Parte 5 UM RETORNO ÀS FONTES DA CRISTOLOGIA BÍBLICA E ADVENTISTA
Capítulo 15 - AVALIAÇÃO E CRÍTICA
Seria errado pensar que a questão da natureza humana de Cristo seja apenas de interesse e preocupação dos teólogos. Presentemente, ela tem perturbado muitos membros da igreja, ameaçando dividi-los. A seguinte carta, enviada por um leitor aos editores da Adventist Review, é um bom indicador dessa realidade.
“A igreja de que sou membro está dividida na questão da natureza de Cristo. Surgem argumentos nas classes da Escola Sabatina, depois das reuniões da igreja, nas refeições sabáticas, nos encontros de oração, ao telefone, em todo lugar.
As pessoas estão realmente perdendo a amizade ao debaterem sobre a natureza de Cristo. É, de fato, necessário decidir sobre esse ponto para ser um bom adventista? Isso me aborrece, mas o que posso fazer?”
Para responder a essas angustiosas perguntas, não basta dizer, como foi feito nesse caso, que esse é um assunto do “grande mistério”, que precisamos “estudar a Bíblia e o Espírito de Profecia diligentemente e pensar que as tendências da igreja sobre essa questão são dignas de toda aceitação, e que devem ser evitadas todas as discussões acrimoniosas.”
A igreja precisa ter também uma resposta adequada e suficiente para trazer conforto à consciência turbada, e satisfazer a mente sequiosa de compreender essa verdade vital, acerca da qual Ellen White declara: “A humanidade do Filho de Deus é tudo para nós. Ela é o elo dourado que liga nossa alma a Cristo, e através de Cristo a Deus. Ela deve ser nosso estudo.”
Tendo compreendido a importância da natureza humana de Cristo no plano da salvação, os pioneiros adventistas fizeram dela a pedra de toque de sua Cristologia, em harmonia com o conselho dado pelo apóstolo João: “Nisto conheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não é de Deus. Mas é o espírito do anticristo...” (I João 4:2 e 3).
Isso é Realmente Essencial?
Uma vez que a controvérsia acerca da natureza humana de Cristo atingiu grandes proporções, muitos adventistas têm-se seriamente perguntado: É realmente imperioso decidir sobre isso?
Já em 1978, o presidente da Associação Geral, Robert Pierson, estava desejoso de pôr um fim à divisão sobre a questão que, em sua mente, não era essencial à salvação. Pela mesma razão, o artigo 4 das crenças fundamentais, votado na reunião da Associação Geral de 1980, o qual diz respeito ao “Filho”, silencia sobre o assunto.
É verdade que ninguém consideraria como essencial para a salvação a correta compreensão intelectual de uma doutrina específica. Como George Knight apropriadamente afirmou: “Não é nossa teologia que nos salva, mas o Senhor de nossa teologia.”945 Aceitar a Jesus como nosso Salvador e participar de Sua vida divina torna-nos autênticos discípulos de Cristo.
Poucos dos discípulos de Jesus, através dos séculos, se preocuparam com detalhes da Cristologia que discutimos hoje. Mas, semelhantemente ao ladrão na cruz, possuíam a certeza da salvação pela fé em Jesus Cristo. “Não louvamos o evangelho, mas a Cristo. Não adoramos o evangelho, mas ao Senhor do evangelho” , exclama Ellen White.
Todavia, isso não significa que o conteúdo do evangelho ou as doutrinas não sejam importantes. Longe disso! O viver cristão e o crescimento espiritual são possíveis apenas através do conhecimento da verdade conforme ela é em Jesus. (Efés. 4:21).
Todo cristão é chamado a crescer no “pleno conhecimento, segundo a imagem dAquele que o criou”. (Col. 3:10). Ninguém poderia se apegar apenas aos “princípios elementares dos oráculos de Deus” (Heb. 5:12). Todos deveriam se esforçar para compreender sempre mais “os mistérios de Deus” (I Cor. 4:1), em particular “o mistério da piedade”, isto é, conhecer a Cristo “manifesto em carne... e justificado no Espírito” (I Tim. 3:16).
