, é responsável e culpado pelo pecado de Adão, merecendo seu castigo pelo simples fato de que todos procedemos de Adão (Max Mainertx, Teologia dei Nuevo Testamento, Madrid , Ediciones Fax, 1966, págs. 297-315). O primeiro a elaborar a d o u t r i n a do pecado original foi Santo Agostinho (354-430). 

Santo Agostinho, em oposição a Pelagio, defendeu a idéia de que o pecado de Adão transmite sua responsabilidade a todos os homens e os faz culpáveis. Seus argumentos eram dois: (1) Adão é o pai físico de toda a raça humana. 

Os homens são pecadores por haverem herdado o pecado como descendentes deste p r i m e i r o pai pecador. Deste modo, o pecado aparece como o produto de um fato puramente natural, isto é, a descendência física de Adão, e cada h o m e m deve tomar sobre si a responsabilidade e a culpa de um ato que ele não cometeu. (2) Adão era o representante de toda a raça humana. 

Em conseqüência, todos os homens são pecadores em Adão. Se no argumento anterior é destacada a herança física, neste chama-se a atenção à solidariedade da raça h u m a n a no ato pecaminoso e a culpabilidade de Adão (Emil Brunner, Man in revolt, Philadelphia, The Westminster Press, 1939, págs. 118-122). 

Santo Agostinho baseou sua doutrina do pecado original no capítulo 5 da epístola aos Romanos. Considera-se que Romanos 5:12-21 é o locus clasicus desta doutrina e sua exegese tem sido "uma das tarefas mais difíceis da teologia bíblica" (Ibid., pág. 119). 

Embora todo o texto esteja sob consideração, a m a i o r dificuldade que se apresenta está relacionada c o m o versículo 12, que diz: "Portanto, assim como por um só h o m e m entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a m o r t e passou a todos os homens, porque (efhõ) todos pecaram." 

A expressão efhõ é a que apresenta a dificuldade neste versículo. Desde o século IV alguns pais gregos deram início à sua tradução pela expressão latina in quo, dando-lhe assim o sentido de um pronome relativo que se refere a Adão. 

A frase ficaria, então, " n o q u a l t o d o s pecaram". No "Ambrosiáster", autor desconhecido do século IV cujas obras foram atribuídas por m u i t o tempo a Santo Ambrósio, encontra-se a idéia de "condenação" e o fato de que "a multidão se convertera em pecadora". Entretanto, este último conceito mescla-se c o m a idéia dos pecados pessoais. 

Santo Agostinho, em conseqüência, é o p r i m e i r o que faz uma exegese de Romanos 5:1221 interpretando a passagem apenas do ponto de vista do pecado original (Piet Schoonenberg, Mysterium Salutis, vol. I I , tomo 2, págs. 1.007 e 1.008). Entretanto, sua exegese da expressão efhõ é questionável. 

Não se trata de um pronome relativo, mas por estar acompanhado de uma proposição, encontramonos ante u m a perífrase por u m a conjunção, cujo significado é "dado que", " porquanto " (Joseph H e n r y Thayer, A GreekEnglish Lexicon of the New Testament, N e w York, American Book Company, 1886, pág. 455). A frase, portanto, deve ser traduzida: " por quanto (ou dado que) todos pecaram." 

A atuação da simples preposição epí, de cuja presença Santo Agostinho descuidou completamente, dá à frase um sentido muito diferente. Já não se trata de um pronome relativo cujo antecedente seria: um homem — se fosse assim teria que concordar no caso, gênero e número com seu antecedente, o que não acontece — mas expressa a causa pela qual ocorre o declarado na frase anterior. A morte passou a todos os homens porque todos pecaram. 

Desta maneira, o versículo nos diz que por um h o m e m entrou o pecado no m u n d o , dando assim ao pecado um sentido pessoal e a sua entrada no m u n d o lhe dá características históricas. Houve um momento na História quando o pecado entrou no mundo por meio de um h o m e m . Por intermédio do pecado foi introduzido a morte. 

Logo passa da esfera dos acontecimentos históricos à esfera das experiências e responsabilidades individuais. A morte espalhou-se entre todos os homens porque todos eles pecaram. Pelo contexto esta expressão, além de incluir a responsabilidade pessoal, expressa a condição da raça humana completa. 

