Pr. Dennis Priebe / Traduzido por Marcell Dalle Carbonare
Tornei-me convencido, durante os últimos 15 anos de discordância e até mesmo controvérsia sobre o assunto da justificação pela fé, que a maior parte dos pontos de vista errôneos sobre o evangelho provêm de uma compreensão defeituosa do que é o pecado. Especificamente, a questão crucial é porque os seres humanos permanecem condenados como pecadores à vista de Deus.
Somos pecadores condenados porque nascemos com naturezas caídas em um mundo pecaminoso, ou somos pecadores condenados porque escolhemos exercitar nossas naturezas caídas de um modo rebelde contra a vontade de Deus? Dependendo da resposta dada a essa pergunta, duas versões significativamente diferentes do evangelho são ensinadas.
Os significados da justificação do novo nascimento e da santificação são diferentes dependendo da resposta a essa pergunta. Crenças diferentes são mantidas sobre nossa relação para com Deus enquanto estamos envolvidos em pecados pessoais, e sobre se podemos ter vitória sobre esses pecados.
Não creio que somos pecadores perdidos, condenados, porque nascemos com naturezas caídas em um mundo pecaminoso. No entanto, essa é a crença ortodoxa e padrão a respeito do pecado no mundo cristão. Neste artigo eu gostaria de examinar um pouco da evidência inspirada que é utilizada para sustentar a crença de que nascemos nesse mundo como pecadores condenados. Parte dessa evidência parece ser convincente, mas creio que há um quadro maior da inspiração que é geralmente omitido.
O Primeiro Adão
Talvez o texto mais freqüentemente utilizado para provar que somos pecadores desde o nascimento é Salmos 51:5. "Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe". Perceba que Davi não diz que ele era um pecador desde o nascimento. Algumas versões da bíblia dizem isso, mas esta é uma interpretação teológica em vez de uma tradução correta.
Onde mais poderia Davi ter nascido a não ser na iniqüidade e pecado? Sua mãe e seu pai eram pecadores, e ele nasceu em sofrimento por causa do pecado de Adão e Eva. Davi nasceu de pais pecaminosos em um mundo pecaminoso. Se acontecesse de uma criança nascer numa família de ladrões, onde o roubo era praticado e ensinado por seus pais, ela teria nascido no roubo.
Isso faria dela própria um ladrão? Do mesmo modo, nascer em pecado não constitui automaticamente alguém em um pecador perdido e condenado. Significa que as circunstâncias do nascimento dessa pessoa são extremamente indesejáveis, e que é muito provável que ela termine se tornando pecadora.
E então há Romanos 5:12-19, que contrasta aquilo que recebemos do primeiro Adão e do segundo Adão. Dificilmente poderia ser mais claro do que o verso 18: "Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação". Esse texto declara de maneira inequívoca que todos os homens ficaram sob condenação por causa do pecado de Adão. Creio que é exatamente esse o significado do texto. Paulo é muito claro para ser mal-entendido.
Existem várias declarações do Espírito de Profecia que dizem praticamente a mesma coisa.
"Adão pecou, e os filhos de Adão partilham de sua culpa e suas consequências” (Fé e Obras, p. 88). "A herança dos filhos é a do pecado. O pecado os separou de Deus... Em relação ao primeiro Adão, os homens não recebem nada a não ser culpa e a sentença de morte" (Manuscript Releases, vol. 9, p. 236). "Os seres humanos caídos... foram herdeiros de culpa, sob sentença de morte eterna" (Ibid., vol. 12, p. 61). "Esses queridos filhos receberam de Adão uma herança de desobediência, de culpa e morte" (Ibid., vol. 13, p. 14).
Essa declarações também são bem claras. Aqueles que nascem nesse mundo pecaminoso recebem de Adão a culpa, pecado, separação e morte eterna. Muitos têm concluído que a evidência é clara de que permanecemos sob condenação desde nosso nascimento, e que somos pecadores por herança de Adão. Eu creio que essas declarações significam exatamente o que parecem dizer, que todo esse mundo merece justamente nada a não ser condenação.
Mas será que toda a história foi contada? Ou essa é apenas metade da história? Será que precisamos olhar um pouco mais antes de chegarmos a conclusões finais sobre este assunto?
O Segundo Adão
Existem alguns textos únicos no Novo Testamento que fala da obra de Cristo por toda a raça humana. Normalmente lemos a respeito de como a expiação se aplica ao pecador individual, mas algumas vezes o foco é ampliado para incluir toda a humanidade. Um desses textos é 2 Coríntios 5:14: "Se um morreu por todos, logo todos morreram." Em algum sentido muito importante, a morte de Cristo afetou todos os seres humanos. Isso inclui Adão e Eva, e inclui até mesmo Caim e Hitler. De algum modo todos estavam mortos por causa da expiação de Cristo.