A experiência cristã tem mostrado uma direta relação entre nossa compreensão da natureza humana de Cristo e Sua obra de salvação. Em outras palavras, entre Cristologia e Soteriologia. Enganar-se sobre o significado da Encarnação e a realidade da humilhação de Cristo, conduz inevitavelmente ao engano sobre a realidade de Sua obra de justificação.
A história da Cristologia adventista revela que erros de interpretação têm sido cometidos, especialmente à luz do fato de que hoje temos, pelo menos, três explicações acerca da natureza humana de Cristo. Obviamente, elas não podem estar todas de acordo com as Escrituras e os escritos de Ellen White.
Em nossa busca pela verdade, é necessário analisar e avaliar as teses conflitantes. Os argumentos básicos de cada posição cristológica serão sumariados a seguir.
Sumário das Três Interpretações Atuais
Para que ninguém conclua que a Igreja Adventista não é clara com relação à sua crença a respeito à Pessoa que é central em sua fé, vamos revisar as linhas comuns que ligam essas interpretações antes de examinarmos suas diferenças.
O artigo 4 das Crenças Fundamentais afirma com muita clareza o que os adventistas sempre creram acerca de Jesus, Filho de Deus e Filho do Homem. A seguir, apresentamos sua íntegra, conforme votada na sessão da Conferência Geral, em 1980:
“O Eterno Deus-Filho encarnou-Se em Jesus Cristo. Através dEle todas as coisas foram criadas, o caráter de Deus revelado, a salvação da humanidade realizada, e o mundo julgado. Para sempre verdadeiramente Deus, Ele também Se tornou verdadeiramente homem, Jesus, o Cristo. Foi concebido do Espírito Santo e nasceu da virgem Maria.
Viveu e sofreu tentação como um ser humano. Por Seus milagres manifestou o poder de Deus e foi confirmado como o prometido Messias divino. Ele sofreu e morreu voluntariamente na cruz por nossos pecados e em nosso lugar; ressurgiu dos mortos e ascendeu ao Céu para ministrar no santuário celestial em nosso favor. Ele virá novamente em glória para o livramento final de Seu povo e a restauração de todas as coisas.”
Obviamente, essa declaração não expressa o ponto controverso sobre a natureza humana de Cristo. Entretanto, a declaração de fé de 1872, que permaneceu intocada até 1931, especificava que Cristo “tomou sobre Si a natureza da semente de Abraão, para a redenção de nossa raça caída”.948 Por causa das diferenças que surgiram nesse particular desde a década de 50, os delegados na sessão da Conferência Geral de 1980 julgaram mais sábio abandonar essa fraseologia, e substituir a fórmula que expressava a crença comum.
Isso, porém, não extinguiu a controvérsia, a qual se intensificou até que os diferentes pontos de vista fossem mais claramente definidos e uma interpretação alternativa surgisse. Escolhemos classificá-la como alternativa porque ela toma emprestados argumentos básicos de cada uma das outras duas Cristologias, conhecidas pelos teólogos como posições pós-lapsariana e prélapsariana. O que segue é um sumário das três Cristologias:
1. A Cristologia Tradicional ou Histórica
Essa posição possui prioridade histórica na Igreja Adventista. Ela é chamada pós-lapsariana porque ensina que Jesus veio em natureza humana decaída, a natureza de Adão após a queda. Conseqüentemente, a carne de Cristo é considerada semelhante a de todos os seres humanos.
Não uma carne corrompida, mas uma carne que, de acordo com a lei da hereditariedade, porta consigo inerentes tendências para pecar, tendências às quais Jesus nunca sucumbiu. Embora “tentado em todos os pontos, como nós” (Heb. 4:15), Ele não cometeu pecado. Daí, Ele não apenas “condenou o pecado na carne”, mas tornou possível que “a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rom. 8:3 e 4).