Pois o pecado de Adão e Eva, depravando sua natureza (E. G. White, Patriarcas e Profetas, pág. 55: "Sua natureza ficara depravada pelo pecado."), os fez abandonar seu "estado de inocência e santidade" (Ibidem, pág. 51), diminuiu seu poder para resistir ao mal, t o r n o u mais fácil o acesso de Satanás a eles e adormeceu sua percepção moral {Ibid., pág. 374). 374). 

O que Adão e Eva transmitiram de herança a seus descendentes não foi a culpabilidade do pecado, como ensinava Santo Agostinho, mas a tendência a pecar. 

De Adão em diante foi muito fácil cometer o pecado pois a relação direta c o m Deus estava cortada (Isa. 59:2) e porque, ao contrário do que ocorreu c o m Adão (E. G. White , O Desejado de Todas as Nações, pág. 81), o homem sofria os efeitos do pecado e estava escravizado por Satanás (E. G. White , Caminho Para Cristo, pág. 17). 

Além de Romanos 5:12-21, outros textos têm sido usados para apoiar a d o u t r i n a do pecado original. São os seguintes: II Cor. 5:14; I Cor. 15:21; Sal. 51:5. Destes, o único que t e m tido alguma força de argumentação é I Cor. 15:21 e 22, porém este não se refere à transmissão do pecado, mas à transmissão da morte. 

"Visto que a morte veio por um homem, também por um hom e m veio a ressurreição dos mortos. Porque assim como em Adão todos morrem , assim também todos serão vivificados em Cristo." 

Este texto realmente não dá nenhum apoio à doutrina do pecado original. Em contraposição à doutrina do pecado original, Santo Agostinho o chamava peccatum originale. Pelagio, monge britânico, no ano 409 apresentou em Roma sua d o u t r i n a do peccatum naturale ou pecado natural. 

Não admitia a propagação do pecado na forma hereditária pois, segundo ele, cada pessoa vem ao mundo com uma alma criada diretamente por Deus em estado de inocência, livre de tendências depravadas e c o m a mesma capacidade de servir a Deus como teve Adão no momento de sua criação (A. H. Strong, Systematic Theology, pág. 597). 

A transgressão de Adão não foi imputada à sua posteridade e a m o r t e que cada ser humano sofre não é um castigo pelo pecado de Adão mas uma consequência natural (Gustave F. Wiggers, 'The pelagian view of original sin', An Historical Presentation of Austinism and Pelagianism from the Original Sources (Androver N. Y., Coud, N e w m a n and Saxton, 1840), págs. 83-88). 

Pelagio cria que a contínua insistência no fato de que o hom e m está depravado e debilitado é a causa pela qual cada ser h u m a n o peca, pois pensando que ele não pode fazer o u t r a coisa senão pecar, está psicologicamente preparado para cometer o pecado (M. J. Erickson, Man's need, pág. 101). 

A isto é somada a realidade do mal, exemplo que desde Adão é u m a força poderosa que induz os homens ao pecado (A. H. Strong, Systematic Theology, pág. 597). As ideias de Pelagio foram condenadas pelo Concílio de Cartago, no ano 418. 

O único elemento resgatável na doutrina de Pelagio é a ação que estimula a força do exemplo. Desde cedo este exemplo deve ser considerado como u m a força que se exerce sobre um h o m e m que já possui uma natureza depravada. Este era o caso dos homens que seguiram o exemplo de Caim. 

"A influência exercida sobre seus descendentes por sua vida e ensino, determinou o estado de corrupção que exigiu a destruição do mundo inteiro pelo dilúvio" (E. G. White, Patriarcas e Profetas, pág. 334). 

Os reformadores f o r a m partidários da doutrina sobre o pecado original. Martinho Lutero, seguindo a Santo Agostinho, equipara o pecado original coma concupiscência. 

Melanchton também defendia a doutrina do pecado original exposta no segundo artigo da Confissão de Augsburgo, da seguinte maneira: "Ensimanos que, devido à queda de Adão, todos os homens que nascem naturalmente são concebidos e nascem em pecado, isto é, que todos eles estão cheios de concupiscência e de más inclinações desde o seio materno e não podem por natureza ter nenhum verdadeiro temor de Deus nem uma verdadeira fé em Deus; que a mesma concupiscência e o pecado original inatos são verdadeiros pecados e todos os que nasceram pelo batismo e pelo Espírito Santo são condenados pela ira eterna de Deus" (Die Bekenntnisschrisften der evangelischlutherischen Kirche, (Gotinga, Deutscher Evangelischer K i r chenausschuss, 1956), pág. 53, citado por Piet Schoonenberg, Mysterium Salutis, vol. I I , tomo 2, pág. 1.015). 