Outro texto é 1 Timóteo 4:10, que diz que Deus "é o Salvador de todos os homens, especialmente daqueles que crêem". A obra de Deus pela humanidade é mais profunda do que apenas salvar aqueles que crêem em Cristo.
1 João 2:2 estabelece a questão: "E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo". A obra redentora de Cristo inclui não apenas os pecados daqueles que se arrependeram e creram em Cristo, mas Ele fez algo por todos os pecados que já foram cometidos.
Um dos textos mais claros é 2 Coríntios 5:19. "Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando suas trangressões." A obra da expiação era uma obra de reconciliação—uma remoção das barreiras ao amor e companheirismo. Por causa da morte de Cristo não havia obstáculos da parte de Deus para a restauração da unidade e harmonia edênicas. Agora, a única barreira seria da parte do homem, se ele se recusasse a aceitar o que Cristo havia feito por ele.
Agora retornaremos ao texto que fala mais claramente sobre o dano que Adão fez à raça humana - Romanos 5:18. Dessa vez devemos ler todo o verso. "Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida." Quantos foram condenados automaticamente por causa do pecado de Adão? Todos os homens.
E aqueles que nunca sequer ouviram falar de Adão e que nunca ouviram falar do relato bíblico da criação e da queda? Todos os homens – a raça humana – receberam uma segunda chance através da vida e morte de Cristo. Independentemente do conhecimento ou escolha, todo ser humano estava amaldiçoado pela rebelião de Adão antes mesmo de nascer.
Mas é essa toda a história? Em um verso temos a imagem completa. Não somente todos os homens foram afetados pelo pecado de Adão, mas todos os homens foram afetados pela vida e morte de Cristo. Os mesmos "homens" que estavam amaldiçoados pelo pecado de Adão foram libertos automaticamente da condenação pela justiça de Cristo.
Para colocar de maneira simples, o que Adão fez à raça humana, Cristo desfez para a mesma raça humana. Mas e aqueles que nunca ouviram falar de Cristo e do registro bíblico da expiação? Eles também recebem o livre dom? Todos os homens – a raça humana – receberam uma segunda chance pela vida e morte de Cristo. Independentemente do conhecimento ou escolha, todo ser humano foi afetado pela expiação de Cristo.
Alguns estão confusos com respeito à palavra “justificação”, que é dada a todos os homens. Um dos significados da palavra é "absolvição", que significa ser inocentado de acusações sendo levantadas contra si. Justificação é utilizada nesse sentido em Romanos 3:4, onde Deus é justificado quando Ele for julgado.
Obviamente Deus não necessita de perdão, mas Ele precisa ser absolvido - inocentado das falsas acusações que Satanás levantou contra Ele. Em Romanos 5 toda a humanidade é absolvida da correta acusação de rebelião que foi levantada contra a raça humana. Em outras palavras, não está sob condenação.
Há algumas declarações significativas do Espírito de Profecia sobre esse ponto. "Ele restaurou toda a raça humana ao favor de Deus" (ME1 343). "A raça caída subiu do poço da ruína em que o pecado a havia mergulhado, e foi trazida novamente à conexão com o Deus infinito" (TS 745). "Embora a terra tenha sido afastada do continente do céu e alienada de sua comunhão, Jesus a conectou novamente com a esfera da glória" (ST, 24 de novembro de 1887). "Cristo lançou seu braço divino ao redor da raça humana" (RH, 11 de junho de 1889).
Todas essas declarações falam da situação da raça humana como um todo, assim como o texto bíblico o faz. Toda a raça havia sido cortada do céu e separada de Deus pelo pecado de Adão, mas Jesus restaurou a mesma raça humana ao favor de Deus. Todos os homens são trazidos novamente à conexão com Deus.
Claramente não nascemos separados de Deus, como alegam aqueles que crêem que nascemos perdidos e condenados. Por causa do pecado de Adão, sofremos sob muitas maldições do pecado, uma das quais é a herança de uma natureza caída, mas isso em si mesmo não constitui separação, condenação ou perdição.
Enquanto essas declarações inspiradas não dizem que nascemos em um estado justo e santo, elas dizem que começamos nossa vida conectados a Deus de algum modo importante. No mínimo elas querem dizer que não permanecemos condenados desde o nascimento por causa do pecado de Adão ou por nossa herança pecaminosa. A condenação corporativa através de Adão está cancelada pela absolvição corporativa através de Cristo.
