Parte 2 - A CRISTOLOGIA DOS PIONEIROS DA IGREJA ADVENTISTA
Capítulo 3 - A CRISTOLOGIA DE ELLEN G. WHITE (1827-1915)
Ellen G. White desempenhou um importante papel durante a formação das crenças fundamentais da Igreja Adventista. Ela foi a primeira líder – e realmente a única – que, anteriormente a 1888, expressou-se por escrito sobre a posição da natureza humana de Jesus, a qual foi finalmente adotada por toda a jovem comunidade.
Após suas primeiras declarações sobre o assunto, em 1858, Ellen continuou a expressar seus pensamentos concernentes ao tema com crescente clareza, em artigos publicados na Review and Herald, e mais tarde em seus livros. Em 1874, uma série de artigos tratando da tentação de Cristo apresentou a essência de sua Cristologia.
Em 1888, na sessão da Conferência Geral de Mineápolis, onde Ellet J. Waggoner tornou a divindade e a humanidade de Cristo o fundamento da justificação pela fé, todos os elementos de sua Cristologia haviam já sido expressos nos escritos de Ellen White.
A pessoa e a obra de Jesus foram sempre o centro do interesse de Ellen White. “A humanidade do Filho de Deus” era tudo para ela. Ela a chamava “a cadeia de ouro que liga nossas almas a Cristo, e através de Cristo a Deus”. Esse assunto é o âmago de seus escritos, até sua morte em 1915.
Apenas seis meses antes de depor a pena, ela escreveu: “Ele [Cristo] fez-Se de nenhuma reputação, tomou sobre Si a forma de servo, e feito em semelhança da carne do pecado... Imaculado e exaltado por natureza, o Filho de Deus consentiu em tomar as vestes da humanidade, para tornar-Se um com a raça decaída. O Verbo Eterno permitiu tornar-Se carne. Deus tornou-Se homem.”
Infelizmente, Ellen White nunca tratou o assunto como um todo e de modo sistemático. Essa é uma fonte de dificuldade. Entre suas 120.000 páginas manuscritas , as declarações sobre a natureza humana de Jesus se contam às centenas.
Além disso, dependendo das circunstâncias e do ponto específico em consideração, os mesmos conceitos são algumas vezes tratados de modo tão diferente, que podem parecer contraditórios. Por essa razão, é importante colocar as declarações em seu devido contexto, e evitar a tentação de nos fiarmos em afirmações isoladas, pois isso é pré-requisito fundamental de uma exegese idônea. Esforçar-nosemos em seguir essas regras na síntese seguinte da Cristologia de Ellen G. White.
A Humanidade de Jesus
Como vimos, Ellen White atestava convictamente a divindade de Cristo. Ela é enfática sobre esse ponto. Todavia, fala da humanidade de Cristo com a mesma convicção.
Não há qualquer traço de docetismo em seus escritos. O triunfo do plano da salvação dependia inteiramente da encarnação, do Verbo feito carne, e do Filho de Deus revestir-Se da humanidade.
“Cristo não aparentou tomar a natureza humana; Ele realmente a assumiu. Jesus, em realidade, possuía a natureza humana. ‘Portanto, como os filhos são participantes comuns de carne e sangue, também Ele semelhantemente participou das mesmas coisas...’ (Heb. 2:14). Ele era o filho de Maria; Ele era a semente de Davi, conforme a descendência humana. Declara-se ser Ele um homem, o Homem Cristo Jesus.”
Ellen White acentua a humana realidade de Jesus: “Ele não tinha uma mera semelhança de um corpo; Jesus tomou a natureza humana, participando da vida da humanidade.” “Ele voluntariamente assumiu a natureza humana. Fez isso por Sua própria iniciativa e consentimento.” “Ele veio como um desamparado bebê, possuindo a mesma humanidade que nós.”
Não satisfeita em declarar sua opinião de maneira geral, Ellen não hesitou em especificar: “Quando Jesus tomou a natureza humana e assumiu a forma de homem, possuía um organismo humano completo.” “Suas faculdades foram reduzidas ao próprio nível das débeis faculdades do homem.”