Esse ensino, conquanto baseado em o Novo Testamento, era contrário às crenças básicas da Cristandade. Isso porque os adventistas eram considerados como hereges, visto que alguns pensavam que eles ensinavam que Jesus era pecador por nascimento, como o restante da humanidade.
Muitos adventistas hoje não sabem que sua igreja ensinou durante um século – desde a origem do movimento até 1950 –, a posição póslapsariana. No entanto, alguns teólogos adventistas, não compreendendo como pôde ser possível para Jesus viver sem pecar numa natureza humana decaída, criam ser necessário formular uma nova Cristologia.
2. A Nova Cristologia ou a Posição PréLapsariana
O argumento básico da nova Cristologia é bem conhecido: Jesus “assumiu a natureza humana de Adão sem pecado”, isto é, a natureza de Adão antes da queda.
Na verdade, “nEle não havia pecado, quer herdado quer cultivado, como é natural em todos os descendentes de Adão.” Do mesmo modo, “se Cristo foi tentado em todos os pontos como nós”, isso nunca ocorreu como proveniente de Seu íntimo, uma vez que Ele não herdou de Adão nenhuma de nossas propensões para o mal.
Em suma, “o que quer que Jesus tenha assumido, não o foi intrínseca ou inatamente... Tudo o que Jesus adotou, tudo o que Ele suportou, quer o fardo e a penalidade de nossas iniqüidades, ou as doenças e fragilidades da natureza humana – tudo foi experimentado vicariamente” “Vicariamente Ele tomou nossa pecaminosa e decaída natureza... Suportou nossas fraquezas, tentações, vicariamente, do mesmo modo que suportou nossas iniqüidades.”
É difícil compreender por que o ensino tradicional foi subitamente posto de lado. Aparentemente, não foi tanto por falta de conhecimento da posição histórica, como pelo desejo da parte de alguns de serem reconhecidos como cristãos “autênticos”.
Mais surpreendente é que os promotores da nova Cristologia apoiaram sua causa nos escritos de Ellen White. Assim a disputa resumiu-se a diferenças de interpretação com respeito a certas declarações cruciais da Sra.White.
3. A Cristologia Alternativa
A Cristologia alternativa é mais recente e provavelmente a mais difundida hoje. Ela é agora promovida pelo livro Nisto Cremos , que foi preparado por mais de 200 representativos líderes e eruditos selecionados dos mais altos níveis da denominação.
Em harmonia com a Cristologia tradicional dos pioneiros, a postura alternativa ensina que Jesus tomou a natureza de Adão após a queda. Obviamente, consoante seus defensores, Cristo não veio em “poder e esplendor” ou mesmo com a natureza impecável de Adão. Pelo contrário, Ele tomou a forma de servo, com a natureza enfraquecida por 4.000 anos de degeneração racial.
Isso não implica, todavia, que Jesus tenha herdado “más tendências” de Adão. Embora o corpo de Cristo estivesse sujeito à deterioração física e tenha herdado as fraquezas da constituição corporal do homem, Ele não recebeu nenhuma das inclinações para o mal associadas à decaída natureza humana.
Baseados na fórmula emprestada de uma das fontes de Ellen White, o ministro anglicano Henry Melvill, eles sustentam que Jesus herdou de Adão apenas “simples fraquezas” e “características tais como fome, dor, fraqueza, tristeza e morte. Apesar de serem conseqüências do pecado, elas não são pecaminosas.” 953 Assim, Cristo não era exatamente como Adão antes da queda e nem após ela. Diferentemente de outros seres humanos decaídos, Ele nasceu sem tendências para o mal.
Nesse ponto eles concordam com a nova Cristologia.
Cada uma dessas Cristologias é definida na base da hereditariedade humana. Obviamente, as diferenças de interpretação sugerem que podem ter sido cometidos erros.
Ellen White aponta a causa principal:
“Cometemos muitos erros por causa de nossos errôneos pontos de vista acerca da natureza humana de nosso Senhor. Quando conferimos à Sua natureza humana um poder que não é possível para o homem obter em seus conflitos com Satanás, destruímos a integralidade de Sua humanidade.”