Temos informações ainda mais específicas sobre como e quando essa absolvição entrou em cena para a humanidade. E Gênesis 2:17, Deus disse a Adão e Eva que se eles comessem o fruto proibido eles morreriam. "Por que a pena de morte não foi imediatamente imposta nesse caso? Porque um resgate foi encontrado. O Filho unigênito de Deus ofereceu-Se para levar sobre Si o pecado do homem e fazer uma expiação pela raça caída" (CB1 1082).
Por que Adão e, portanto, todo futuro membro da raça humana, não morreu imediatamente?
Porque, naquele mesmo dia, o plano da redenção foi colocado em efeito.
"No instante em que o homem aceitou as tentações de Satanás, e fez as exatas coisas que Deus havia dito que ele não deveria fazer, Cristo, O Filho de Deus, Se colocou entre os vivos e os mortos, dizendo, ‘que a punição caia sobre Mim. Eu ficarei no lugar do homem. Ele terá outra chance' (CB1 1085).
No instante do pecado de Adão, antes que ele soubesse qualquer coisa sobre o horrível futuro da humanidade devido à sua decisão, e mais importante, antes que ele se arrependesse de seu pecado, Cristo entrou em cena. Ele colocou-Se entre os vivos (o universo celestial) e os mortos (a raça humana) e recebeu a punição da morte sobre Si.
Agora, esse ato de Cristo não dizia respeito à salvação pessoal para Adão e Eva – isso viria após o arrependimento deles, e de uma oferta de sacrifício pessoal por seu pecado. Cristo estava lidando com a condenação que havia acabado de vir sobre a raça humana. Jesus libertou a raça da condenação trazida pelo pecado de Adão, assim como lemos em Romanos 6:18. Nenhum ser humano jamais carregaria a condenação trazida sobre a raça por Adão, pois quando Cristo pagou a penalidade pelo pecado, ela foi paga por toda a eternidade.
Ainda assim, incontáveis cristãos hoje crêem que nascemos sob condenação por causa do pecado de Adão, efetivamente negando o poder do sangue expiatório de Cristo para lidar adequadamente com o pecado de Adão. Quando Cristo entrou no Jardim do Éden naquele dia, Ele deu a Adão e à raça humana uma segunda chance de decidir a favor ou contra Deus. Adão e a raça humana receberam vida temporariamente a fim de tomarem uma decisão a respeito da vida eterna.
"Tão logo houve pecado, houve um Salvador... .Tão logo Adão pecou, o Filho de Deus apresentou-Se como garantia pela raça humana, com tanto poder para evitar a desgraça pronunciada sobre o culpado como quando Ele morreu na cruz do Calvário" (CB1 1064). Mais uma vez vemos que há um Salvador antes mesmo do arrependimento, o que significa que não estamos lidando com salvação e vida eterna.
Jesus aqui pisou em favor da raça humana. Tão logo houve pecado (condenação para todos os homens), houve um Salvador (justificação de vida para todos os homens). Isso significa que todo bebê nascido nesse mundo já tem um Salvador, que lidou com o problema da condenação e da culpa de Adão, a fim de que o bebê não venha ao mundo carregando essa condenação. Adão e a raça humana não foram deixados nem por um segundo sozinhos sob a penalidade do pecado e sua condenação. No momento do pecado de Adão, Cristo estava lá para salvar a raça humana da destruição.
Pode bem ser notado aqui que não estamos falando de justificação pela fé, ou de crer em Jesus, ou de arrependimento, ou do novo nascimento. Se Adão tivesse alguma chance de vida eterna, ele teria que passar por todas essas etapas, assim como qualquer criança após a idade da responsabilidade. Esses são passos na salvação pessoal. Nas declarações inspiradas que lemos, estamos lidando com o modo como Deus resolveu o problema de uma raça sob condenação e em terrível ameaça de destruição total.
Agora podemos olhar ao quadro geral. Todos os homens receberam culpa, condenação, e a sentença de morte de Adão? É essa a herança de todos os filhos? Absolutamente. Todas as declarações citadas sobre "O Primeiro Adão" são literalmente verdadeiras. Adão pode nos dar apenas condenação e morte. Ele não tem vida ou esperança para nos oferecer. A pergunta de todas as eras é: Foram todos os homens realmente libertos dessa condenação 'em Jesus Cristo?
A maior parte da teologia cristã, incluindo o atual evangelho evangélico, diz ‘não’ a essa pergunta. Apesar daquilo que Cristo fez na cruz; apesar daquilo que Ele fez no jardim por Adão e Eva, a maioria dos cristãos crê que entramos nesse mundo carregando a condenação de Adão – que somos pecadores perdidos desde o nascimento. Todo um sistema de evangelho está baseado sobre essa falsa crença, o que deveria nos tornar justamente desconfiados dos ensinamentos desse evangelho, pois eles se relacionam com a justificação, santificação e a garantia da salvação pessoal.