Embora Cristo tenha assumido a natureza humana com “os resultados da operação da grande lei da hereditariedade”, todavia “estava livre de qualquer deformidade física”. “Sua estrutura física não estava manchada por qualquer defeito; Seu corpo era forte e saudável. E através de toda a Sua vida, Ele viveu em conformidade com as leis da natureza. Física bem como espiritualmente, Ele foi um exemplo do que Deus deseja que toda a humanidade seja por meio da obediência às Suas leis.”
Repetidamente Ellen White explica que “não houvesse Cristo sido plenamente humano, não poderia ter sido nosso substituto”. Sobre esse ponto em particular, não há qualquer divergência entre os teólogos adventistas. Os pontos de vista diferem, mas apenas com respeito à espécie de natureza humana com a qual Cristo foi revestido. Era ela a de Adão antes ou depois da queda?
Nota do tradutor – O docetismo era um ensino ligado aos gnósticos, afirmando que Jesus não possuía realmente um corpo humano; que apenas pareceu ter morrido na cruz.
A Natureza de Adão Antes ou Após a Queda?
Essa é realmente uma questão preeminente. Os proponentes das duas interpretações discordam vigorosamente desde 1950. É surpreendente que a questão devesse surgir afinal. Obviamente, ninguém insinuaria que Adão antes da queda tinha uma carne “em semelhança da carne do pecado”, como o apóstolo Paulo diz que Cristo possuía. (Rom. 8:3).
Ellen White compara a natureza e posição de Adão antes da queda, e a natureza e posição de Jesus após milhares de anos de pecado: “Adão foi tentado pelo inimigo e caiu. Não foi o pecado interior que o fez ceder, pois Deus fê-lo puro e justo, à Sua própria imagem. Ele era imaculado como os anjos diante do trono. Não havia nele quaisquer princípios corruptos nem tendências para o mal. Mas, quando Cristo foi enfrentar as tentações de Satanás, portava a semelhança da carne do pecado.”
Em seu livro O Desejado de Todas as Nações, Ellen White muitas vezes contrasta a natureza e a situação de Adão e Jesus: “Teria sido uma quase infinita humilhação para o Filho de Deus tomar a natureza humana, mesmo quando Adão permanecia em sua inocência no Éden.
Mas Jesus aceitou a humanidade quando a raça estava enfraquecida por quatro mil anos de pecado. Como cada filho de Adão, Ele aceitou os resultados da operação da grande lei da hereditariedade. O que foram esses resultados está mostrado na história de Seus ancestrais terrenos. Ele veio com tal hereditariedade para partilhar nossas dores e tentações, e nos dar o exemplo de uma vida sem pecado.”
E novamente: “Cristo devia redimir, em nossa humanidade, a falha de Adão. Quando este fora vencido pelo tentador, entretanto, não tinha sobre si nenhum dos efeitos do pecado. Encontrava-se na pujança da perfeita varonilidade, possuindo o pleno vigor da mente e do corpo.
Achava-se circundado das glórias do Éden, e em comunicação diária com seres celestiais. Não assim quanto a Jesus, quando penetrou no deserto para medir-Se com Satanás. Por quatro mil anos estivera a raça a decrescer em forças físicas, vigor mental e moral; e Cristo tomou sobre Si as fraquezas da humanidade degenerada. Unicamente assim podia salvar o homem das profundezas de sua degradação.”
Finalmente, Ellen White deixa pouca dúvida acerca de sua posição referente à natureza pósqueda de Cristo, em sua declaração de 1874: “A grande obra da redenção podia ser efetuada apenas pelo Redentor tomando o lugar do decaído Adão.”
Uma afirmação feita em 1901 tocou no mesmo ponto: “A natureza de Deus, cuja lei havia sido transgredida, e a natureza de Adão, o transgressor, uniram-se em Jesus, o Filho de Deus e o Filho do homem.” Todavia, ela qualifica isso numa declaração feita em 1890: “Não devemos pensar que a possibilidade de Cristo ceder às tentações de Satanás degradou Sua humanidade, e que Ele possuía as mesmas pecaminosas e corruptas propensões como o homem.