Essa declaração sugere claramente o critério pelo qual uma interpretação deve ser avaliada. Precisamos reconsiderar toda interpretação que apouca ou obscurece a participação de Cristo em a natureza humana pecaminosa, se desejarmos retornar à Cristologia bíblica.
Erros de Avaliação
Nas várias reuniões anuais do Patrimônio de Ellen G. White, tivemos a oportunidade não apenas de estudar a Cristologia dos pioneiros, como também de criticar certos aspectos da nova Cristologia.
O primeiro dos erros foi passar por alto o ensino tradicional da igreja. É difícil compreender por que as unânimes declarações feitas por líderes adventistas por mais de um século devessem ser condenadas sem uma verificação mais séria.
Se os defensores da nova Cristologia houvessem examinado a literatura oficial da igreja à luz da história, mesmo que de leve, provavelmente não teriam declarado que apenas uma minoria dos adventistas escreveu que Cristo tomou a natureza humana decaída de Adão após a queda. Além disso, eles nunca teriam ousado dizer que “essa equivocada posição da minoria” procedia de uns poucos “lunáticos irresponsáveis”.
O mais grave erro de análise foi cometido na interpretação do ensino de Ellen White, sobre o qual os advogados da nova teologia se basearam para mostrar que Cristo tomara a natureza impecável de Adão antes da queda.
Essa afirmação não é encontrada em nenhum lugar dos escritos de Ellen White; mas o contrário dela é afirmado centenas de vezes. Como, então, poderia alguém escrever que “em apenas três ou quatro lugares em todos esses inspirados conselhos” de Ellen White existem alusões feitas à natureza humana decaída assumida por Cristo?
Os estudiosos evangélicos, com quem o problema da Encarnação foi discutido nos anos cinqüenta, não estavam errados quando dirigiram a mira de sua crítica contra o livro Estudos Bíblicos
Para o Lar. Esse volume declarava que Cristo veio “em carne pecaminosa”. Por que eles foram levados a acreditar que “essa expressão passou despercebida no livro por algum erro desconhecido?”957 Esse livro, de fato, até quando a Cristologia foi mudada por volta de 1950, era o mais representativo das crenças gerais dos adventistas.
Finalmente, a maneira como a nova Cristologia foi apresentada constitui-se em erro complementar. Publicando-a sem os nomes dos autores e sob o título Seventh-day Adventists Answer Questions on Doctrine (Os Adventistas do Sétimo Dia Respondem a Questões Sobre Doutrina), somente poderia provocar uma justificada reação. Por que deveria a nova Cristologia do Questions on Doctrine ser considerada mais em harmonia com a verdade bíblica do que aquela inicialmente contida nos Estudos Bíblicos? Somente um exame crítico dos diferentes pontos de vista pode prover uma resposta.
Uma Doutrina Condenada Pela Igreja
A nova Cristologia foi apresentada por seus patrocinadores como “o novo marco histórico” do adventismo. Obviamente, para os crentes adventistas esse ensino era novo, mas não para os demais cristãos. De fato, ele foi antes um lamentável retrocesso ao antigo ensino das principais igrejas cristãs.
A fim de considerar Cristo como tendo uma impecável natureza humana, como a de Adão antes da queda, os concílios da Igreja Católica creram ser necessário criar o dogma da imaculada conceição de Maria.
As igrejas protestantes, em contraste, baseavam sua Cristologia na doutrina agostiniana do pecado original, de acordo com a qual todos os homens são pecadores e culpados por nascimento. Cristo, portanto, não poderia assemelhar-Se a eles, uma vez que Ele não foi nem pecador nem culpado. Daí a crença geral de que Jesus, desde Sua encarnação, assumira a natureza humana de Adão antes da queda.