Mas se for verdade que todos fomos condenados através de Adão, é muito mais verdadeiramente importante que fomos libertos dessa condenação através de Cristo. Se a primeira parte for verdade, então a gloriosa verdade é que a segunda parte também é tão verdadeira quanto.
Assim como Adão condenou todos os homens, assim Jesus libertou todos os homens dessa condenação, sem envolvimento pessoal ou escolha, e no mesmo instante. Todos os seres humanos receberam uma segunda chance de se decidirem a respeito da dádiva da salvação pessoal.
Alguns gostariam de sugerir que devemos dividir Romanos 5:18 em duas partes cronológicas.
Primeiro estamos debaixo de condenação por meio de Adão, e então a seguir estamos libertos dessa condenação. Isso é um pouco como perguntar se um lado da moeda vem antes do outro lado da moeda. Se pudéssemos cortar uma moeda no meio e separar suas duas partes no tempo, isso poderia ser uma possibilidade. Mas a realidade é que quando cortamos uma moeda no meio, a moeda não mais existe.
O único modo de uma moeda ter valor como dinheiro é quando os dois lados estão unidos, tanto no tempo quanto no espaço. O único modo de o plano da redenção ter qualquer valor é quando um lado da moeda – a moeda de Adão – está inseparavelmente conectado com o outro lado – a expiação de Cristo. É impossível falar de um tempo na história do pecado nesse planeta quando a expiação não alterou aquilo que o pecado havia feito conosco.
Portanto não podemos falar de condenação através de Adão sem imediatamente falarmos de como Cristo alterou essa condenação. É uma falsa teologia a que separa a condenação corporativa e a absolvição corporativa em compartimentos separados, analisando primeiro uma parte e então examinando a outra parte. A entrada de Cristo no Jardim do Éden alterou para sempre, por todos os homens, a culpa e condenação que Adão entregou à raça humana.
Alguns crêem que as declarações inspiradas que falam do "primeiro Adão" são suficientes para provar que todos nascemos debaixo de condenação por causa do pecado de Adão. Mas, como demonstrado acima, aquelas declarações sozinhas não são suficientes. O que precisamos ter, se realmente for verdade que nascemos nesse mundo como pecadores perdidos, é uma clara declaração inspirada dizendo que permanecemos condenados por causa do pecado de Adão.
Sem essa declaração não há apoio para a crença de que nascemos como pecadores perdidos.
Não é o bastante provar que recebemos culpa de Adão, ou que nossa herança é separação de Deus. Tudo o que essas declarações podem nos dizer é aquilo que justamente recebemos do primeiro cabeça da humanidade. O que é muito mais importante é aquilo que recebemos do segundo e verdadeiro Cabeça da humanidade, e como isso alterou para sempre o que o primeiro cabeça nos havia dado.
Conclusão
A realidade prática de tudo isso é que, enquanto nascemos em um mundo pecaminoso e com uma natureza caída, não nascemos como pecadores perdidos.
Nos tornamos pecadores perdidos posteriormente, ao deliberadamente escolhermos pecar, quando sabemos a diferença entre o certo e o errado. E. J. Waggoner resumiu bem nessas palavras: "Não que os homens nasçam no mundo diretamente condenados pela lei, porque na infância, eles não têm conhecimento do certo ou do errado, e são incapazes de fazer qualquer um dos dois, mas eles nascem com tendências pecaminosas, devido aos pecados de seus antepassados" (ST, 21 de janeiro de 1889).
Outro modo de dizer isso é que nós herdamos traços de caráter, nem todos positivos. Então o caráter é desenvolvido na criança muito jovem pela interação dos pais e da criança. Até aqui, há hábitos pecaminosos sendo formados até certo ponto, mas não há culpa pessoal ou condenação.
Em algum momento o caráter é escolhido pelo indivíduo, que é o ponto da responsabilidade pessoal e culpa pelas escolhas erradas. É aqui onde os pecados pessoais entram em cena. "Os pensamentos e sentimentos combinados compõem o caráter moral" (TS 310). É o caráter que determina nossa condenação ou salvação, não nossa natureza herdada.
Se formos salvos, levaremos nosso caráter para o céu exatamente como este foi desenvolvido na terra, enquanto nossa natureza será totalmente recriada. Na questão do evangelho, o foco sempre deve estar no desenvolvimento do caráter, que é o resultado de muitas escolhas pessoais. O pecado e a salvação sempre têm a ver com o caráter, não com a natureza herdada.