A natureza divina, combinada com a humana, tornou-O suscetível de ceder às tentações de Satanás. Aqui o teste de Cristo era tanto maior do que aquele de Adão e Eva, pois Ele tomou a nossa natureza, decaída mas não corrompida.”122
Em todos os escritos de Ellen White não há uma simples referência que identifique a natureza humana de Cristo com a de Adão antes da queda. Contrariamente, sobejam declarações afirmando que Jesus tomou a natureza de Adão após 4.000 anos de pecado e degeneração. Em outras palavras, Ele revestiu-Se de nossa carne em estado decaído; ou, tomando emprestada a expressão de Paulo, “em semelhança da carne do pecado”.
A Natureza Humana em Estado Decaído
Ellen White acentua vigorosamente a semelhança da natureza de Jesus e a nossa. Não satisfeita em dizer que Jesus tomou a nossa natureza, ela repete que Ele a assumiu em seu “estado decaído” Noutra colocação ela usa a linguagem de Filipenses 2:7, a qual declara que Jesus “tornou-Se semelhante aos homens”.
Vale-se também de Romanos 8:3: “Porquanto, o que era impossível à lei, visto que se achava fraca pela carne. Deus, enviando a Seu próprio Filho em semelhança da carne do pecado, e por causa do pecado, na carne condenou o pecado.”
Com freqüência a Sra. White cita II Coríntios 5:21: “Àquele que não conheceu pecado, Deus O fez pecado por nós.” Ela faz uma conexão disso não apenas com a morte de Cristo na cruz como sacrifício vicário “pelos pecados de todo o mundo” (I João 2:2), mas também em ligação com o início de Seu ministério, ao tempo de Sua tentação no deserto e através de toda a Sua vida, como que estabelecendo a verdadeira natureza de Cristo, que levou “Ele mesmo, os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro...” (I Ped. 2:24).
“Cristo suportou os pecados e fraquezas da raça humana tais como existiam quando Ele veio à Terra para ajudar o homem... E para elevar o homem caído, precisava Cristo alcançá-lo onde se achava. Assumiu natureza humana e arcou com as fraquezas e degenerescência da raça. Ele, que não conhecia pecado, tornou-Se pecado por nós. Humilhou-Se até às mais baixas profundezas da miséria humana, a fim de que pudesse estar habilitado a alcançar o homem e tirá-lo da degradação na qual o pecado o lançara.”
Com relação a assuntos tão sérios e delicados como esse, Ellen White é muito clara e usa linguagem distinta sem duplos significados. A participação de Cristo em a natureza humana caída não poderia ser descrita com maior clareza.
“Pondo de lado Sua coroa real, Ele condescendeu em descer, passo a passo, ao nível da decaída humanidade.” “Pensemos sobre a humilhação de Cristo. Ele tomou sobre Si mesmo a decaída, sofrida, degradada e maculada natureza humana.”
E mais: “Ele Se humilhou e tomou sobre Si a mortalidade.” “Foi uma humilhação muito maior do que o homem pode compreender.”129 “Cristo tomou sobre Si as enfermidades da degenerada humanidade. Apenas desse modo podia Ele resgatar o homem dos profundíssimos abismos de sua degradação.”
Para evitar qualquer possível mal-entendido sobre a realidade da participação de Jesus em a natureza da humanidade caída, Ellen White amiúde emprega o verbo assumir, implicando que Ele realmente a tomou sobre Si mesmo. “Cristo assumiu nossa natureza decaída e expôs-Se a cada tentação a que o homem está sujeito.” “Ele assumiu os riscos da natureza humana, para ser provado e tentado.” “Ele assumiu a natureza humana, suas enfermidades, riscos e tentações.”
A participação de Cristo na plena natureza humana em seu estado decaído, é colocada por Ellen White como condição sine qua non para a salvação do homem. “Estava nos planos de Deus que Cristo tomasse sobre Si mesmo a forma e a natureza do homem caído, para que Ele pudesse ser aperfeiçoado através do sofrimento, e suportar em Si mesmo a força das tentações de Satanás, a fim de que conhecesse melhor como socorrer aqueles que são tentados.” “Por esse ato de condescendência, Ele seria capaz de derramar Suas bênçãos em favor da raça decaída. Assim Cristo nos tornou possível sermos participantes de Sua natureza.”135
Foi exatamente isso o que o autor da epístola aos Hebreus nos ensinou. “Convinha que em tudo fosse feito semelhante a Seus irmãos”, “para que pudesse estar em posição de libertar os seres humanos de seus pecados.” (Heb. 2:17). E acrescenta: “Porque naquilo que Ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados” (verso 18).