Os pioneiros adventistas opuseram-se às doutrinas da imaculada conceição e do pecado original. Alguns novos conversos ao adventismo algumas vezes tinham dificuldades de compreender como Cristo, com uma decaída natureza humana, poderia viver sem pecado, como os pioneiros ensinavam.
Cartas foram escritas a Ellen White “afirmando que Cristo não poderia ter tido a mesma natureza que o homem, pois se assim fosse, Ele teria sucumbido sob tentações similares”. Eis sua resposta: “Se Ele não tivesse a natureza do homem, não poderia ser nosso exemplo. Se Ele não fosse participante de nossa natureza, não poderia ter sido tentado como o homem é. Se não Lhe fosse possível ceder à tentação, Ele não poderia ser nosso ajudador.”
A nova Cristologia não é apenas um retrocesso às velhas crenças cristãs; ela é também um retorno à uma crença amplamente rejeitada pela Igreja Adventista. Lembremo-nos da infeliz experiência do movimento da carne santa. Esse movimento também ensinava que “Cristo tomou a natureza humana de Adão antes da queda; assim Ele assumiu a humanidade como ela se encontrava no Jardim do Éden”.959
Tal ensino foi discutido e rechaçado na sessão da Conferência Geral de 1901. Quando Ellen White foi informada a respeito, retornou da Austrália e pessoalmente se opôs à doutrina da carne santa. Ela não hesitou por um só momento para descrevê-la como “errôneas teorias e métodos” e uma “invenção barata e miserável de teorias humanas, engendrada pelo pai das mentiras”.
Os propugnadores da nova teologia nunca mencionam esse incidente em sua história das doutrinas adventistas. Considerando que o autor do Movement of Destiny rememora pormenorizadamente como os pioneiros sobrepujaram suas diferenças a respeito da natureza humana de Cristo, ele não diz uma simples palavra sobre o que eles ensinavam uniformemente sobre Sua natureza humana.
Outrossim, ele dedica vários capítulos à mensagem de 1888 e ao papel desempenhado por Waggoner e Jones, mas conserva significativo silêncio quanto à sua Cristologia. Contudo isso se constituiu a base de sua mensagem da justificação pela fé.
Métodos Tendenciosos
A declaração original da nova Cristologia foi feita no Ministry, em setembro de 1956, seção 11, apoiada em nove citações de Ellen White, sem comentários ou referências bíblicas. O título geral anuncia o conceito básico da nova teologia: “Tomou a Impecável Natureza de Adão Antes da Queda.”
Então, para introduzir cada uma das citações, há subtítulos pretendendo reforçar a idéia principal envolvida, tais como: “Cristo Assumiu a Humanidade Como Deus a Criou”, “Tomou a Forma Humana, Mas não a Corrompida e Pecaminosa Natureza”, “Assumiu a Natureza Humana Impecável de Adão”, “Perfeita Impecabilidade da Natureza Humana”, etc.
Ninguém precisa ser um especialista para notar que nenhuma das citações de Ellen White apresentadas nesse documento realmente se harmoniza com esses subtítulos. Ellen White nunca escreveu o que essas titulações insinuam.
Na verdade, ela afirma exatamente o oposto. Mas nenhuma dessas declarações é mencionada. Tendo aceito a posição comum do cristianismo com respeito à natureza humana de Cristo, e aparentemente convencidos de que essa era a posição de Ellen White, os editores publicaram uma seleção tendenciosa de citações para justificar seu pontos de vista, sem fundamento textual objetivo.
Uma declaração sucinta, registrada no Movement of Destiny, constitui-se noutro exemplo típico. Cada afirmação citada sem referência merece ser cuidadosamente examinada, colocada em seu contexto imediato e explicada à luz do ensino geral de Ellen White. Restringiremos nossa demonstração à seguinte sentença: “Cristo era como Adão antes da queda – ‘um ser puro, impecável, sem mancha de pecado sobre Si.’”
Mas isso faz violência ao texto original. A primeira parte, “Cristo era como Adão antes da queda”, é apresentada como procedente da pena de Ellen White, ao passo que, em realidade, é da lavra do autor do texto.