Calvino também aceita este conceito de pecado original e defende que o entendimento e a vontade do h o m e m estão completamente corrompidos. 

Armínio (1560-1609), professor na Universidade de Leyden, no Sul da Holanda, cujas idéias são defendidas atualmente pelos metodistas, opõe-se à doutrina do pecado original da Reforma e da Igreja Católica. Armínio afirma que todos os homens, enquanto continuam na transgressão de Adão, estão destituídos da justiça original e devem sofrer as consequências da miséria e morte. 

A incapacidade que têm os homens de obedecer, deve-se ao fato de haverem herdado de Adão a tendência ao pecado; portanto, sem Cristo, o h o m e m não pode, de maneira nenhuma, alcançar a vida eterna. 

Tão logo o ser humano chegue a um estado consciente, Deus lhe provê uma influência especial do Espírito Santo para que ele possa resistir aos efeitos de sua herança depravada, criando-lhe assim as condições favoráveis para a obediência, cuja realidade depende não apenas deste poder do Espírito Santo mas também da cooperação da vontade humana c o m ele. 

Deus somente imputa como pecado as tendências herdadas quando o homem consciente e voluntariamente permite que elas atuem de maneira contrária ao poder do Espírito Santo. 

Armínio considera que a morte não é a pena que os homens sofrem por compartilhar do pecado de Adão, mas se trata simplesmente das consequências que o pecado introduz no m u n d o porque todos transformam em atos de transgressão suas tendências interiores herdadas para o pecado (A. H. Strong, Systematic Theology, pág. 601 e 602). De todas as posições que temos estudado nesta seção, a de Armínio parece ser a que mais se aproxima da Sagrada Escritura. 

O pecado original como "estar situado"— Este conceito é mais recente e está vinculado ao surgimento do novo humanismo da antropologia teológica. Não é o conceito evolucionista que define o pecado original como a "transgressão primitiva de um homem primitivo " . — Christopher F. Mooney, Teilhard de Chardin y el mistério de Cristo (Salamanca, Ediciones Sígueme, 1967), pág. 9 1 . 

O conceito de estar situado indica que o homem se encontra n u m a circunstância composta por uma situação determinada e o ambiente que rodeia o homem. 

Esta circunstância determina interiormente a pessoa e constitui o pecado original que não é voluntário, salvo no fato de que existe pela vontade de Adão, porém não pela decisão de nenhuma outra pessoa posterior a ele (Piet Schoonenberg, Mysterium Salutis, vol. I I , Tomo 2, págs. 1.028-1.032). 

O pecado original procede unicamente de uma situação exterior e elimina completamente a responsabilidade do h o m e m sobre seu pecado pessoal, transferindo-a às estruturas sociais que f o r m a m a situação na qual o h o m e m se encontra. 

Os dois conceitos de pecado original — como estado de culpa e como estar situado — reduzem a responsabilidade pessoal do homem em seus atos pecaminosos, porque o primeiro considera que tanto o pecado como a culpa chegam a eles por uma decisão de Adão e não por uma decisão pessoal e o segundo coloca a responsabilidade no ambiente que rodeia o homem. 

Isto está em completa oposição à doutrina do pecado que encontramos através de toda a Escritura Sagrada, onde o pecado é sempre um ato do homem. "Por maior que seja a pressão exercida sobre a alma, a transgressão é o nosso próprio ato" (E. G. White, Patriarcas e Profetas, pág. 442). E assim como "Adão não podia negar nem desculpar seu pecado" (Ibid., pág. 51), nosso pecado não tem desculpas. 

"A tentação mais forte não pode desculpar o pecado" (Ibid., pág. 442). Esta situação ficou claramente comprovada quando Adão e Eva tiveram que enfrentar as perguntas que Deus lhes fez imediatamente depois de haverem cometido o pecado. 

• FONTE 

Artigo do Pr. Mario Veloso na Revista Adventista do mês de setembro de 1995, páginas 14 a 16.

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