“Tentado de Todas as Maneiras, Como Nós...”
Ellen White fez tudo o que podia para explicar o significado dessa verdade. “Nosso Salvador veio a este mundo para suportar em natureza humana, todas as tentações com as quais o homem é assediado.” “Ele conhece por experiência quais são as fraquezas da humanidade, quais as nossas carências e onde jaz a força de nossas tentações, pois Ele foi ‘tentado em todos os pontos, como nós, mas sem pecado’” “Ele sabe quão fortes são as inclinações do coração natural.” , tendo-as experimentado em Si mesmo. “Alguns pensam que Cristo, por ser o Filho de Deus, não teve tentações como os filhos agora têm. As Escrituras dizem que Ele foi tentado em todos os pontos, como nós.”
“As tentações a que Cristo esteve sujeito foram uma terrível realidade... Se não fosse assim; se não Lhe fosse possível cair, Ele não poderia ser tentado em todos os pontos como a família humana é tentada.
As tentações de Cristo e Seus sofrimentos sob elas foram proporcionais ao Seu caráter impoluto e exaltado... Ele ‘resistiu até o sangue’ naquela hora quando o temor de fracasso moral era como o temor da morte. Enquanto curvado no Getsêmani, em agonia de alma, gotas de sangue afloraram-Lhe aos poros e umedeceram o relvado... Sobre a cruz Cristo sabia, como nenhum outro podia saber, o terrível poder das tentações de Satanás.”
“Nenhum outro nascido de mulher foi tão ferozmente assaltado pela tentação.” “Ele realmente enfrentou e resistiu às tentações de Satanás, como qualquer ser humano.”142 Em sua batalha no deserto, “a humanidade de Cristo foi posta à prova como nenhum de nós jamais poderá saber... Essas foram tentações reais e não simulacros.” O apóstolo o confirma quando fala das provações que Jesus teve de suportar: “Ainda não resististes até o sangue, combatendo contra o pecado.” (Heb. 12:4).
Na mesma carta, Ellen White descreve as tentações que Jesus teve de confrontar: “O Filho de Deus, em Sua humanidade, lutou com as mesmas cruéis e aparentemente esmagadoras tentações que assediam os homens - tentações para condescender com o apetite, a se aventurar presunçosamente aonde Deus os não conduziu, e darem culto ao deus deste mundo, sacrificarem uma eternidade de bem-aventurança pelos fascinantes prazeres desta vida.”
“As tentações que Cristo resistiu foram aquelas que achamos tão difícil suportar. Elas foram intensificadas sobre Ele em muito maior grau, na medida em que Seu caráter era superior ao nosso. Com o terrível peso dos pecados do mundo sobre Ele, Jesus resistiu à prova do apetite, do amor do mundo, e do amor da ostentação que conduz à presunção.”
“É um mistério inexplicável aos mortais que Cristo pudesse ser tentado em todos os pontos, como nós o somos, e ainda ser sem pecado.” Certa ocasião, algumas pessoas questionaram a decaída natureza de Cristo. Ellen White lhes respondeu: “Tenho recebido cartas afirmando que Cristo não podia ter tido a mesma natureza que o homem, pois nesse caso, teria caído sob tentações semelhantes.
Se não possuísse natureza humana, não poderia ter sido exemplo nosso. Se não fosse participante de nossa natureza, não poderia ter sido tentado como o homem tem sido. Se não Lhe tivesse sido possível ceder à tentação, não poderia ser nosso Auxiliador.”