A segunda parte; ‘– ‘um ser puro, impecável, sem mancha de pecado sobre Si’, é na verdade uma descrição que Ellen White faz de Adão e não de Cristo. Eis a declaração como apresentada em seu contexto original: “O primeiro Adão foi criado um ser puro, impecável, sem mancha de pecado sobre si; ele era a imagem de Deus... Mas Jesus Cristo era o unigênito Filho de Deus. Ele tomou sobre Si a natureza humana e foi tentado em todos os pontos como o ser humano.” [Ênfase suprida]
Se essa declaração registrada na carta de Ellen White a W. H. L. Baker não foi suficientemente explícita, a seguinte, encontrada no O Desejado de Todas as Nações, não deixa dúvida sobre que ela ensinava sobre o assunto: “Cristo devia redimir, em nossa humanidade, a falha de Adão. Quando este fora vencido pelo tentador, entretanto, não tinha sobre si nenhum dos efeitos do pecado. Encontrava-se na pujança da perfeita varonilidade, possuindo o pleno vigor da mente e do corpo.
Achava-se circundado das glórias do Éden... Não assim quanto a Jesus, quando penetrou no deserto para medir-Se com Satanás. Por quatro mil anos estivera a raça a decrescer em forças físicas, vigor mental e moral; e Cristo tomou sobre Si as fraquezas da humanidade degenerada. Unicamente assim podia salvar o homem das profundezas de sua degradação.”
Outro exemplo de “métodos errôneos” está em ignorar declarações evidentes de O Desejado de Todas as Nações, em favor de outras contidas na carta a Baker.
Apenas alguém que perdeu todo senso de proporção poderia escrever que as declarações contidas na carta a Baker – “fortemente contrabalançadas”, “três ou quatro lugares” – na qual Ellen White usa os termos “natureza decaída” e “natureza pecaminosa”, para descrever a natureza humana assumida por Cristo.
Em face a esses “errôneos métodos e teorias”, apenas uma exegese saudável, que tome em conta todas as fontes disponíveis e o significado dos termos empregados, tornará possível restabelecer a unidade interpretativa com respeito à natureza humana de Cristo.
É verdade que muito poucos defensores atuais da nova Cristologia ainda seguem os métodos equivocados de seus fundadores. Hoje um simples argumento – de fato, uma simples palavra – é usado por muitos deles para justificar seu ponto de vista. Mas resistirá esse argumento a um cuidadoso escrutínio?
Um Argumento Fictício, uma Expressão Desencaminhadora
O método e o sistema de interpretação empregados no livro Question on Doctrine diferem um tanto daqueles usados no argumento básico da nova Cristologia. Aqui, os proponentes não mais afirmam explicitamente que “Cristo tomou a impecável natureza de Adão antes da queda”, embora mantenham firmemente que “em Sua natureza humana, Cristo era perfeito e impecável”.
Eles não mais negam que “Ele era o segundo Adão, vindo em ‘semelhança’ de carne humana pecaminosa (Rom. 8:3).” Reconhecem que Ellen White “ocasionalmente” usava expressões tais como “natureza pecaminosa” ou “natureza decaída” de Cristo.968
Todavia, estão ansiosos para especificar que “o que quer que Jesus tenha tomado, não era Seu inata ou intrinsecamente... Tudo o que Jesus assumiu, tudo o que Ele suportou – quer a carga e a penalidade de nossas iniqüidades, ou as enfermidades e fraquezas de nossa natureza humana – foi adotado vicariamente.”
De acordo com os autores do Question on Doctrine, “é nesse sentido que todos deveriam compreender os escritos de Ellen G. White, quando ela se refere ocasionalmente à pecaminosa, decaída e deteriorada natureza humana.”
Se Ellen White houvesse realmente escrito que Cristo tomou nossa natureza humana apenas vicariamente, bem como os pecados de todo o mundo, esse seria um forte argumento. Em realidade, ela nunca usou o advérbio “vicariamente”, nem jamais escreveu que Cristo “tomou a natureza humana impecável.”