“Pretendem muitos que era impossível Cristo ser vencido pela tentação. Neste caso, não teria sido colocado na posição de Adão; não poderia haver obtido a vitória que aquele deixara de ganhar. Se tivéssemos, em certo sentido, um mais probante conflito do que teve Cristo, então Ele não estaria habilitado para nos socorrer. Mas nosso Salvador Se revestiu da humanidade com todas as contingências da mesma. Tomou a natureza do homem com a possibilidade de ceder à tentação. Não temos que suportar coisa nenhuma que Ele não tenha sofrido.”
Todavia, “ao tomar sobre Si a natureza do homem em sua decadente condição, Cristo não participou no mínimo que fosse de seu pecado.” Eis aqui outra solene verdade que Ellen White nunca deixou de repetir, enquanto enfatizando a realidade das tentações às quais Jesus estava sujeito. Pois, como está escrito: “Antes, foi Ele tentado em todas as coisas, mas sem pecado.” (Heb. 4:15).
“... Mas Sem Pecado.”
Toda vez que Ellen White escrevia sobre o delicado assunto da natureza caída de Cristo, era muito cuidadosa em acrescentar imediatamente que Jesus viveu “sem cometer pecado”, seja por pensamentos, palavras ou obras.
Numa carta enviada a W. L. H. Baker, que evidentemente tinha tendência de falar de Cristo como um homem “integralmente humano”, Ellen White sugeriu que ele fosse mais cauteloso: “Nunca, de modo algum, deixe a mais leve impressão sobre mentes humanas de que uma mancha, inclinação ou corrupção incidia sobre Cristo, ou que Ele, de alguma maneira, cedeu à corrupção.”
“Nem mesmo por um pensamento Cristo poderia ser levado a ceder ao poder da tentação.” “Nenhuma palavra impura escapava de Seus lábios. Nunca Ele praticou uma ação má, pois era o Filho de Deus. Embora possuísse forma humana, todavia era isento da mancha do pecado.” “Em Sua natureza humana, Ele manteve a pureza de Seu divino caráter. Ele viveu a lei de Deus e a honrou em um mundo de transgressão.”
“Em meio à devassidão, Cristo manteve Sua pureza. Satanás não podia manchá-la ou corrompê-la. Seu caráter revelava um perfeito ódio contra o pecado.” “Houvesse-se podido achar um só pecado em Cristo, tivesse Ele num particular que fosse cedido a Satanás para escapar à horrível tortura, e o inimigo de Deus e do homem teria triunfado.”
Alguns acham que Jesus foi tentado apenas externamente. Se houvesse sido assim, Ele não teria sido verdadeiramente tentado como nós o somos, nem teria conhecido “o poder de nossas tentações” , e a “força da paixão humana” , aos quais os homens estão sujeitos. Porém, “nunca Ele cedeu à tentação de praticar um simples ato que não fosse puro, elevado e enobrecedor”.
Ellen White disse: “Ao povo, e depois, mais plenamente, aos discípulos, Jesus explicou que a contaminação não procede do exterior, mas do interior. Pureza e impureza pertencem à alma.
É o mau ato, a palavra ou o pensamento mau, a transgressão da lei de Deus, não a negligência de cerimônias externas criadas pelo homem, o que contamina.” “Se a lei alcançasse apenas a conduta exterior, os homens não seriam culpados por seus pensamentos, desejos e desígnios injustos. Mas a lei requer que a própria alma seja pura e a mente santa, que os pensamentos e sentimentos estejam de acordo com o padrão de amor e justiça.”
“A menos que haja a possibilidade de ceder, a tentação não é tentação. A tentação é resistida quando um homem é poderosamente influenciado a praticar uma má ação e, sabendo que pode fazer isso, resiste pela fé, apegando-se firmemente ao poder divino. Essa foi a duríssima experiência pela qual Cristo passou.”
“Tomando sobre Si a natureza humana em seu estado decaído, Cristo não participou, no mínimo que fosse, do seu pecado... Não devemos ter dúvidas acerca da perfeita ausência de pecado na natureza humana de Cristo.”162 Isso não significa que Sua natureza era impecável em si mesma – o que contradiria tudo quanto Ellen White escrevera em outras partes – mas no sentido de que, por causa de Sua perfeita obediência, Ele a fizera impecável, “condenando o pecado na carne”.
Divino e Humano
A realidade da encarnação não significa que Jesus renunciou à Sua divindade. Ellen White costumava dizer que “Ele revestiu Sua divindade com a humanidade”, ou que “Ele velou Sua divindade com a humanidade”. Esse tipo de expressão é encontrado cerca de 125 vezes em seus escritos. Eis alguns exemplos: “Por nossa causa, Ele deixou Seu trono real e vestiu Sua divindade com a humanidade. Pôs de lado Seu manto real, Sua majestosa coroa, para que pudesse ser um conosco.”
“Cristo não trocou Sua divindade pela humanidade, mas revestiu-a da humanidade.” “Ele velou Sua divindade com a roupagem da humanidade, mas não Se separou de Sua divindade.” “Embora tomasse a humanidade sobre Si mesmo, Ele era divino. Tudo o que é atribuído ao próprio Pai, também o é a Cristo.” “NEle, o próprio Deus desceu do Céu.”
Num comentário sobre a visita de Jesus ao templo de Jerusalém, Ellen White escreveu: “O segundo templo foi honrado, não com a nuvem da glória de Jeová, mas com a presença viva dAquele em quem habita corporalmente toda a plenitude da divindade – o próprio Deus manifesto em carne”.169 “Eis porque, embora fosse tentado em todos os pontos como nós, esteve no mundo, desde Sua primeira entrada nele, isento de corrupção, embora por ela cercado.”
Tendo dito isso, Ellen White então formula uma questão: “Estamos nós nos tornando também participantes dessa plenitude, e não é assim, assim somente, que venceremos como Ele venceu?”
De fato, “Resistiu Ele à tentação, mediante o Poder que o homem também pode possuir. Apoiou-Se no trono de Deus, e não existe homem ou mulher que não possa ter acesso ao mesmo auxílio, pela fé em Deus.”
“Cristo, na fraqueza da humanidade, devia enfrentar a tentação de alguém que possuía os poderes de uma elevada natureza que Deus concedera à família angélica. Mas a humanidade de Cristo estava unida à Sua divindade, e nesse poder Ele suportaria todas as tentações que Satanás pudesse lançar contra Ele, e ainda manter Sua alma incontaminada do pecado. E esse poder de vencer Ele daria a cada filho e filha de Adão que aceitasse pela fé os justos atributos de Seu caráter.”
Participantes da Natureza Divina
Ellen White enfatiza especialmente a possibilidade oferecida à humanidade de “participar da natureza divina” (II Pedro 1:4). Esse é o propósito pelo qual Cristo veio a este mundo. Ele veio para trazer aos homens o poder de Deus de livrá-los do poder do pecado, e torná-los filhos de Deus. Para esse fim Cristo participou da decaída natureza do homem, a fim de que esse pudesse ser capaz de participar de Sua divina natureza.
“Ele [Cristo] tomou nossa natureza e venceu, para que, tomando Sua natureza, pudéssemos vencer. Tornado ‘em semelhança da carne do pecado’ (Rom. 8:3), Ele viveu uma vida sem pecado.” Pois, “a vida que Cristo viveu neste mundo, homens e mulheres podem viver através de Seu poder e sob Sua instrução. No conflito contra Satanás, eles podem ter toda ajuda que Ele teve. Podem ser mais que vencedores por Aquele que os amou e entregou-Se a Si mesmo por eles.”
Em Sua humanidade, Cristo triunfou sobre o pecado através do poder de Deus ao qual Se apegava. Cada membro da família humana tem o mesmo privilégio. “Cristo nada fez que a natureza humana não possa fazer se for participante da natureza divina.” “Ele não exerceu em Seu proveito nenhum poder que não nos seja livremente oferecido. Como homem, Ele enfrentou a tentação, e a venceu na força que Lhe foi dada por Deus.”
“Se Cristo possuísse um poder especial que o homem não tem o privilégio de possuir, Satanás ter-se-ia aproveitado desse fato.” De acordo com Ellen White, “Satanás declarou ser impossível aos filhos e filhas de Adão observarem a lei de Deus.” , fazendo com que a responsabilidade caísse sobre o Legislador e não sobre o homem.