Por outro lado, a Sra. White usou apenas uma vez a palavra vicário com relação ao sacrifício redentor de Cristo. Certamente Jesus não poderia perdoar pecados e imputar Sua justiça aos pecadores penitentes de outro modo senão pela substituição.
Mas afirmar que Ele tomou vicariamente a decaída natureza humana, significa dizer que Ele a assumiu apenas aparentemente e não em realidade. Isso também significaria que a morte de Cristo deveria ser entendida vicariamente, uma vez que o salário do pecado é a morte e a natureza humana de Jesus era impecável.
Em suma, essa espécie de arrazoamento leva, no final das contas, ao docetismo, isto é, uma Cristologia na qual Jesus é um ser humano apenas aparente.
É-nos inconcebível que Ellen White tenha insistido sobre a realidade da participação de Cristo “na carne e no sangue” da humanidade, “em semelhança de carne pecaminosa”, querendo dizer que essa relação foi apenas vicária. Essa expressão não é encontrada em parte alguma de seus escritos, assim, não há suporte para tal interpretação. Ao invés, Ellen White não cessou de enfatizar a realidade da natureza humana decaída adotada por Cristo.
Como poderia ela haver dito isso mais claramente? “Cristo não deu a entender que tomou a natureza humana; Ele, de fato, a tomou. Em realidade, Cristo tinha a natureza humana.”
E para não deixar qualquer dúvida sobre esse tipo de natureza, ela acrescenta: “‘Portanto, visto como os filhos são participantes comuns de carne e sangue, também Ele semelhantemente participou das mesmas coisas...’ (Heb. 2:14) Ele era o filho de Maria; a semente de Davi de acordo com a descendência humana. Cristo declarou ser um homem, o homem Cristo Jesus.’”
“Ele não possuía a mera semelhança de um corpo, mas tomou a natureza humana participando da vida da humanidade.” “Ele não apenas Se tornou carne, mas foi feito em semelhança de carne pecaminosa.”
Ellen White não usava, como regra, linguagem simbólica e metafórica com duplo significado. O princípio por ela expresso com relação à interpretação da linguagem bíblica, aplica-se igualmente à sua própria: “A linguagem da Bíblia deveria ser explicada de acordo com seu significado óbvio, a menos que um símbolo ou figura seja empregado.” Ela escreveu em linguagem clara que significa exatamente o que pretendia dizer. Isso é ainda mais necessário com respeito ao delicado e difícil tópico da natureza humana de Cristo.
Pontos Fortes e Fracos da Cristologia Alternativa
Nossa apreciação seria incompleta se os conceitos básicos da Cristologia alternativa não fossem submetidos a um exame crítico. Por um lado, essa posição intermediária tem o mérito de reforçar a posição pós-lapsariana; mas por outro, ela perpetua o erro principal da posição prélapsariana ao declarar impecável a natureza humana de Cristo.
De fato, os patronos da Cristologia alternativa afirmam, como os pioneiros, que a humanidade de Cristo não era a inocente humanidade de Adão antes da queda.
A fim de poder realizar a obra de salvação para a qual o Pai enviou Jesus em carne “semelhante ao pecado”, foi necessário que Ele viesse “em Sua encarnação na humilde forma de servo, retratando servitude, sujeição, subordinação. Ele tomou uma enfraquecida natureza humana e não a perfeita natureza de Adão antes de esse haver pecado.”
Essa posição faz grande progresso na direção de um retorno à verdade central do evangelho. Mas ela ainda se prende à idéia equivocada do pecado original, de acordo com a qual os seres humanos nascem pecadores. Visto que a Jesus não seria permitido herdar pecado, Ele precisava nascer com uma natureza impecável. Conseqüentemente, dizem eles que Cristo herdou apenas as fraquezas da constituição física do homem, “simples fraquezas: fome, dor, debilidade, tristeza e morte”, mas não “tendência para pecar” ou “propensões pecaminosas”.
Essas conclusões encobrem muitos lamentáveis enganos. O primeiro envolve a missão de Jesus. O propósito da Encarnação não era livrar a humanidade de todas as “simples fraquezas”, mas libertá-la do pecado interior que “me leva cativo à lei do pecado que está em meus membros” (Rom. 7:23).
Para livrar-nos da escravidão do pecado é que Jesus foi enviado em “semelhança da carne pecaminosa” e teve de ser feito “semelhante a Seus irmãos” (Heb. 2:17).
Há também equívocos em certas expressões tais como “propensões herdadas” e “más propensões”. Elas não são semelhantes nas obras de Ellen White. Propensão é uma tendência, uma inclinação, um atração à tentação. Se resistida ela não se torna pecado. “Propensões herdadas” tornam-se “más propensões” apenas após cessão à tentação.
Ellen White diz: “Não O exponham [Cristo] diante do povo como um homem com propensões para pecar. Ele é o segundo Adão. O primeiro Adão foi criado puro, impecável, sem uma mancha de pecado sobre si... Por causa do pecado, sua posteridade nasceu com inerentes propensões para a desobediência.
Mas Jesus Cristo era o Filho Unigênito de Deus. Ele tomou sobre Si mesmo a natureza humana... Nem por um momento houve nEle uma má propensão.” Evidentemente, “Ele sabe por experiência quais as fraquezas da humanidade, quais as nossas necessidades, e onde jaz a força de nossas tentações; pois Ele foi “tentado em todas as coisas, como nós, mas sem pecado’ (Heb. 4:15).”
Igualmente, há um mal-entendido entre as expressões “más tendências” e “más propensões”. Ellen White faz uma clara distinção entre as duas locuções. Enquanto declara solenemente que Jesus nunca teve “más propensões”, também afirma que “Ele tinha de enfrentar e estar sujeito a todas as más tendências das quais o homem é herdeiro, operando de toda maneira concebível para destruir Sua fé”.
Como William Hyde observou: “embora oprimido pelas fraquezas da humanidade decaída, Jesus nunca permitiu que as tendências e propensões da raça humana se tornassem más. Ele nunca permitiu que uma fraqueza humana se tornasse um pecado pessoal. Embora tentado a pecar, nunca participou do pecado, nunca desenvolveu propensões más ou pecaminosas.”
Para justificar o ponto de vista de que Jesus possuía uma natureza humana sem pecado, Heppenstall afirmou que o pecado nunca foi transmitido por “propagação natural”. Sendo “uma coisa espiritual”, o próprio pecado não pode “ser transmitido geneticamente”. Se isso fosse verdade, deveria ser válido para toda a humanidade, o que claramente não é o caso.
Ao declarar que Jesus nasceu “de mulher, nasceu sob a lei” (Gál. 4:4), Paulo confirma que Jesus herdou, como todos os homens, “os resultados da operação da grande lei da hereditariedade. O que foram esses resultados é mostrado na história de Seus antepassados terrestres.
Ele veio com tal hereditariedade para partilhar de nossas dores e tentações, e dar-nos exemplo de uma vida impecável”. A diferença entre Jesus e o restante de humanidade não procede do fato de que todos os humanos são pecadores por hereditariedade.
Eles são pecadores “porque todos pecaram” (Rom. 5:12). Somente Jesus nunca pecou, embora houvesse vindo “em semelhança de carne pecaminosa”.
Obviamente, os ancestrais de Cristo possuíam mais que “simples fraquezas”. Ellen White afirma que “Cristo tomou sobre Si as fraquezas da humanidade degenerada. Somente assim poderia Ele resgatar o homem das profundezas de sua degradação”987 “Ao tomar sobre Si a natureza do homem em sua condição decaída, Cristo não participou, no mínimo que fosse, de seu pecado.”
Para explicar esse paradoxo, é imperativo que nos abstenhamos dos erros da imaculada conceição e do pecado original. Isso é o que tentaremos fazer no capítulo final, com base na Escritura.