Mas “Cristo veio a este mundo para ser tentado em todos os pontos como nós o somos, para provar ao Universo que neste mundo de pecado, os seres humanos podem viver do modo que Deus aprova.” “O Senhor Jesus veio ao nosso mundo não para revelar o que Deus poderia fazer, mas o que o homem poderia fazer através da fé no poder de Deus para ajudar em cada emergência. O homem deve, mediante a fé, ser participante da natureza divina e vencer cada tentação com que é assediado.”
Ellen White ensinava consistentemente que a obra de salvação realizada por Jesus Cristo não ficou confinada a um simples ato legal, o perdão de nossos pecados, mas que ela também inclui vitória sobre a tentação e o pecado. “Cristo veio para nos tornar ‘participantes da natureza divina” (II Ped. 1:4), e Sua vida declara que a humanidade, unida à divindade, não comete pecado.”
“Era uma solene realidade esta de que Cristo veio para ferir as batalhas como homem, em favor do homem. Sua tentação e vitória nos dizem que a humanidade deve copiar o Modelo; deve o homem tornar-se participante da natureza divina.” “Sua vida testificou que, com a ajuda do mesmo poder divino que Cristo recebeu, é possível ao homem obedecer à lei de Deus.”
Obviamente, essa prova não teria sido efetiva se Jesus houvesse vivido uma vida sem pecado em uma natureza humana diversa da nossa – isto é, em a natureza de Adão antes da queda. Isso explica por que, com perfeita lógica, Ellen White afirmava que “a grande obra da redenção poderia ser efetuada apenas com o Redentor tomando o lugar do decaído Adão.”
Conclusão
Ellen White escreveu exaustivamente sobre uma ampla variedade de tópicos tais como dietética, saúde, educação, teologia, obra médica, pregação evangelística, e muito mais. Não obstante, seu assunto favorito era, indubitavelmente, a pessoa e a obra de Jesus. Embora não trate de temas cristológicos de maneira sistemática, eles saturam seus escritos.
E ela declarou isso muito bem: “Cristo, Seu caráter e obra, são o centro e o âmbito de toda a verdade; Ele é a corrente à qual as jóias da doutrina estão ligadas. NEle é encontrado o sistema completo da verdade.” Por essa razão, ela escreveu: “A humanidade do Filho de Deus é tudo para nós. É a corrente de ouro que liga nossa alma a Cristo, e por meio de Cristo a Deus.”188
Como podemos constatar, o núcleo da Cristologia de Ellen White está baseado na obra mediatória de Jesus Cristo, por causa da reconciliação dos pecaminosos seres humanos com o próprio Deus. Ela está em perfeita harmonia com Paulo, que diz ser possível essa reconciliação por causa da encarnação de Cristo “em semelhança da carne do pecado” (Rom. 8:3).
Podemos pensar que não há melhor síntese da Cristologia de Ellen White, do que seu comentário sobre o Sermão da Montanha: “Cristo é a escada que Jacó viu, tendo a base na Terra, e o topo chegando à porta do Céu, ao próprio limiar da glória. Se aquela escada houvesse deixado de chegar à Terra, por um único degrau que fosse, teríamos ficado perdidos.
Mas Cristo vem ter conosco onde nos achamos. Tomou nossa natureza e venceu, para que, revestindo-nos de Sua natureza, nós pudéssemos vencer. Feito ‘em semelhança da carne do pecado’ (Rom. 8:3), viveu uma vida isenta de pecado. Agora, por Sua divindade, firma-Se ao trono do Céu, ao passo que, pela Sua humanidade, Se liga a nós. Mandanos que, pela fé nEle, atinjamos à glória do caráter de Deus. Portanto, devemos ser perfeitos, assim como ‘é perfeito vosso Pai que está nos Céus’. Mat. 5:48.”
Para Ellen White, Cristo manifesto em “semelhança da carne do pecado” constitui a condição sem a qual não teria havido reconciliação com Deus. “A inteireza de Sua humanidade, a perfeição de Sua divindade, formam para nós um firme terreno sobre o qual podemos ser levados à reconciliação com Deus.”